quarta-feira, dezembro 29, 2010

Encontros

Eu estou acostumada a me sentir só em continentes distantes. Achar alento nos pequenos momentos de reconhecimento, em ver coisas tolas que em terras longinquas me trazem tao perto de me sentir parte de um todo. Quase nunca me importa me sentir só em lugares que eu nao falo a lingua. É sempre no encontro com o viajante, um outro "wanderer" existencial que eu me sinto em casa. E apesar de eu saber de tudo isso muito conscientemente, inconscientemente eu de alguma forma sempre espero que aqui no Brasil eu me sinta mais em casa. Eu não sei direito porque eu espero isso, porque o lugar "parecer" familiar só evidencia na verdade o quão arbitrario tudo é. Assim, que muitas vezes aqui no Brasil eu me sinto mais só do que em outros lugares do mundo. Eu sei que é uma ilusão, a solidao deve ser a mesma, mas é em meio a esperar o familiar e não importa quanto eu me prepare para isso, la dentro eu sempre espero encontrar um sentimento de casa. Nao encontro. Nao encontro em lugar fixo nenhum, e acho que nunca vou encontrar, eu encontro nos encontros...

E quando esses encontros acontecem meu deus como eu me emociono. Eu fico tão grata. Acessar ali com um outro alguem algo de privado, de secreto, de unico de individual. Algo que eu mesma nem lembrava que sentia tanta falta. E eu tento engolir tudo, ficar ali naquele momento o tempo que eu puder ficar, porque é tudo impermanente, e na minha vida de eternas mudanças o impermanente é tão evidente. Lembro do ultimo café da manhã que eu tomei com minha amiga Sabrina Rabello ( alias cd dela esta lançado!!!) em Londres, antes dela se mudar para começar um post doc em Boston. Lembro de querer estar ali tanto, porque tudo aquilo que nos dividiamos, quem eu era com a Sa ia ter que por um tempo indeterminado ficar suspenso. Lembro de no dia seguinte de sua partida ter algo para dizer para ela, que so ela no mundo todo poderia entender. Lembro de sentar no ponto de onibus sentindo uma saudade, uma falta de ar por mais uma vez ter que recriar o mundo sem a minha amiga por perto.


Lembro de sentir isso também quando parti da Asia. Sentada no aeroporto eu tentava imaginar mil maneiras de voltar para o Rio Mekong. Meu mestrado para acabar, minha vida suspensa em Londres, e eu querendo voltar para o norte da Tailandia. Lembro de mal conceber durantes as noites como seria se eu nao pudesse nunca mais voltar para a Asia. Lembro de no Hospital, quando eu ainda nao sabia o que eu tinha, de pensar meu deus eu quero ver o mundo, eu quero subir pedra e arvore, eu quero aprender a rir em outras linguas e se eu nao puder fazer mais nada?

E lembro é claro tambem dos momentos de encontro. E qualquer triagem que eu faça aqui será injusta. Deixará de fora momentos e pessoas importantes. Porque eu quase sempre to 100% por cento nos lugares onde estou. Lembro dos tambores berberes tocando na minha pele no deserto do Sahara, do vendedor de rede no litoral do Brasil, do meu encontro com SS Karmapa na India, sentir todos os musculos enquanto eu tentava descer uma pedra no sul da Asia, o molejo do elefante, o abraço inusitado de Tangmo, minha aluna tailandesa. Lembro de gargalhar com Horm, e Aoh na varanda de um vilarejo minusculo sem entender quase nada. Gargalhar em meio a trovoadas e falta de luz enquanto Aoh massageava Horm. Lembro de me sentir dentro da casa bombardeada no Iran quando minha amiga Sara apavorada veio ao meu quarto no dia que os EUA invadiram o Iraq falar de suas memorias de infancia. Lembro de ouvir a Joss, em Ny, me contar com todos os detalhes do mundo sobre o presente que ela tinha ganhado de uma menina tibetana. Ou entao, de ouvir Elisa me contar shakespeare dentro do Jardim Botanico, sentir o piado dos passarinhos na pele. Em todos esses momentos eu senti uma gratidao enorme por poder ouvir essas estorias, por poder estar la.

Na Lapinha, agora nesse final de ano, eu tive encontros assim. Primeiro o meu encontro com minha prima que mexeu muito comigo. Depois com mulheres que tinham tantas estorias lindas para contar. Mulheres que se encontraram como mulheres. Se encontraram nas minha estotias pouco ortodoxas. E por sentirem se a vontade ouvindo as minhas contavam as suas. Como somos parecidos no mundo era tudo que eu pensava.

Conheci na Lapinha uma mulher excepcional. Claudia Alcantara. Quando ouvi a estoria da sua vida disse imediatamente que escreveria sobre ela. Ela me explicou que ja tinham escrito. Eu expliquei que nao era que eu ia escrever para ninguem publicar. Eu escreveria no meu blog onde eu transbordo assim meio sem sentido e quase ninguem le. FIcamos amigas. Claudia é uma grande empreendedora. A mente dela não para nunca. Paramos juntas para meditar. E eu ouvi ela contar suas estorias. Claudia que criou a Cadiveu uma empresa que faz cosmeticos para cabelereiros, criou tbm um salao, e uma loja de produtos organicos. Cadiveu é um nome de uma tribo. Eu não sabia nada sobre eles. E nem tao pouco sobre cosmeticos.

Ontem fui ao salao da Claudia. Praticamente brincamos de boneca :) Ela me penteou. E eu pude conhecer a loja organica dela. Ela me mostrou um vaso pintado pelos Cadiveu e me contou sobre eles. Me contou sobre como ela criou tudo que criou. Seu sucesso, e sua beleza não estão para mim na estoria comercial de sucesso. Mas numa coisa bonita que ela me disse. "Ju, atraves do meu trabalho eu to podendo dar trabalho, e ajudar muita gente. Eu tento ajudar os Indios o maximo que eu posso. Eu me encantei pelo arte deles." Fui ouvindo seu planos e fui ficando emocionada. Eu vivo num mundo academico, esse outro mundo é muito alien para mim.

"Eu criei tudo que eu tenho. Comecei do nada. Eu não me importo com o dinheiro em si. Dinheiro é importante para eu poder continuar criando, ajudando as pessoas a minha volta, eu acho que temos que fazer o bem."

Caminhamos juntas até minha casa. Queria ter dito a ela que ela não começou do nada. Ela começou do tudo. Do que realmente importa. Não disse, as vezes essas coisas ficam no silencio. E eu senti aquela coisa de encontro. Que eu sinto as vezes nos momentos mais distintos. Com pessoas as vezes tão diferentes de mim. Acho que são pessoas que querem um mundo melhor. Que constroem diariamente um mundo melhor. Não precisa ser nada megalomaniaco, mas alguma conviccao que o mundo está sim mudando, e que nós nas interações diaria somos parte do mundo que se forma.

Em um desses encontros muito profundos e intensos que eu tive me disseram. "Voce nao ta 100% aqui. 100% por cento é ficar. é nao ir embora." Pensei tanto sobre isso. Talvez ter a partida determinada faça com que eu tente estar muito mais pois tenho pouco tempo. As vezes me dá medo eu me abrir tanto assim, e amar tanto assim. As vezes é exaustivo ser eu. Mas o que é que eu posso fazer..... eu não sei ser outra pessoa.

quinta-feira, dezembro 23, 2010

Encontros Inusitados

Estou ficando na casa do meu grande amigo Fellipe Gamarano Barbosa. Fellipe é cineasta, ele ve o mundo assim de uma maneira só dele. As vezes discutimos por causa disso porque eu vejo de uma maneira so minha. As discussões duram pouco pois somos amigos há tempo demais. Da casa dele saí de manhã para encontra uma outra amiga nossa que estudou conosco em NY. Marcamos o encontro no BiBi sucos o unico lugar que eu sei ir aqui no rio. Eu sei porque é logo aqui do lado. Assim que todo mundo que eu tenho que encontrar, eu encontro la. O Bibi é um lugar muito popular então na hora de almoço está sempre cheio.

Esperei do lado de fora minha amiga chegar enquanto eu observava a movimentação lá dentro. Quando ela finalmente chegou, entramos e eu pedi a dois senhores sentados numa mesa se podiamos divivir a mesa com eles. Eles concordaram, e começamos uma breve conversa sobre como era meio triste o fato das pessoas ficarem sentadas sozinhas em mesas de 4 lugares enquanto tinha gente que esperava de pe. Sentamos de uma maneira que minha amiga Elisa ficou na frente do meu vizinho e eu na frente do dela.

Tivemos conversas paralelas e por uma hora eu realmente nao tive a menor ideia sobre o que estava acontecendo com ela. A minha frente estava David. Um senho de 74 anos, muito em forma, muito gentil e que parecia emocionalmente abalado. Perguntei se ele estava bem e ele me explicou que estava muito tenso, sua filha diabetica tinha sofrido uma operação de 8 horas. Ela, ele me explicou era uma pessoa dificilima. Se recusava a ter enfermeiros terapeutas, nao comia e vive entrando em coma. Ele tem que ligar o dia inteiro para ver se ela comeu e quando ela nao atende ele sabe que tem que sair correndo porque ela deve estar em coma. " Quando ela entra em coma na cama tudo bem, eh facil, mas quando eh no chao e eu tenho que dar agua com açucar com conta gotas ajoelhado no chao me arrebenta! eu tenho 74 anos!"

