quarta-feira, fevereiro 28, 2007

Espere O Inesperado

Hoje nao vai dar para escrever sobre Ljubljana. Minha vontade eh escrever sobre a Bolivia. Fiquei aqui debatendo um certo tempo, e cheguei a conclusao que tanto faz a ordem dos fatores :)

Em abril do ano passado, me juntei ao meu amigo Sho, um brasileiro de familia indiana, que eu conheci em Nova York, para uma viagem meio de ultima hora para a Bolivia. Nao me preparei muito antes de ir, so comprei o meu Lonely Planet, tracei uma rota que eu descobriria depois impraticavel, e reservei um hostel para primeira noite pela Internet.

Compramos a nossa passagem pela Gol, Sao Paulo- Santa Cruz de La Sierra e alguns dias depois embarcamos. No meu periodo pre-viagem muita gente me dizia para nao ir, que a Bolivia era perigosa, que o Evo tinha acabado de entrar, que nao se sabia o que iria acontecer, com os conflitos com a Petrobras brasileiros podiam ser mal vistos, etc. Nao surpreendemente, todos esses avisos vinham de pessoas que nunca tinham viajado para a Bolivia. Dos meus poucos amigos que la tinham estado eu so ouvia coisas positivas, me diziam para nao perder a chance de ir, para visitar o Salar do Uyuni, que os Bolivianos eram cordialissimos, e que o pais era lindo. Mas o melhor conselho mesmo foi o do Lonely Planet, logo numa das primeiras paginas le-se : ' Na Bolivia espere o inesperado.' E de fato nao ha melhor expectativa.

Nossa chegada a Bolivia foi muito ...... mesmo depois de passado quase um ano ainda nao sei direito que palavra usar para definir. Chegamos a 1 da manha e conseguimos com sucesso tirar dinheiro no aeroporto. Pegamos nosssos bolivianos velhos e sujos, guardamos, fugimos do primeiro taxista que nos viu tirar dinheiro e pegamos um outro que nos trouxe ao nosso hostel. O taxista era muito simpatico, fizemos muitas perguntas, eu queria primeiro perguntar sobre coisas nao polemicas. Perguntei sobre a cidade, a cultura, as pessoas, mas o Sho queria mesmo saber era sobre o Evo Morales e a politica . Essas perguntas levaram o homem a ter enormes momentos de silencio, ficava pensativo e sempre nos dava respostas ponderadas e cordatas. Ele pouco parecia com os taxistas malufistas que eu sempre pego em Sao Paulo cheios de certezas. Aos poucos fomos percebendo no entanto, que o Evo era pouco querido nessa regiao do pais. Durante o trajeto o taxista ainda nos explicou o sistema educacional de Santa Cruz de La Sierra e quando estava nos contando sobre suas filhas chegamos ao nosso palacio.

Me faltarao palavras tambem para descrever o " Acre Alojamento" mas posso dizer que deixou o "oteu do seu bigode" espelunca que fiquei no interior da Bahia ( viagem que tbm precisa ser relatada) no chinelo. A porta era dessas de correr, que abre levantando, tipo de farmacia, azul anil. Estava tudo fechado, escuro. Tocamos a campainha e esperamos em meio aquela escuridao sem limites na rua inteira. Finalmente apareceu um homem com rosto indigena, como o da maioria das pessoas que vimos, que devia estar dormindo. Ele nao conseguiu nem compreender o que faziamos ali e muito menos como tinhamos feito a reserva.. Era evidente que ele nao sabia o que internet era. De qualquer maneira, disse que tinha um quarto vago. Pagamos pelo quarto, e recebemos a chave. Eu tenho certeza que por mais que eu tente, nao conseguirei dar a dimensao do que era o Acre Alojamento. Me lembrou o romance ' O Cortico' de Aluizio Azevedo. Tudo estava em construcao, poeira para todos os lados, buracos no chao. O Alojamento, era um terreno com duas contrucoes tipo senzalas. Uma para cada lado, divididas em quartos, um corredor entre as duas casas, aberto , sem teto, e com um buraco seguindo todo o encanamento da porta de entrada ate o fundo do Alojamento onde ficavam os banheiros. O homem nos levou ateh os nossos aposentos, que a foto que tirei nao dara nunca a real dimensao da qualidade do local. Infelizmente (ou felizmente) cheiro nao é retratado, mas assim que entramos no quarto senti que todos os temores de Dna Lucia, minha avo, se confirmavam. Olhei para o Sho e sempre de bom humor disse:' Nao eh o pior lugar que eu ja fiquei.' Ao que ele me respondeu ' Para mim eh.'

