Eu sempre acho complicado falar sobre escolhas. Na eterna disputa para saber se a mulher é mais livre no ocidente do que no oriente. se o religioso é mais livre que o secular, se o disciplinado é mais do que o instintivo sempre fico na dúvida. Há níveis, é claro há níveis. E é fácil falar em liberdade de escolha sem abordar as conseqüências que essa livre escolha traz a alguém. Do que eu quero falar no entanto é sobre uma coisa que eu sempre achei que acontecia e se desmoronou ontem.
Conheci ontem Ismail, um Somaliano de 22 anos, enquanto estava trabalhando na Universidade. Falava como britânico mas mesmo assim perguntei de onde ele era. Contou me que tinha vindo da Somália. Perguntei se isso tinha acontecido antes do colapso do governo em 92, e ele se surpreendeu com a minha pergunta. Se surpreendeu explicou ele, pois quase ninguém sabe nada sobre a Somália. Expliquei a ele que me interessava por esses tópicos e soltei uma enxurrada de pergunta que fez ele me perguntar se eu era antropóloga. Sorri surpresa e ele me explicou que se interessava por esses assuntos.
Falamos de clãs, de etnias, de guerra, da Somalilandia, de como ele se sente ligado ou não a cultura que deixou para trás. Sobre sua familia. Sobre o que ele achava difícil. E foi aí que veio a frase que me arrebatou. ´O que eu acho difícil mesmo´ disse ele ´é conviver com a minha irmã que resolveu usar o Niqab´. A frase me espantou. Em nenhum minuto eu tinha pensado que ele era religioso ou de família religiosa. Essa foi minha próxima pergunta ao que ele respondeu. ´Não acho religião uma droga!´ Insisti para perguntar se a mãe ou o pai era muçulmanos seguidores. ´Não, meu pai mora na Ethiopia tem sua ligações com o clã. Minha mãe só importa com a tribo dela... ele tem origens muçulmanas mas não muito religiosos. A minha irmã, no entanto, resolveu se vestir de Ninja!´.
Eu fiquei chocada. Sem palavras todas as vezes que eu tentava entender alguém que escolhe usar o véu, isso vinha combinado na minha mente de uma imagem de família religiosa, de um meio religioso, de uma coerção e coesão social. Nunca assim no meio do nada. Perguntei a Ismail o que ele achava do véu e ele não foi menos direto. ´Eu acho um lixo. Sinceramente, eu odeio. Odeio pois não vejo a cara da minha irmã fora de casa. Não entendo o que ela fala. E o que eu acho o mais injusto de tudo é que ela vê tudo e eu não posso vê-la. De uma certa maneira ela rouba a minha escolha, a minha liberdade de vê-la!´
Fiquei tão surpresa que não soube o que dizer. Comentei com ele que nesse caso de fato essa era uma escolha dela. Diferente de outras que são obrigadas por todos os tipos de mecanismo sociais essa mulher de fato escolheu e sua escolha estava tendo conseqüências na sua vida familiar. Para mim, no entanto, a escolha dessa moça é ainda mais um mistério.