Eu quando ouço essas coisas sempre quero trazer uma palavra de alivio. Ali eu nao sabia o que dizer. Propunha solucoes todas tentadas. " MInha filha eh muito revoltada! vc nao entende ela bate o pe e nao faz". Eu queria dizer " Entao deixa! O senhor nao pode ficar 24 horas por dia tomando conta da sua filha!". Impossivel de dizer isso. Como dizer a um pai que ja viu a filha quase morrrer um milhao de vezes para deixa-la e ver o que acontece? Entao eu ouvi em silencio. Ele me contou que tomava conta da filha, a sobrinha tinha tido cancer 5 vezes, o irmao tem 91 anos. Fui ouvindo sem saber o que dizer. Eu so dizia "Davi, o senhor precisa tomar pelo menos 5 minutos por dia para meditar! Pare por um segundo e fique com vc. Esqueca todos os outros!". "Eu nao posso minha filha, eu tenho que cuidar deles!!!" Eu ouvia, e sempre insistia na minha ideia " 2 minutos no banho fecha o olho e larga tudo!". Conversamos muito. E ao final ele que me explicou que era meio medium me contou que tudo que eu fizesse eu faria bem, daria certo. Eu agradeci as palavras.

Ao meu lado, Elisa minha amiga teve uma conversa bem menos inspiradora. Ela que é atriz conversou com outro Davi o ator da escolhinha do professor Raimundo SambariLove. Eu nao o reconheci porque eu sou pessima com essas coisas, alem de nao ter visto a escolhina muitas vezes.

De noite, fui com Fellipe a um bar aqui perto de casa. Sentamos, e ele comecou uma conversa com um senhor que eu tao pouco tinha reconhecido. O senhor estava fazendo um filme sobre musica e compositores. Fellipe falou para o senhor de mim, e me mandou sentar com ele. Das grandes coincidencias. O senho era o Eduardo Coutinho. De quem eu confesso nunca tinha ouvido falar ate assistir o filme sobre o qual escrevi no ultimo post. Sentei me com ele e disse tudo aquilo que escrevi aqui. Conversamos sobre antropologia, filosofia e muitos outros ia. Ele me falou para mandar as musicas. Eu achando aquilo tudo meio estranho. Eu que componho assim por diletantismo fiquei sem saber direito oque dizer. Nao fazia nem 12 horas que eu tinha escrito sobre ele, sobre o filme dele.

Voltei para casa, e o ultimo pensamento que tive antes de deitar nao foi sobre o E. Coutinho. A conversa com o Coutinho foi muito interessante mas oque me tocou foi o outro encontro, o outro que me deixou bem mais feliz. Foi o Davi. Logo antes de sair do Bibi ele me olhou e disse "Me desculpe! Eu joguei toda essa carga em cima de vc! Eu te contei tudo sobre tudo isso." Eu expliquei que ele nao precisava pedir desculpa, que eu esperava que ele parasse 2 minutos por dia para se recarregar. Que eu tinha ficado tocada ounvindo tudo. E entao ele disse " Julieta. Voce é uma pessoa muito muito especial. Encontrar voce aqui foi a melhor coisa que aconteceu no meu ano todo. Muito obrigada por vc ter me ouvido!"

Meu olhos se encheram de lagrimas. E eu entendi que as vezes nao temos que dizer nada. As vezes as pessoas sao colocadas no nossa caminho para serem ouvidas, para nos ouvirem. Ouvir mesmo. Ouvir com tudo que ta ali. E eu ouvi, e foi um presente muito grande para mim apenas ouvir. E no final ainda ouvir de um homem tao bom que nosso inusitado encontro tenha trazido um pouco de alento.

quarta-feira, dezembro 22, 2010

Das Tendencias Humanas

Um amigo meu me disse uma vez "deve ser exaustivo ser você, seu sistema empático é forte demais." Eu ri. Provavelmente porque ele tava rindo, se tivesse chorando provavelmente eu teria chorado. Sera realmente tudo culpas dos neurônios espelho, de um sistema empático muito forte, ter nascido na América do Sul? Sei la. Tudo isso misturado e provavelmente mais um monte de coisa que eu devo ter deixado esquecida.

Eu to no Rio. E eu sinto demais. É quente demais. Os re-encontros são profundos demais, até os novos encontros me movimentam demais. Um outro amigo, tbm antropólogo me disse Tel Aviv e Rio são parecidas. Ele que morou tbm em Beirute acha isso de la tbm. Quanta intensidade. As coisas no Rio são exageradamente bonitas, e caóticas. Exageradamente para mim as vezes um pouco superficiais. Não digo isso como Paulistana que desgosta do Rio. Eu acho que essa superficialidade que eu encontro aqui ta la nos shoppings, nas boates, nas ruas do Jardim. Coexistindo tbm um milhão de outros mundos...pq nessas cidades caóticas tudo coexiste lado a lado.

Fellipe, me levou para ver o ultimo filme "secreto" do Eduardo Countinho. Foi no Instituto Moreira Salles, e foi secreto pq o filme é inteiro sobre um dia na TV aberta brasileira. Antes de escrever aqui pensei e fui fazer uma pesquisa para ver quao secreto esse filme era, afinal eu tbm nao quero que o Coutinho seja processado. Quem quiser ler informações aqui estão.

Eu nunca assisto televisao. Alias nao tenho uma televisao. Entao um filme inteiro de clipes da TV aberta foi particularmente dificilimo para mim. Nao pelo conteudo pq nao me surpreende tanto o que esta na TV brasileira. Tudo isso é sabido. É sem duvida um retrato assustador da sociedade brasileira. Eu tao pouco achei muito especial. POdia ao me ver ter sido um projeto de escola. Enfim, eu assisti o filme e quando ele acabou e o painel de discussao começou eu estava curiosa para ver o que as pessoas diriam. E o que o Coutinho dizia.

Ele disse muito, mas eu achei que não disse quase nada. Disse que não adianta fingir que a TV não esta aí que nos precisamos entender o porque tem tanto poder. O que as pessoas que assistem pensam. Que precisava ser feito um trabalho serio. Eu calada pensava dentro de mim: Então façam, vcs estão falando de um estudo antropológico mande alguém numa comunidade e observem as pessoas ver tv, ouçam o que elas tem a dizer... idealmente façam testes implícitos. Isso é claro da bem mais trabalho.

Depois ele disse que precisávamos entender porque esses programas tinham tanto sucesso. Uma vez mais a chata acadêmica dentro de mim pensava " ué.... testa... coloca algum num mri, num eeg...poe os programas. Investiga, tenham perguntas empíricas. Teste-as. Nao é difícil de ter proposições. Todos esses programas devem "play" em tendencias muito ingrained muito ligadas a nossa estoria evolucionaria.

Como sempre a grande pergunta para mim é o quanto estimular essas tendencias realmente muda alguma coisa. Isso tbm é uma pergunta empirica. Ou melhor, o quanto conteudo afeta estruturas cognitivas. Eu acho que é muito importante entender o homem como ele é como todas essas tendencias a categorizar, essencializar, gostar do seu grupo mais do que o outro, querer ser belo, etc etc etc... para que possamos desenvolver melhores sistemas educationais, planos politicos, filosofias.

Colocar la um filme com varios pedacos de TV eu acho que faz muito muito muito pouco. Ainda tem uma certa parte da experiencia que faz o espectador ali na sala do IMS se sentir tao dierente tao distinto das massas. Nao é. Nao somos.

Quando eu estava na Lapinha a Maluh, uma mulher excepcional que trabalha em um milhao de projetos artísticos e de paz criou uma atividade. Ela nos ensinou a fazer uma lanterna de cartolina de sao joao. Fizemos todos juntos numa sala. Nos que nao nos conhecíamos fomos trocando material, ajudando uns aos outros, nos concentrando na execução de um coisa nova. A noite, ascendemos nossas lanternas.

Maluh propôs uma caminhada em silencio. Que observássemos a luz. Fomos em silencio pelos arredores da Lapinha. Ouvindo os sapos, e diferentes ruídos pela noite. Um exercício tao filosófico. Não dá para olhar para a própria luz, você tem que olhar para a pessoa da frente. A sua luz ali na cara ofusca.. ela tem que ficar meio de lado, iluminar o caminho do outro. Caminhamos em silencio. E aquela brincadeira em segundos virou um ritual.

Meu primo de 11 anos tomou a dianteira. Ele que adora computadores e internet estava no ritual dele. Andando guiando, uma senhora de 74 anos também estava no ritual dela. NO ritual nosso. Ao final. nos juntamos para dizer um pouco do que tinha acontecido. Todo mundo tinha algo para dizer.

Eu agradecia a Malu porque ali naquele instante, eu lembrei de uma coisa preciosa. Nos temos todas essas tendencias. A tendencia a ter liberações químicas e aditivas quando assistindo programas de TV ruim, e tendencia de criar um ritual magico. A Maluh me contou que quando foi fazer um projeto na Febem levou tinta para os meninos pintarem. Eles la com toda aquela bagagem pintaram coisas lindas, coloridas. Acho que tudo isso eh para dizer isso. O retrato da TV brasileira diz um pouco sobre nossa sociedade. Não muito. Nossas tendencias são muitas. Estimulemos as que nos torna mais sociais, e mais humanos.

segunda-feira, dezembro 20, 2010

Na Calada Da Noite

Estou escrevendo este texto no avião. Indo de Curitiba ao Rio. Já perdi a conta de quantas vezes eu cruzei as fronteiras imaginarias pelo céu. A terceira vez que cheguei a Mut Mee, minha casa em Nong Khai na fronteira da Tailandia com o Laos depois de ter dado a volta pelo sudeste asiatico, cheguei de madrugada. Tudo estava fechado. Entrei, e sentei nas grandes mesas cobertas por telhados de sape. Fiquei incrivelmente feliz ali. De volta. Lembro de pensar no livro da Liz Gilbert, na sua chegada ao Ashram na India, bem no meio da noite quase de madrugada. Lembro dela explicar, que seu avo dizia que uma galinha para ser aceita no galinheiro, tinha que ser assim, colocada no meio da noite. Dessa maneira quando todas as galinhas acordassem era como se a nova galinha nunca tivesse partido. Pensei isso aquele dia. Pensei isso todas as vezes que cheguei em algum lugar assim, de mansinho, aos pouquinhos.