Desesperada para ir ao banheiro tirei minha lanterna e caminhei até o fim do ^coredor^. La encontrei duas portas abertas, em meio a construcoes , montanhas de tijolo e montes acho que cal. Dos banheiros emanava um cheiro pior que o daqueles banheiros do camping da praia de palmas onde rolava o forró na Ilha Grande ( para quem nao la esteve imagine o banheiro mais fedorento que esteve e multiplique). Fechar a porta era impensavel, fazer xixi de porta aberta neste local tbm. Prendi o ar, deixei a porta entreaberta, e tive um acesso de riso. Fiz xixi rindo lembrando do Sho durante o voo ponderando se haveria chuveiros quentes.

Voiltei ao quarto e percebi que o cheiro era ruim mesmo, quanto notei que a estadia no banheiro nao tinha suavizado em nada o cheiro do quarto... Tive um acesso de riso e me arrependi de nao ter levado sleeping bag, que minha avo tanto tinha insistido para que eu levasse pois segundo ela, o sleeping bag me salvaria se eu fosse parar num lugar duvidoso. O local era esse, a cama tinha um lencol desses que visivelmente nao devia ter sido lavado em muito tempo. Me cubri com tudo que eu tinha trazido dos pes a cabeca tentando assim minizar o contato com a cama e coloquei meu casacao na cama para me deitar em cima dele.

Enquanto Sho foi ao banheiro, peguei o lonely planet para planejar o dia seguinte. De repente comecei a sentir uma coceira generalizada no corpo inteiro. Achei que fosse psicologico, eu mal me mexia para nao tocar em nada, e tudo cocava.. cabeca, perna, lugares dantes nunca imaginados.... Quando Sho voltou mesmo temendo que ele me achasse fresca propus " vamos para outro lugar ?" Ao que ele respondeu ' Gracas a Deus, eu tava com vergonha de dizer que queria ir embora.'

O maior problema agora era avisar o nosso adorado anfitriao. Sho achou que poderiamos pedir a nossa diaria (2 dolares ) de volta e dizer que queriamos ir embora. Eu nao era tao otimista, e estava mais preocupada que o homem se sentisse ofendido, afinal ele mesmo tava ali dormindo num sofa. E nos nao estavamos achando o quarto bom o suficiente para dormir uma noite. Depois de pensar um pouco sugeri que dissessemos que eu era alergica. Nao sei se a vida imita a arte mas o fato é que a maldita alergia realmente se desenvolveu, e assim como se desenvolveu no dia seguinte desapareceu.

Saimos de la quase umas 3 da manha. Andamos pelas ruas escuras sem saber os riscos, sem saber onde encontrar um taxi, com nossas mochilas nas costas, e turista estampado na testa. Por sorte logo encontramos um taxi e com esse novo taxista fomos a caca as 3 da manha de um outro local. Esse taxista era mais falante, descendente de Quechua, vinha de Samaipata e me falou muito mal dos Peruanos. Para ele tudo de errado que existia na Bolivia era culpa dos Peruanos. Pedimos a ele para parar em todas os hoteis sugeridos pelo Lonely Planet, mas naturalmente por serem sugestoes estavam todos lotados. O taxista entao nos aconselhou um hotel que ele conhecia, que segundo ele era otimo! E foi assim que chegamos ao Hotel Espanha, longe de ser um hotel chique, mas comparado com Acre parecia um palacete.

segunda-feira, fevereiro 26, 2007

A caminho da Eslovenia

Voltei a Sao Paulo, sem perceber ainda o tanto que a minha vida tinha sido, e seria influenciada pelas conversas com a Vesna. Dois meses depois do nosso primeiro encontro eu embarcaria para Bolivia ( escreverei sobre essa viagem em breve), 5 meses depois Haiko arrumava emprego em Londres, 8 meses depois do dia que nos despedimos na praia nos encontramos em Londres.

Nos encontramos no meio da rua. Um encontro marcado. Enquanto eu a esperava pensava quao estranho aquilo parecia. Esperar alguem que eu mal conhecia tao ansiosamente. Fiquei um pouco preocupada na minha espera. Sera que nao ia ser estranho??? Fazia tanto tempo. Mal haviamos trocado emails. Quanto mais ela demorava mais insegura ( mesmo sem razao nenhuma para inseguranca) eu me sentia. Parada ali no Oxford Circus eu esperei. Assistindo outros encontros, passantes, e devanenando.

Enfim ela apareceu do outro lado da rua, andando rapido os cabelos esvoacantes. O sol batendo no rosto e eu me senti imediatamente feliz. Eh dificil explicar isso, mas no meio de tantos desconhecidos, ha tao pouco tempo em Londres ver nao apenas um rosto familiar , mas uma amiga, com mesmos interesses, e duvidas me inundou de alegria. Ainda que aquela amizade tivesse sido breve aqui em Londres era o que me era de mais antigo.

Nos abracamos e fomos caminhando ate minha casa. Nesse caminho ela me contou que nao gostava de Londres, que se sentia muito so, que levava uma vida pouco interessante, e que nem estava conseguindo economizar muito para futuras viagens. Em seguida, me disse que estava de partida para Eslovenia e que de la iria para o sul da Asia para fugir do inverno. Jantamos mais uma vez e nesse jantar ela me convidou para ir visita-la na Slovenia antes que ela fosse para Asia.