Foi meio assim minha chegada a sao Paulo dia 26 de novembro. Cheguei e fiquei quietinha, sem ligar para ninguem, porque nesse ano como nos ultimos vim para visitar a famosa “maquina”. Fui fazer meu exame de ressonancia, e dessa vez tão tranquila, ou quem sabe tao cansada, até adormeci dentro da maquina de ressonancia magnetica. E fiquei mais uma semana meio quieta esperando par air la correndo e fazer o que eu sempre faço, pegar o meu exame, e abri-lo, e procurar a unica coisa que faz sentido para meus olhos nao medicos. A conclusao. E mais uma vez ela dizia: “nenhuma nova alteração”. E eu chorei como sempre choro na percepção da fragilidade e da força da vida.

Alguns dias depois da minha chegada minha mãe me convidou para ir com ela a AACD onde ela voluntaria ja faz alguns anos. Ela sempre conta as estórias, e quando eu meio que ameaço ficar um pouco emocionada ela explica. “Não precisa ficar emocionada, a AACD é um lugar muito alegre! As crianças riem muito”. Eu fico tocada quando minha mãe diz isso. De fato, muito do sofrimento que vemos está nos nossos olhos. Nem sempre dificuldade é sinonimo de tristreza. Então que quando eu fui com ela a AACD, cheguei la do meu jeito. De mansinho, observando de longe com cuidado… fui me apaixonando pela professora uma mulher excepcional, que da aulas para 35 criancas de 5 anos de manha numa escola da prefeitura, e a tarde na AACD. A vivacidade, a alegria, o empenho, a dedicação são totalmente comoventes. A professora, faz de um tudo, compra coisas do seu proprio dinheiro, livros, estorias, faz fotografias, e aqueles alunos de fato são alegres, e apaixonados por ela. Minha mãe tem razão não é um lugar triste. São muitas e muitas risadas.

Depois disso eu fui parar em Curitiba, com uma prima que eu so realmente conheci ao vivo em junho. É incrivel como podemos nos conectar tanto com alguem em tão pouco tempo. Eu, já expliquei aqui um milhão de vezes que não sou nacionalista. Eu também nao sou parcial. Nao gosto de alguem so porque é da minha familia. Raramente tenho esse sentimentos que ligações de sangue importem muito. Acho que contruismo os nossos relacionamentos, e que vamos escolhendo pessoas que admiramos para respeitar e admirar. E essa minha prima apareceu assim, para dividir coisas de alma.

Com ela vim a Lapinha, um spa no parana. Um lugar lindo. Um lugar tranquilo. Um lugar verde. Organico. Não é um spa tipico. As pessoas que estao la nao sao obsessivas com emagrecer. Nao. A lapinha é cheia de pessoas que estão voltando lá para descansar, para se acalmar, algumas até para engordar. É tudo tranquilo, tudo num clima bem de paz. E ali eu fiz muitos amigos, e conheci pessoas realmente incriveis e eu pude “reconhecer” a minha prima, porque conhecer eu ja devia conhecer em algum lugar da alma, em alguma outra dimensao, em alguma outra coisa bem pouco racionalizavel.. E hoje eu saí de lá assim, bem cedo, bem de madrugada para que quando amanhaecesse fosse como se eu nunca tivesse partido, nunca tivesse estado.

Eu acordei e no silencio da noite sentei com minha prima no pequeno sofa, mal concebendo como a vida pode trazer alguem a sua vida assim. Alguem que nao existia na sua vida e de repente a vida é impensavel sem a existencia daquela pessoa. Parece que ela sempre esteve la. E eu sentei ali, tao grata, tao tocada, tao feliz, tao dificil, tao cheia de sentimentos, tao emocionada. Entao, foi bom sair bem assim dentro da madrugada. Dirigir no silencio da noite, torcendo para o taxista falar pouco porque qualquer conversar casual é meio que profanar aquele momento tão puro, tao cheio de emoção. Só consegui partir da Mut Mee tambem assim, sem dizer adeus a ninguem. Porque nessa vida de cruzar tantas fronteiras, eu vivo tendo que dizer adeus. E quando sou eu que parto é mais fácil ir assim na calada da noite.

ps: escrito dia 17/12

domingo, novembro 28, 2010

Sentimentos Viscerais Pouco Explicados

Eu não sou especialista em violência no rio. Aliás eu não sou especialista em quase nada que vá alem de sentimentos viscerais de situações que pareçam estranhamente fora de lugar. Quarta-feira passada houve um protesto estudantil no reino unido. Os estudantes de escolas e de muitas universidades se juntaram para protestar contra o aumento das "fees" que o governo está propondo. O novo ajuste propõe triplicar o valor das anuidades.

Eu não fui ao protesto... acompanhei o que NAO estava acontecendo pela mídia. Explico. A mídia começou a mostrar imagens de violência, de fogo, de brigas etc.. levando o povo a focar na suposta violência e não na razão do protesto. Como muitos amigos meus da LSE estavam la eu sabia que depois poderia ter acesso a um outro lado da estoria.

O que aconteceu foi que a policia prendeu por 9 horas 4 mil estudantes numa área aberta. A pratica que é chamada de "kettling" incitou um pouco de violência numa pequena minoria. A maioria dos estudantes que estava la percebeu que a van da policia abandonada vazia no meio de Whitehall so podia ser parte de algum plano.

E o plano era provavelmente esse: frustrar os estudantes.... desmotiva-los de participarem em outros protestos e de criar as imagens que a mídia queria ver. Foi assim, que minha amiga Aude reportou que enquanto eles congelavam de frio helicópteros da midia os sobrevoavam. Jornalistas entravam e saiam acompanhados de segurança na area onde estudantes estavam presos..sem água, banheiro, comida numa temperatura que caia.

David Graeber, intelectual americano, que foi despedido de Yale por suas visões politicas ( David é um anarquista), apanhou dos seguranças da SKY news. Eu que já participei de uma lecture onde Maurice Bloch o apresentou como sendo a mente mais brilhante da geração, eu que ja até tomei cha com David me enfureci. Eu não vi toda essa manipulação. No entanto acredito mais nos olhos dos meus colegas de doutorado, definitivamente pessoas não-violentas, as fotografias do jornal.

De fato, as pessoas colocaram fogo. De acordo com varias pessoas que eu ouvi, o fogo era para minimizar o frio que eles estavam passando. Quando um fogo ficou um pouco maior, os estudantes chamaram a policia e pediram ajuda. A policia negou ajuda e quem veio foi é claro a Midia! Mais uma foto para sua coleção.

Aude minha amiga, contou que por umas duas horas não tinha entendido o que estava acontecendo. Resolveu ir embora e quando chegou na barreira disse:

"Excuse- me I need to go home"

O policial olhou para ela e disse

" Eu nao posso deixar vc passar pois tenho medo que vc destrua a cidade."

Aude ainda perplexa no dia seguinte quando eu a encontrei, me disse que nunca imaginou que isso pudesse acontecer na Europa. "Eu me senti tão manipulada! Realmente uma palhaçada!"

Perguntei a ela se ter ficado presa no frio 9 horas tinha feito com que ela resolvesse numca mais participar num protesto.

"You know. I think two thirds of the people will probably not come back. But those that will will be prepared. Next time I will bring a tent, and clothes, and food... and lets just play their game!"

Meus houseomates, australianos, que nao sao estudantes ficaram tão furiosos com a manipulação que decidriam que da proxima vez eles tambem participariam do protesto.

Eu não tenho a menor idéia do que realmente está acontecendo no rio de janeiro. Tenho certeza no entanto, uma certeza dessas viscerais pouco explicadas, que o que está acontecendo pouco tem a ver com o que esta sendo mostrado na midia. Quem está pagando o preço do que a mídia quer nos botar goela a baixo é sem duvida (como sempre) as pessoas mais fracas.

Podemos especular a quem interessa ter o povo convencido dessas narrativas "midiáticas"? Podemos especular sobre como as pessoas que estão lá, que viram o outro lado da estória vão reagir no dia seguinte... Eu que morava em NY quando 9/11 aconteceu, eu que inventei de fazer um doutorado sobre uma escola de coexistência entre Palestinos e Judeus Israelenses. Eu que fico tentando aprender mais sobre mecanismos cognitivos tenho mais um desses sentimentos viscerais pouco explicados: sinto que usar medo para manipular a opinião pública é eficaz, mas a longo prazo sem dúvida um desastre.

segunda-feira, novembro 22, 2010

Mais uma Volta ao Redor do Sol

Sexta feira foi meu aniversário, e eu todo ano escrevo aqui o quanto gosto de fazer aniversário. Eu paro e penso sempre nas voltas ao sol, e hoje em dia meus amigos ao inves de dizerem "Feliz Aniversário" me perguntam das tais volas :) Sinal de que me conhecem bem, ou então de que leram meu blog :) Esta vez portanto, nao vou falar do tanto de emoção que me causa esse pensamento tolo.

Meu aniversario dura mais do que o de muita gente, pois eu começo sempre recebendo mensagens de pessoas de outros fusos que começam a celebra-lo antes, e eu vou celebrando ate o ultimo meridiano. Comecei acordando bem cedo e indo para LSE para o meu seminario de cultura e cognicao. Um seminario so para nos os estranhos do ninho. Dan Sperber tinha vindo de Paris para substituir Maurice Bloch que esta nos EUA.

Aude, minha amiga francesa, que fez seu trabalho de campo na Mongolia chegou trazendo um bolo com vela para celebrar meu aniversario. Entao enquanto ouviamos Dan falar do seu ultimo paper sobre "epistemic vigilance", enquanto faziamos perguntas e comentarios comiamos o bolo da Aude. Nao fazia nem sequer um mes, que ela tinha trazido um bolo para celebrar os 71 anos do Bloch. Bloch que é parente do Durkheim e do Mauss. Bloch que é um dos antropologos que eu mais admiro. Tão surreal é as vezes a vida.

De noite, fiz uma festa. Aquele tipo de festa que vc nao pode convidar todo mundo que quer porque a casa é pequena. E vai convidando todo amigo que encontra porque nao imagina celebrar o aniversario sem mais aquela pessoa. E como sempre essas pessoas vieram. De mundos totalmente diferentes. Os neurologistas, neurocientistas, os antropologos cognitivos, os sociais, os diplomatas, os yogis, os que nao tão nem ai para nada de academico, os que nao concebem a vida sem ciencia, os espirituais, os ateus, os agnosticos, os artistas, os esportistas, os cozinheiros, os tudo isso junto e misturado, e os nada disso.. E ali naquela misutra toda como sempre eu celebrei a vida... dançando, cantando, tocando, virando de ponta cabeca, fazendo acrobacias... e me surpreendendo sempre com a riqueza da diversidade. Tinha gente aqui na minha casa de todos os continentes. E o que eu gosto mais de tudo é observar essas pessoas que nao se conheciam antes, que vem de mundos tão distintos se misturarem, se encontrarem.

Todo o ano eu me animo para o meu aniversario. Todo o ano as pessoas se animam e me desejam feliz aniversario. Esse ano, pela primeira vez, muita gente que ta longe me perguntou "vc nao ta com medo, afinal voce ja esta chegando perto do 30? Ja ta ansiosa, angustiada etc etc etc?"

É um pensamento estranho esse. Nunca tinha me ocorrido que eu devia estar tensa, ansiosa, e que um numero externo tivesse um acesso secreto ao meu mundo interno. Acho que se eu tivesse medo seria de "nao chegar" aos 30, aos 40, aos 50, 60, 70, 80, e vendo a minha vó viajando o mundo aos 86... de nao chegar bem como ela aos 90!
Que paranoia é essa que aflige tantas pessoas num mundo que nos que temos acesso a tantas coisas, podemos viver muitas vezes tao bem e por tanto tempo ? Eu gosto das voltas ao sol, pq volta é movimento. E movimento é vida! E as voltas vão continuando.. nao sabemos bem até quando... mas enquanto elas vão continuando eu vou celebrando a vida.

quinta-feira, novembro 18, 2010

Agridoce

Ta chegando a epoca. Aquela época meio agri-doce. A época que eu vou ao Brasil ( doce) para fazer minha anual ressonancia magnética (amargo:). Eu já escrevi aqui várias vezes do sentimento meio ambivalente que eu tenho quanto a máquina .Entao chega essa época do ano, e ainda que eu nao perceba eu vou ficando um pouco tensa.

Hoje foi um dia daqueles. Daqueles que tudo parece parar de fazer sentido. Porque mesmo que eu quero ir a Israel? Fazer o que? Aprender Hebraico para que? Doutorado por que?? Um sentimento que vem se prolongando. Por causa dele, resolvi procurar algum Israelense em Londres que me me ajudasse a entender melhor a cultura, a lingua etc. E que melhor maneira do que usar o meu adorado CouchSurfing? Fiz uma busca usando como critério pessoas que falassem Hebraico e que estivessem em Londres.

Foi um exercicio assim meio ao acaso. E não é que eu encontrei um" devout pacifist activist". Escrevi imediatamente para ele, e dois dias depois fui encontra-lo. Como o mundo vai me parecendo cada vez menor ele nao so morava perto de mim, como trabalhava na LSE.

Nos encontramos num cafe meio "hip", e começamos a conversar. Hoje em dia eu já nem acho mais estranho marcar encontros com totais desconhecidos. São segundos de desconhecimento e aí eu já me sinto a vontade. E ele me contou de toda sua experiencia. Muito distinta daquelas das pessoas que eu tinha conhecido em Israel. Ele, um refusenik ( Israelense que conscientemente escolhe nao fazer parte do exercito) escolheu ser preso por dois anos, como ato de resitencia civil.

Não, que ele tenha chegado me dizendo isso. Na verdade, ele nao acha isso nada demais. "Era a unica escolha que eu podia ter! Eu discordo do sistema, tenho amigos Palestinos, acho o que acontece por la uma tragédia, e o pior de tudo uma tragédia que poderia ser evitada!." Meu novo amigo, trabalha com um Palestino na LSE num projeto chamado "New Approaches" e que busca desenvolver novas maneiras em lidar com o conflito. Para eles em vez de pensar no conflito como dois lados distintos, deviamos pensar nele como uma coisa unica...e que os fundamentalistas dos dois lados beneficiam da guerra. Ele que estudou "Global Governance" acredita que o conflito tem que ser "internacionalizado". Pessoas que cometem crimes devem ser levada a Corte Internacional de Haia. ( Essa é um simplificação enorme do projeto deles).

Quando eu contei a um dos meus hosts em Israel que eu tinha conhecido um "Israeli Peace Activist", ele quis saber o nome. Quando eu expliquei quem era, ele me contou que tinha lido seus artigos quando tinha acabado de entrar para o exercito. "Muito facil nao ir para guerra e ficar preso!" Foi seu comentário. "Voce acha que ele é um traidor?" perguntei "Nao. So acho que ele é fraco! Eu tenho os mesmos medos e a mesma "moral" que ele. Mas eu fui para o exercito!"

Como sempre eu nao insisto em nada. Eu ouço e fico sempre me perguntando.... "O que mesmo eu vou fazer por lá?"

quarta-feira, novembro 10, 2010

Gal

Esses dias eu ouvi Maria, minha amiga Grega que também faz doutorado comigo explicar que nos (eu e ela) navegamos o mundo atraves dos nossos sentidos. O jovem, Philip, que aos 21 anos tbm está fazendo doutorado conosco explicou que nos precisavamos compreender que eles os jovens britanicos navegavam o mundo "through their own insecurity." Nao era uma resposta que eu ou a Maria esperavamos ouvir do Philip. É engraçado como essas expressoes ditas meio ao acaso, as vezes ficam. Hoje li um Israelense explicando no Couch Surfing que ele se sente uma esponja ambulante.

E a combinação de me sentir uma esponja ambulante guiada por meus sentidos me fez pensar é claro em viajar. Talvez a estimulação mais forte a todos os meus sentidos tenha acontecido na India. No entanto, ainda que eu me lembre dos momentos sublimes, e desesperadores na India, a alguma coisa em Israel que penetrou ainda mais. Talvez seja o simples fato de que ali, o berço das religioes do livro, que é tao parte da nossa sociedade, eu conseguisse compreender a incompreensibilidade das coisas um pouco melhor. Nao sei. Só sei que eu tinha dito que aqui escreveria sobre a minha viagem, e por uma ou outra razão sempre evito.

Cheguei no aeroporto Ben Gurion, querendo ser esponja, querendo entender, ver, sentir tudo que ouvesse para sentir. Nao sei, se faria alguma diferenca eu nao querer. Parece-me que por la nao há jeito. É tudo ao extremo, é tudo forte, é tudo demais. Como tinha chegado tarde, achei melhor ir com o Mexicano que eu tinha conhecido no voo para o hostel. Quando liguei para dizer isso a Omri, meu primeiro host, ele disse que nao havia problema ser tarde, que ele tinha que trabalhar mas seu melhor amigo,Gal, que tinha vindo de Tel Aviv, me receberia em Jerusalem.

Entao, eu peguei a van, e fui parar en Nahlaot, um bairro muito antigo de Jerusalem. Assim que cheguei na esquina indicada, de mochila nas costas para minha primeira aventura como CS num lugar TOTALMENTE desconhecido, fiquei empolgada. "Nossa, eu estou em Jerusalem!!!". Minutos depois apareceram Gal e Omri de moto. Eu nao sabia quem era quem. Disse um breve ola para Omri, que tinha que ir trabalhar, e fiquei com Gal.

Gal nunca tinha ouvido falar em Couch Surfing. Entao, eu que nunca tinha de fato couchsurfed tive um encontro especial. Nos dois ali descobrindo como é que isso acontece. Me levou para casa do Omri, e sentamos para conversar. Ele queria saber porque eu estava la, sobre o que seria minha pesquisa, porque Israel etc..

Como a minha pesquisa envolve Palestinos, e eu ainda nao sabia muito bem o que isso significava em Israel, eu comecei como sempre começo explicando que eu apesar de nao nacionalista, e de achar que fronteiras sao arbitrarias, e quanto mais eu viajo mais eu acho que nos somos parecidos no mundo todo, por ser do brasil nao estava muito acostumada com todas essas divisoes etnicas. Ele ouviu em silencio. Expliquei que acima de tudo eu era uma idealista, que eu esperava que pudessemos viver num mundo que passassemos por cima dessas diferenças meta-representacionais. Ele continuou me olhando em silencio. Expliquei, mecanismos cognitivos, teorias antropologicas, e a minha muito modesta opiniao. Ele continuou em silencio.