Eu que tava em Londres meio de ferias, meio vendo se me adaptava nao tive duvidas eu ia sim a Slovenia. Aquele plano taooo distante, que parecia tao surreal alguns meses antes iria sim se concretizar. Ja que eu estava vendo partir a minha unica amiga, nada mais justo que ir visita-la. Agora a tal viagem estava so a distancia de uma passagem. Dias depois eu acabei com essa distancia.

Eslovenia ?

Eu vou comecar escrevendo sobre minha viagem a Eslovenia que acabou se estendendo a Croacia. 'Por que a Eslovenia ? Eh o que eu quase sempre ouco quando digo que fui a Eslovenia, e sempre penso ' porque nao?'. Eu iria acho que a todos os lugares do mundo, tenho uma curiosidade enorme de ver como as pessoas vivem, ouvir linguas diferentes, imaginar o que as pessoas pensam, o que as diverte, o que as deixam perplexas, enfim descobrir como me parece a vida num lugar diferente. Entao, quando me perguntam 'porque a Eslovenia?', eu sei que eh porque a Eslovenia para brasileiros nao eh um destino comum, mas quando a pergunta vem de um amigo proximo eu sei que a pergunta eh mais para compreender porque de todos os destinos incomuns eu escolhi primeiro a Eslovenia. E para isso sim existe uma resposta clara: a Vesna.

Eu conheci a Vesna no Carnaval de 2006 quando fui acampar com amigos e desconhecidos na Ilha Grande. Assim que passou o Carnaval, eu que tinha acabdo de voltar de NY, resolvi estender minha estadia na Ilha uma vez que nada muito serio me esperava em sao paulo. Foi num desses dias extras que a Vesna apareceu na praia Brava, praia que era um pouco mais deserta pois fica fora do circuitos das trilhas famosas. Ela estava hospedada na Vila de Abraao mas do dia em que nos conhecemos ate o dia que parti, ela veio todos os dias ao nosso acampamento. Se juntou a tudo que fizemos, e em apenas 3 dias ficamos muito amigas. Amizade dessas de viagem, que acontece de vez em quando e que e intensa pois simplesmente nao ha tempo para pequenas doses, e ha tambem todo o tempo para overdoses. Foi um encontro desses que nao poderia acontecer de outra forma.

A Vesna estava no final de uma viagem de um ano por onde ela tinha passado pela: Australia, Nova Zelandia, China, Japao, Indonesia, Tailandia, Bolivia, Chile, Peru e Brasil. Eu tinha terminado a faculdade. Depois de anos morando fora entre NY e Amsterdam, depois de ter passado pelos departamentos de Cinema, Musica, Politica Internacional e Antropologia. Eu voltava finalmente formada. Ela voltaria em seguida para europa com ainda planos de visitar um amigo em Israel e depois ir para Londres juntar dinheiro para uma nova viagem. Eu sem planos, nao sabendo se voltaria pra Europa, se continuaria com o Haiko. Assim meio sem certezas passamos horas conversando sobre viagens, e impressoes. Ela me falou do fascinio que sentiu pela Bolivia, me contou como foi crescer num pais socialista e o que foi ver a desintegracao da Iugoslavia. Eu contei a ela as minhas estorias e no dia da despedida combinamos que nos encontrariamos pelo mundo.
-"Quem sabe na Inglaterra?" eu sugeri
- "Quem sabe na Eslovenia!"

Mais uma volta

Estava eu aqui pensando em voltar a escrever meu Blog. Na verdade pensando em postar os eventos memoráveis das ultimas viagens que fiz. Aí entrei no Blogger e constatei que eu já tinha começado outros blogs antes. Uns como 'longe de casa' que acompanhou minha vida em NY morando num apartamento de encontros internacionais, e outros como esse aqui que falava um pouco do que eu ia encontrando. Acho que eu nunca de fato devo ter falado de onde veio o nome ' descolonizando a mente' e é claro que é diretamente ligado ao campo de 'post-colonialism studies' , mas para mim acho que marca o encontro com o Mustapha Masrour, meu ex- chefe e professor e como eu nunca canso de dizer um dos homens mais fascinantes que eu já conheci. Guardo este post, no entanto, para mais tarde.

Quando resolvi retomar o Descolonizando a Mente era para postar sobre as minhas viagens. Fiquei sem saber se começava outro blog com um novo título, ou se continuava esse. Escolhi continuar mais uma vez. Coloquei o título ' mais uma volta' e pensei que ele era irônico. Mais uma volta, no sentido de voltar, de voltar de novo, mas volta em italiano é vez. E é mais uma vez que eu começo, mais uma volta em torno de mim mesma, mais uma vez que eu volto a querer dividir, e transbordar o que vem acontecendo.