"Gal, are you offended? or bored? should I stop?"

Ele me olhou de um jeito so dele. E disse " I am sad for Omri. Amanha quando ele te fizer essas perguntas vc vai dar a versao editada. Eu tive a sorte de ouvir tudo que voce tem para dizer. Eu passei a semana procurando uma coisa inspiradora. Um projeto, um livro. E agora eu sei, que era isso que eu precisava ouvir."

Eu fiquei desconcertada. Nao esperava ouvir isso de um engenheiro israelense. E depois de toda essa introducao fui aprender tudo e mais um pouco sobre o Gal. Que voluntaria ensinando crianas pobres alem de trabalhar em um milhao de projetos diferentes. Quando era mais ou menos meia noite eu percebi que precisava comer. Saimos por Jerusalem. E eu que achava que tudo estaria fechado me surpreendi ao encontrar varios locais abertos. Ele escolheu um bar de tapas espanholas. Nao era exatamente o meu plano. Haveria muitos outros dias para comer a comida local. Entao ali, naquele bar eu conheci a vida noturna, pouco convencional de Israel. O casal gay ao meu lado, a ameixa preparada com queijo e molho oriental, o bartender que tinha viajado o mundo e queria me fazer beber alguma bebida de aniz que eu nao me lembro o nome. Ali na primeira noite eu conheci quem se tornaria o meu melhor amigo em Israel. O CS me daria muitos outros amigos, e muitas outras estorias inspiradoras. No entanto, o meu melhor amigo, foi ali, na primeira noite, por causa do CS mas sem nem nunca ter ouvido falar disso.

segunda-feira, novembro 01, 2010

O Mundo de Kathleen

Resolvi que queria visitar Kathleen no Hospital. Liguei e ao perguntar se eu podia fazer uma visita, a enfermeira respondeu entusiasmada que sim e me explicou que Kathleen não tem família. Assim que lá cheguei, no Royal London Hospital, que de real não tem nada, fui me encaminhando a Wellington Ward onde me disseram que ela estava. Surpreendi- me com o fato de que as informações nesse hospital eram escritas tanto em Ingles como em Hindi. Eventualmente cheguei até a tal ala que é fechada. Fiquei me perguntando como seria que Katheen aos 89 anos teria escapado de la.

As enfermeiras ficaram surpresas com minha visita, e vieram perguntar detalhes do meu encontro com Kathleen. Onde é que eu a tinha encontrado, a que horas, como tinha percebido que ela estava perdida etc. Respondi a todas as perguntas e me surpreendi quando uma das enfermeiras me explicou que Kathleen era muito veloz :)

Levaram-me entao a ala onde ela estava. Cheguei bem na hora do jantar, e ela deitada na cama comia muito alegremente. Nas outras camas, as senhoras e senhores que la estavam, pareciam estar em bem pior situacao. Kathleen, apesar de estar na cama, e de ter soro na mão, parecia ótima.

Ela olhou para mim e nao me reconheceu. Perguntei a ela se ela sabia quem eu era. E ela disse que nao. "I am sorry. Have we met?"

Perguntei a ela, se ela se lembrava que tinha fugido do hospital na noite anterior. Ela disse que nao e num tom muito amigável continuou "Would you care to tell me about it ?". De um jeito que é só dela, bem ingles, bem musicado. E eu contei. Ela ouviu tudo como quem ouve uma estoria de ficção. "Was it cold?". "It was, I was very worried to find out if you were fine". " I am fine I suppose."

"You know Kathleen, I remember your brithday! It is on the 22/12/1920. You will be 90 this year!"

Ela olhou para mim por um longo tempo. Como quem pensa na informacao. Como se a tivesse verificando em algum arquivo dentro do cérebro e de repente o encontrasse. Desmanchou-se num sorriso "my god, you have a very good memory!". Contei a ela tudo que eu tinha aprendido sobre ela na noite anterior. De onde ela era, o nome do marido, que ela era costureria. E a cada informacao ela ficava mais encantada. Ali enquanto comia com muita elegancia o seu jantar.

Expliquei para ela que tinha vindo ve-la porque eu tinha prometido que viria, e que eu eu queria ver se ela estava bem. Foi uma conversa bem misteriosa. Dessas que faz voce ficar pensando... como será que o cerebro funciona. Havia em Kathleen uma mistura de infancia, com velhice. Uma docura, com cansaço. Um realismo concreto interligado pelo o onirico.

Depois de um longo tempo, expliquei para ela que eu tinha que ir. Ela fez umas perguntas e no final me agradeceu. "I don't remember getting lost, but thank you for coming to see me."

E eu saí de la com todos esses sentimentos misturados. Sentindo que ela estava bem. Curiosa querendo saber informações onde ela mora, com quem, quem traz comida etc e sentindo que por eu não ser da familiar eu não podia perguntar. Ou melhor, até perguntei mas as respostas de Kathleen são do passado, e as das enfermeiras são da burocracia. Senti uma mistura de tristeza por ela ser só, com alegria por ela já nem mais conceber isso tão bem. No fim, a "natureza" na sua aparente crueldade é ao mesmo tempo generosa. Será que existe no mundo alguma coisa que seja uma coisa só?

terça-feira, outubro 26, 2010

Going Home

Acabo de chegar em casa depois de uma dessas noites excepcionais. Fui assistir um concerto e quando estava voltando para casa, no ponto de ônibus vi uma senhora que parecia perdida olhando para o ponto. Está frio aqui em Londres, uns 10 graus. A senhora estava num vestidinho rosa que parecia ser uma camisola, um sapatinho que parecia de quarto, e eu na rua ja tinha percebido que ela devia estar perdida, mas ainda não tinha percebido de onde exatamente.

Fui até a ela e perguntei para onde ela estava indo. Ela pareceu surpresa com minha pergunta mas me explicou e eu na verdade não entendi. Perguntei se ela estava perdida e ela disse que não. Explicou que queria ir para casa. Perguntei se ela sabia como chegar em casa e ela apontou para o ponto de ônibus a nossa frente. Li todas paradas de todos os ônibus que paravam no ponto e quando o primeiro ônibus chegou entramos.

Ela colocou o dedo na maquina do oyster card, pois não tinha bilhete e o motorista perguntou a ela para onde ela ia. Ela respondeu e ele deu o assunto por encerrado. Eu apontei para ele o fato que ela devia estar perdida mas ele nao soube muito bem o que fazer. Disse apenas que o onibus dele estava indo naquela direção Que direção eu nao perguntei pois percebi que nao faria diferença.

A senhora entrou e sentou-se. Foi então, que eu percebi no seu braço a pulseira de hospital, os curativos, e uma agulha (dessas para quem ta recebendo soro) na mao. Uma menina muçulmana de véu e vestida toda de negro foi até a senhora e explicou que sabia onde ela ia e que portanto a levaria até lá.

Saíram do ônibus. Todos nos que ficamos la dentro começamos a nos perguntar o que aconteceria com a senhora nessa noite gelada perdida em Londres. Claramente ela tinha fugido do hospital. Eu sabia que não ia conseguir dormir sem saber se essa senhora estaria vagando sozinha pelas ruas de Londres, então virei para o Haiko e disse "vamos descer desse ônibus e encontrar a velhinha porque precisamos ter certeza que ela está bem e precisamos leva-la de volta ao hospital!"

Ele concordou, descemos, andamos um pouco e encontramos a menina muçulmana que como nós tinha se dado conta da situação e a estava levando a uma estacão de ônibus para que pudesse pedir ajuda. Fomos os 4 juntos. A senhora na sua camisola de hospital, a muçulmana de véu preto, eu de vestido de inverno , meia calca e bota, Haiko de casaco de inverno. Pode se dizer que eramos um grupo eclético. Enquanto eu tentava engajar a senhora numa conversa que a fizesse ficar conosco e não tentar uma nova fuga, a menina muçulmana foi procurar ajuda.

A senhora queria a todo custo partir. Eventualmente conseguimos convence-la a entrar num oinbus parado para sair do frio. Antes disso a menina muçulmana tirou seu próprio casaco e o colocou em cima da senhora. Entramos os quatro no ônibus. A senhora a minha frente não compreendia porque o ônibus nao saia do lugar. A muçulmana do meu lado junto comigo tentava explicar que o ônibus estava atrasado.

E ficamos ali esperando que a policia chegasse. A policia chegou e a senhora nao ficou muito feliz com a ideia de ir ao hospital. Negava ter estado la internada. O policial gentil, e ao mesmo tempo realista a confrontava com o fato que ela estava com a pulseira do hospital. Quando eu olhei sua pulseira descobri sua idade: 90 anos!

A senhora era lucida. E não queria voltar ao hospital. Passamos pelo menos uma hora nesse ônibus e em alguns momentos eu parecia estar num filme. Haiko em silencio observando tudo, a doce muçulmana sentada ao meu lado, eu tentando explicar para senhora que nos estávamos preocupados com ela, os policiais ingleses, o motorista do ônibus, e até um passageiro bêbado e dorminhoco que tinha ficado no andar de cima do ônibus e apareceu pedindo desculpas pelo transtorno.

Partimos quando a senhora estava já na ambulância. Eu nao fiquei sabendo o nome da muçulmana mas ao ir embora ela me agradeceu. Como disse o Haiko foi tocante ela me agradecer por eu estar ali com uma pessoa tão estranha a ela como a mim. E eu disse um obrigada de volta que na hora nao teve muito sentido. Agora que eu sentei aqui para escrever tudo isso ele faz mais sentido. O meu obrigada a menina de véu é por ela ser tão excepcional e me lembrar que há pessoas no mundo que param para ajudar os outros. Não podemos parar sempre, mas quando paramos essas conexões ainda que breves, ainda que anonimas tornam evidente o quanto faz muito mais sentido viver num mundo onde tomamos conta uns dos outros.

Quando o policial disse "we are here because we care" a senhora discordou. Eu insisti dizendo que nos estávamos sim preocupados. Ela olhou para mim e para a muçulmana e disse " The two of you I know, but the police is just meddling with my affairs" :) Kathlin tem 90 anos, é casada com Albert, e é uma east ender. Uma senhora lúcida, e que tinha fugido do hospital. Como eu também já fugi uma vez eu a compreendo :)

segunda-feira, outubro 25, 2010

Ser Humano

Tenho estado ocupada. Entre aulas, palestras, a impossível tarefa de aprender hebraico, a maravilhosa oportunidade de encontrar e conhecer os meus colegas de doutorado, ensaiando as minhas musicas com um amigo para fazer um show, e ainda tendo mudado de casa! Sim, aquela casa, aquela da Nigeriana, e das estorias que me servem para um dia escrever um livro ficou para trás. Um novo endereço que ficou para trás, para o novo vieram dois dos meus antigos vizinhos, os amigos que eu ganhei naquele turbilhão de emoções. Shane e Iva.

Sobre Israel eu já falei tanto para as pessoas que eu encontrei que eu sinto que ta meio esgotado o que eu tenho a dizer. Talvez seja um pouco de medo de voltar a um ninho de emoções pouco compreendidas. Sentei ontem aqui e comecei 3 post distintos. Todos assim sem alma :) sem graça e aí tive que sair de casa para encontrar meu amigo Chris, meu melhor amigo da LSE, que fez mestrado comigo e que partia hoje para fazer trabalho de campo em Moçambique.

Nos encontramos também no sabado, e muitas e muitas vezes antes disso. Somos muito amigos, e eu ainda comecei a ensina-lo portugues assim que nos últimos meses foram dezenas de horas que passamos conversando sobre os mais variados temas. Sempre rimos muito, e nunca levamos nada muito a sério. Foi igual ontem. Eu mais uma vez indo ao Goodenough College que sempre me traz lembrança de amigos que partiram para dizer adeus para mais um.

Sentamos para tomar um chá e enquanto falávamos só bobagens foi tudo bem. No entanto, eventualmente chegou a hora de eu dizer adeus. Um adeus temporário afinal ele so fica no Moçambique dois anos, e depois eu fico em Israel tbm só 2 anos (o só é irônico) . E aí não deu. Eu transbordei em lagrimas (daquelas que você ta tentando engolir com os olhos).... "When do we see each other again?" ele perguntou " Vou estar em Nampula semana que vem, mas voce vai ta em Maputo então nos desencontramos" brinquei... "acho que então só em pelo menos 2, ou 3 anos". E os meus olhos encheram de lagrimas como enchem agora. Pois é claro que esse adeus não é só ao Chris. Esse adeus, é mais um adeus da pilha de "Adeus" exaustivos que nos que vivemos em Londres (uma cidade que ninguem para nunca) temos que dar. Esse adeus nos lembra sempre a impermanência de tudo.

E impermanência me faz sempre lembrar da minha meditação vipassana e ouvir Goenka dizer para estarmos presente! Chego em casa, e encontro Shane e Iva que eu já aprendi a amar, e ODEIO o pensamento de que eles também voltam a seus países eventualmente. Digo isso em voz alta, e enquanto Iva concorda Shane nos lembra "let's be in the present!" E eu volto ao presente para aproveitar o que esta aqui.

Mentalmente eu quero que o Chris tenha o melhor trabalho de campo no mundo. Emocionalmente eu queria ele aqui. Israel foi assim também. Esse descompasso entre mecanismo cognitivos, pensamentos ideológicos e realidades emocionais. Como é difícil (as vezes) ser humano.

quinta-feira, outubro 14, 2010

Aulas de Hebraico

Comecei a fazer meu doutorado. E já que minha pesquisa será em Israel comecei portanto a aprender Hebraico. Aliás, eu deveria dizer que eu me matriculei na aula de Hebraico, e assisti duas aulas. Começar a aprender é sem dúvida bem distante da realidade. Cheguei a minha aula que é no King's College, logo ali ao lado da LSE e ao entrar na aula me surpreendi logo de cara. Eu imaginei que seria como quando eu fiz Holandes, onde 90% das pessoas que estavam lá, estavam porque tinham um namorado/a ou marido/mulher holandes(a). Hebraico eu imaginei seria uma mistura disso, com alguns judeus que ainda nao falam a lingua querendo aprende-la. Eu estava totalmente enganada. Não que algumas pessoas não se encaixassem nesse perfil. Poucas, havia apenas uma menina judia, e apenas uma outra menina que tinha um namorado Israelense. O resto, o resto estava ali pelas razoes mais variadas possiveis.

Como por exemplo a Nigeriana que é de um Igreja cristã na Nigéria onde tudo é falado em Hebraico. Quando eu expressei minha surpresa, ela explicou que em londres, eles tbm falam em hebraico, e os ritos sao ministrados em hebraico, mas que eles são menos acurados pois tudo é escrito foneticamente usando "as nossas letras". Na Nigeria, ela explicou, leva-se mais a serio, etnao, é tudo escrito em Hebraico

Tem também o rapaz que começou a estudar Hebraico porque precisava de um desafio. O trabalho, ele explicou, é muito chato. Quando a professora perguntou porque Hebraico e nao alemao. Ele respondeu "porque alemao eu ja sei". Ela ainda insistiu "mas porque Hebraico?". Ao que ele respondeu " Por que nao?"

Depois tem um Arabe que quer aprender Hebraico porque é parecido com Arabe. E a chinesa que mal fala ingles e resolveu aprender Hebraico ( atraves de ingles) porque quando viajou por Israel fez amigos que tiraram sarro dela e ela não conseguiu entende-los. A professora parecia tão supresa quanto eu com esse apanhado de gente e com essas estórias tão insólitas. Tinha é claro, também os que queriam aprender pois trabalham com "war zones" e precisam fazer pesquisa. Overall, não havia muito critério.

A falta de critério pareceu reinar na minha primeira e hoje na minha segunda aula. Depois de nos apresentarmos. A professora resolveu nos ensinar o alfabeto. Eu que não sei NADA achei que eu iria morrer. Nada fazia sentido. Ainda mais quando minha professora dizia coisas do tipo " Alef na bíblia é escrito assim, em letra "cursiva" é assim, mas eu gosto de desenhar assim :)" Ninguem, parecia se preocupar muito com a falta de estrutura. E quando eu perguntava " mas porque isso é assim" ela dizia " bom, a razão mesmo vc so vai entender no terceiro ano". Sem contar o fato, de que as vogais sao omitidas, portanto vc precisa adivinha-las a partir do contexto da frase. Só imagina como isso não é simples quando voce NAO CONHECE A LINGUA!!!

Hoje minha aula começou meia hora atrasada. A professora estava vindo direto do aeroporto. Para compensar por esse pequeno lapso nos trouxe chocolate Israelense. Um chocolate que explode aos poucos na boca. O chocolate uma delicia, ja o meu progresso....

sábado, outubro 09, 2010

Adam

"Incrivel, não é?"

Volto a terra e vejo ao meu lado Adam. Eu estava tão concentrada no outro planeta onde eu visitava os monges Etíopes que nem o tinha percebido ali.

"Incrivel!"- concordo.

Seu rosto é muito familiar, e então eu o reconheço. Havíamos nos conhecido na noite anterior. Adam também estava no Couchsurfing meeting onde Netanel meu anfitrião tinha me levado. Ele me pegunta o que eu fazia em Israel. Explico, que tinha vindo para descobrir se queria vir fazer minha pesquisa de doutorado ali em Israel.

Pergunto a ele a mesma coisa. Ele suspira e me pergunta se eu quero mesmo ouvir a estoria. Digo que sim e então ele começa.

"Meu pai era ortodoxo. Depois de servir o exercito foi visitar pela Europa. La conheceu minha mãe, Alemã e Cristã. Já desiludido com a religião, e apaixonado por minha mãe resolveu ficar na Alemanha, casar-se."

Casaram e tiveram Adam. E quando o menino completou 2 anos o pai começou a sentir falta de Israel, e de Deus. Resolveu que queria voltar a terra santa. Explicou o que se passava a mulher e então pediu a ela que se convertesse e que viesse com ele para Israel. Ela rejeitou.

Nesse momento Adam pausa., me olha longamente e diz: " Nessa parte eu nunca sei direito se continuo ou nao". Peço que continue.

"Entao, meu pai, decide falar com minha tia, irma da minha irma e pergunta a ela se ela se casaria com ele, e se se converteria ao judaismo Ortodoxo.. Ela concorda, e então eles se mudam para Israel."

Eu perplexa, sem palavras, pergunto se sua mãe tinha se sentindo traída.

"Não. Ela ama a minha tia. E assim foi melhor para todo mundo. Minha mãe tem outro namorado. Minha tia teve 6 filhos e é feliz como Ortodoxa, e meu pai está feliz."

"E voce?"

"Eu vim para encontra-lo depois de 20 anos sem ve-lo. Conhecer meus meio-irmaos que são também meus primos. Senti enorme amor da minha fmailia. Voce quer ver uma foto?"

Claro que eu quero, e entao esse doce menino tira do bolso uma camera. Mexe no botão até encontrar a foto de um homem alegre, com baraba comprida, meio gordo claramente satisfeito de ter seu filho ali (invisivel naquela foto) a sua frente. Apesar de Adam ser o fotografo e não o fotografado a foto mostra de certa maneira a alegria daquele pai que escolheu a religiao aa familia. E Adam, Adam está feliz.

sábado, outubro 02, 2010

No Telhado da Igreja do Santo Sepuclro

Como eu fico na duvida por onde comecar resolvi comecar assim do meio. Mesmo porque as estorias se confundam na minha cabeça como se fosse um sonho ondes os rostos se misturam e eu já não me lembro mais a ordem dos eventos. E isso tão pouco faz muita diferenca. Entao, eu vou comecar de um momento especial para mim: o telhado da Igreja do Santo Sepulcro.

Já era o meio da minha viagem, e eu estava pela segunda vez em Jerusalem. Voltara para visitar a escola Hand in Hand. Meu novo anfitriao Netanel é um guia turistico que me contou 4000 anos de historia assim numa longa, longa caminhada. No dia anterior, tinhamos ido a um encontro de Couch surfers. La conheci muita gente. Sentamos a volta de uma mesa longa, numa das ruas de Jerusalem. O tempo perfeito. Fresco, com uma brisa leve. Conversei com alguns estrangeiros, alguns Israelenses e depois voltamos para casa.

No dia seguinte, andamos ate o centro historico e la comecamos o nosso tour. Eu ja tinha estado no centro historico mas andando meio sem critério. Mesmo porque confesso, que pessoas me interessam mais do que lugares, entao eu fiquei na minha primeira vez apenas fascinada com aquela mistura de turistas, religiosos de todos os tipos, criancas, gatos...

Com Netanel, prestei atencão no que significavam os prédios, as lendas, as evidencias arqueologicas etc. E ele resolveu me levar não na Igreja do Santo Sepulcro, mas no seu telhado. Subimos e la no telhado era um total silencio. Antes mesmo de saber o que estavamos fazendo eu ja fiquei encantada com a ideia de que debaixo dos meus pes corriam, rodavam, se emocionavam muitos cristaos, muitos turistas, enquanto ali em cima do telhado o silencio era total.

Netanel entao me explicou, que ali em cima do telhado havia um vilarejo Etiope. Eu fiquei boquiaberta. Nao conseguia acreditar. Como assim ? De acordo com Netanel, a presenca do Etiopes dates back ao encontro da rainha e Sheba e o rei Salomao (mais info aqui) O que me surependeu nao foi tanto a razão historica, mas que existisse um vilarejo ali em cima. Andei pelo telhado fascinada, e de repente cheguei a uma porta. Nao era uma porta fechada. Era mais como uma portal, que no meio era dividido por uma cruz verde.

Eu parei e olhei la dentro, que era la fora, porque nao havia telhado. E la no fundo eu via monges negros, etiopes, vestidos de petro, e cores bem fortes. Sentados, em silencio. Eu me senti transportada a outro mundo, outro continente, outro tempo. Fiquei parada la. Nao me escondi. Nao tirei foto. SO fiquei la uns cinco minutos olhando. Um desses presentes inesperados, impossiveis de reproduzir em fala. Senti que enquanto eu olhava tudo meio que deixava de existir. Seria aquilo minha imaginacao?

Um couchsurfer, que eu tinha conhecido na noite anterior, apareceu e ao dizer uma palavra fez com que tudo voltasse ao real. Como no segundo que Fernando Pessoa (Alvaro de Campos) ve um homem entrar na Tabacaria (para comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima dele. O couchsurfer era Adam. Alemao. Que estava na verdade tao encantado como eu. E Adam, aumentaria ainda mais a minha sensacao de que em Jerusalem tudo pode acontecer. Mas eu conto do Adam uma proxima vez para que meu post nao fique tao overwhelming como foi minha viagem.

quarta-feira, setembro 29, 2010

Couchsurfing em Israel

Nossa, dessa vez eu realmente nao sei por onde comecar. Eu ainda nao voltei para casa. E por casa eu quero dizer Londres. Ainda que cada vez mais o sentido casa se perca de mim. Estou em Amsterda onde vim encontrar a minha avo que aos 86 anos terminava uma viagem pela Polonia, Lituania, Letonia, Estonia, Finlandia e Russia. Eu vim direto do aeroporto de Londres onde passei a noite toda depois de ter voltado de Israel. Sao tantas, mas tantas as emocoes misturadas, que as estorias, os cheiros os os gostos, os rostos se mesclam sem eu sabera onde, ao que e a quem pertencem.

Começou ja no avião. Em Londres, quando as enormes familias de Judeus Ortodoxos por se moverem tanto fizeram nosso voo atrasar mais de uma hora. Ouvi "amused" o piloto avisar take off depois de take off que se todos nao tivessem sentados nao poderiamos decolar. Ja no ar, levantaram. Os religiosos para rezar, as criancas para brincar, e outras pessoas para beber, conversar etc. Eu assisti a tudo isso encantada. Que lugar eh esse pensei?

Eu acho que eu vou precisar de muito tempo e muitos posts para digerir tudo que senti. Talvez seja sabio comecar por explicar duas coisas. A primeira eh que fui para Israel para descobrir se eu gostaria de la viver para fazer a minha pesquisa de doutorado. A segunda, foi que decidi, que a melhor maneira de descobrir isso seria couchsurfing.

Couch Surfing literalmente significa "surfar o sofa". É uma comunidade, assim como facebook, mas de viajantes. Voce faz o seu perfil e coloca la alem de seus intereses e etc, se vc tem um sofa, ou uma cama, disponível para receber viajantes. Quem não tem cama, ou sofa, pode oferecer apenas um cafe, seu tempo. Assim, que vc entra no site, e procura por continente, pais, cidade pessoas para se encontrar ou para ficar na casa delas durante sua estadia.

Eu ja tinha participado um pouco do CS, mas nunca assim, o tempo todo. Eu resolvi que Couchsurfing seria o melhor jeito de eu descobri como eh morar em Israel pois entrar assim na vida de desconhecidos diz muito. E é claro, que eu escolhi meus anfitriões a dedo. Com alguns eu troco mensagens a meses. Outros foi meio que por acaso.

É o sonho de um antropologo, porque vc entra na casa de uma pessoa desconhecida e tem a chance de viver um pouco da vida dessa pessoa, de ver o lugar onde vc esta através dos olhos dessa pessoa. Tem é claro quem usa o CS so para não pagar hotel, e que quase não passa tempo com seus anfitriões. Não era o meu caso, eu estava menos interessada nos lugares do que nas pessoas. Então pode se dizer que eu passei muito ou quase todo o tempo com as pessoas que eu conheci, ou com seus amigos.

Isso tudo, não é sem preço é claro. Enquanto a humanidade que nos conecta se torna tão evidente, a arbitrariedade dos costumes, do valores não parece menos evidente. Então, assim na casa de pessoas que vivem num pais tão dividido por conflitos étnicos e religiosos eu senti muito. Senti demais. As vezes perdi o fôlego de tanto que eu senti.

Parti me sentindo enormemente grata a todos que me acolheram e que dividiram comigo um pouco das suas estórias, das suas experiências no exercito, na sociedade, nas suas viagens pelo mundo. E como sempre dizer olá para estranhos é fácil, adeus para pessoas que vc começa a amar é bem mais duro. Acima de tudo o mais difícil, é que me parece que para viver por lá eu vou precisar endurecer umas mil vezes. Enquanto que ao mesmo tempo eu fui tratada com uma afectuosidade, e calor raramente encontrado na Inglaterra.

Enfim, nos próximos posts eu vou tentar falar das pessoas que conheci. Das pessoas que me receberam. E das estórias que ouvi. Apaixonei-me pela escola Hand in Hand. E voltei convencida mais do que nunca que pluralidade é importante, e que tolerância é fundamental.

sexta-feira, agosto 27, 2010

Do Grupismo as Cotas

Acabei minha dissertação. Graças a um atraso no meu voo a Budapeste. Sim, em meio ao meu ultimo mes meus pais vieram para Europa e me convidaram para ir a Budapeste. Não consigo dizer não para uma viagem nunca. Fiquei um pouco preocupada afinal eu já tinha mudado o meu tema de ultima hora, e ainda sair 5 dias para viajar??? Então, levei o computador comigo, e no aeroporto com um atraso de apenas 7 horas sentei e pela primeira vez li tudo que eu já tinha escrito na ordem certa. E fui conectando, reformulando, assim que quando cheguei a Budapeste minha dissertação estava praticamente pronta. Nao sei se ela esta boa. Sei que ela diz tudo que eu quero dizer, e que não quero dizer mais nada sobre isso. Pelo menos nao por agora.

Foi bom, pois meu santuário português deixou de ser santuário. Dna Cecilia toda vez que eu partia passou a desejar me "sonhos cor de rosa" num sotaque lindo português. Depois fregueses passaram a me perguntar o que era que eu estava fazendo. Quando eu respondia "antropologia cognitiva" invariavelmente, partiam, voltavam e perguntavam o que era. Eu, que começo sempre de "Adão e Eva" :) perguntava: " você quer mesmo saber? se quiser eu explico, mas então senta". Queriam. E assim sentaram na minha mesa vários senhores, e ouviram a história da antropologia.

O dia mais engraçado foi o dia, que eu já me sentindo em casa, com todos os meus artigos marcados com caneta daquelas fluorescentes esparramados sobre a mesa... ouvi um homem me chamar.

"Desculpe, mas eu estou muito perturbado com esse seu artigo"

Eu estava tão concentrada que tive que voltar de outro planeta, olhar para ele, para a mesa para ver do que ele falava. Um artigo cognitivo de Gil-White chamado "Are ethnic groups biological 'species' to the human brain?". Eu que achava que cognição era bem menos polemico que religião comecei a explicar.

"Esses artigos estão falando da nossa tendência cognitiva de classificar, identificar, essencializar. A ter uma tendência por grupismo. Por grupismo, expliquei, eu quero dizer, a tendência que humanos tem de criar grupos, e de percebe-los como entidades substanciais no mundo. Fazemos isso o tempo todo. Desde bebe até adultos. Categorizamos. Formamos categorias de copos, xicaras, leoes, e aparentemente de pessoas. Categorias tem muita informação implícita e são indutivas. Ou seja, nos fazem prever o que esperar e como agir quando encontramos algo. É um mecanismo cognitivo para poupar esforço. Imagine se tivéssemos que realmente a cada encontro com uma nova coisa aprender tudo sobre ela. Nosso cérebro portanto cria categorias.

Categorias sociais ( etnia, raca, nacionalidade) não são coisas concretas no mundo. O que esses artigos estão fazendo é tentar entender a nossa tendência a perceber esses grupos como concretos. Dizer que eles não existam concretamente não é dizer que eles não tenham poder. Claro que tem! Vemos isso todos os dias. Como diria o Brubaker um approach cognitivo a grupismo permite que pensemos em grupos ( racas, etnias, nacionalidades) não como coisas NO mundo, mas sim perspectivas SOBRE o mundo. E se compreendemos grupismo como parte da nossa cognição natural percebe-se o porque é tão presente e o porque é tão difícil passar por cima desses mecanismo. Isso é claro, expliquei, não é para dizer que eu ache que por temos essa tendência a classificar, essencializar e a gostar mais do nosso grupo do que o dos outros ( ainda que esse grupo seja completamente arbitrário) que por isso devemos achar que racismo, xenofobia etc e tal são aceitáveis. Exatamente o contrário, compreender melhor esses mecanismos nos ajuda a desenvolver melhores métodos para combater grupismo quando usado nocivamente.


Expliquei tudo isso e mais um pouco. Ele me olhou, olhou, fez perguntas e partiu. Depois voltou e me disse:

"Eu sou meio louco, sou bipolar, já tenho 47 anos, por isso não estou te convidando para sair sair, mas vc quer ser minha amiga?"

Comecei a rir, nunca tinha visto ninguém se apresentar assim. Disse que sim, claro, perguntei seu nome, e nao resistindo perguntei. "Por que vc ficou tão interessado no meu artigo"

"You know, when I visited Tajikistan I thought they were different people, like they were from another species, I am glad to know is not that it was not me, just my brain."

Eu não disse nada. O dualismo é incrível. O que esse cara quis no fundo dizer era " fiquei feliz que eu não sou uma ma pessoa porque achei eles tão diferentes.... meu cérebro classifica".

Categorias são indutivas. Algumas categorias são mais indutivas que outras. E é claro que cognição não flutua no vácuo. Ela informa e é informada pelo nosso meio socio-cultural. Não é de se surpreender que em Israel, as pesquisas com crianças mostrem que a categoria social mais indutiva é etnia. "Arabe" e "Judeu". Mesmo em Israel no entanto, há diferença entre grupos, Judeus religiosos generalizam mais com essas categorias do que judeus seculares ou árabes. Em outros lugares pode ser gênero, ou status... sei la.

Quanto mais eu tenho lido sobre isso, mas eu acho que tornar categorias explicitas em discurso é pior. Porque essas categorias retificam a idéia que esses grupos existem como entidades substantivas. Eles não existem. Nos somos todos humanos. No entanto, as percepção desses grupos é real, e portanto tem conseqüências políticas.

Como sempre meus posts são assim começam num lugar para parar noutro. Eu já estou pensando no sistema de cotas no Brasil. Eu não sei se discriminação positiva é uma boa coisa. Tenho impressão que são medidas paliativas que não lidam com os problemas reais. O problema real é melhorar o ensino público para TODOS. Eu realmente não sei. Sei que lendo cada vez mais sobre o efeito de tornar uma categoria social parte de discurso ( Utus e Tutsis por exemplo) é uma idéia com seus riscos. Tenho medo que o que seja gerado no fim seja uma redução de empatia. Se nos já temos uma tendência a gostar do nosso grupo em detrimento do outro, será que criar mais grupos é uma boa idéia? Não sei direito...

domingo, agosto 08, 2010

No "Meu" Café

Estou no meu café Português. Acho que ainda nao falei dele. O café português. O “meu “ café português é um lugar perto da minha casa. Quando eu estava estudando para minha última prova um dia esqueci meu Oyster card (cartão do metro e onibus aqui em Londres) e com preguiça de voltar em casa entrei nesse café. Ele é feio por fora, como é sem graça por dentro. Ele nao tem internet nem nada de aparentemente especial. Aparentemente é claro porque para mim ele é magico. Eu entrei, sentei, pedi um um café e meio sem graca tirei uns artigos da bolsa para ler. Nao tive coragem de tirar meu computador. Porque meu café é assim um lugar meio austero. Pedi um café, e eu que nunca bebo café senti meu coracao disparar. E entao comecei a ler. E assim que comecei a ler, comecei a me emocionar com tudo que eu nao tinha lido durante o semestre. Tudo foi se juntando na minha cabeca de maneira pouco ortodoxa e eu voltei para casa e escrevi um paper. Mandei ao meu supervisor num estado de euforia porque as minhas conexoes e “claims” eram completamente minhas. Um pouco insegura mas querendo saber o que ele pensava mandei. Ele me escreveu dizendo que o paper era brilhante em letras capitais. Se vc reproduzir esse tipo de trabalho na prova, disse ele, vc não terá problemas. E então, nesse dia, o café português virou o "meu" café.

Aos poucos fui ficando cada vez mais a vontade. Tirando mais artigos, livros, este computador. Lendo em meio a barulheira, as conversas que pouco me interessam, aos barulhos de pratos, xícaras, maquina de café. Ao bonito som da língua portuguesa na boca de angolanos, portugueses, cabo-verdianos. Aos sons de outras línguas misturadas no ar fosco e pouco interessante do meu café. Para poder fazer doutorado, apesar de ja aceita eu ainda tenho que ter mérito no meu mestrado. Fiz minha prova, meio preocupada. E confesso que sai direto de la para uma palestra onde encontrei minha ex-supervisora ( e futura de doutorado) sem saber muito bem como tinha ido na prova." Jules, I am sure you did well" Disse ela. Eu , no entanto, nao estava tao sure. Eu misturei neurociencia, com antropologia e filosofia, e mais uma variedade de pensamentos que as vezes so fazem sentido na minha cabeca. Como se eles viessem de areas totalmente distintas e se sintetizassem no processo da escrita. Como aqui alias. Então, a minha professora podia odiar, ou amar, ou mais ou menos. Sei la. No fim, foi uma estória de final feliz, porque eu tive distinção. Para a minha total supresa.

E eis que agora eu preciso terminar minha dissertacao ate dia 1 de setembro. E eu que tinha tudo claramente decidido em minha mente ha meses resolvo assim de ultima hora, faltando menos de um mês mudar de tópico, de artigos, de estória. Andando assim, na biblioteca. Meio ao léu peguei um livro na prateleira e ao abri-lo, meus olhos encheram de lágrimas. Um livro escrito por uma Palestina e um Israelense. “Coffin on our shoulders: The experience of Palestinian Citizens of Israel.”

O livro é escrito pelo Dan Rabinowitz, antropólogo formado em Cambridge, e professor em Tel Aviv, e pela Khwala Abu Baker, Palestina professora no Emek Yezreel College. O livro mistura a conseqüência do sionismo para a família dela e dele, com a Historia de Israel. Como sionismo salvou a sua família, causou “excruciating” dor para a dela.

Ali, naquele principio eu soube que eu queria escrever sobre isso. Não só já é muito relacionado ao meu doutorado, mas eu queria ler mais. E eu li. E comecei a ler sobre os nossos processos de categorização. A nossa tendência cognitiva de classificar o mundo a nossa volta. A tendência que temos de "essencializar" ( buscar essências em coisas). Resolvi que eu queria falar sobre "ethnicity" de um ponto de vista cognitivo. Ou seja, em vez de tartar raças como fixas, substanciais, como experiências subjetivas informadas pela nossa “natural” tendencia a essencializar, categorizar, identificar grupos no mundo.

Entao voltei ao meu pequeno café portugues. Onde tudo faz sentido sem fazer sentido nenhum. Como é que eu posso conseguir me concentrar aqui e nao na minha casa, e nao na biblioteca ? Aqui as idéias fluem,se misturam mas acima de tudo me emocionam. E fica muito facil eu aceitar tudo que eu sou… antropologa, cognitive, apaixonada por musica, yogi, gostando de de meditação, tomando café, etc etc etc.

Recebi um email muito muito tocante de uma professora de NY. Um email em resposta ao meu de agradecimento a ela por me acordar, e me inspirar na luta por justica. No email, ela diz

“ Tem gente que acha que a situacao ( Palestina-Israel) eh complexa. Eu nao sou uma dessas pessoas. Eu acredito em justiça. Por isso acho que nos temos que confrontar racismo todas vezes e onde o encontramos”

As palavras são fortes. Como sempre foram. E enquanto eu aqui no meu pequeno café leio sobre a nossa natural tendência de classificar, de gostar de grupos eu nao posso deixar de pensar que se vamos construir um mundo mais justo, e onde vivemos TODOS melhor, precisamos comecar em nos mesmos com as nossas proprias tendências. Eu ja disse mil vezes que nao sou nacionalista. Hoje eu sou ainda menos . Pois fica cada vez mais claro para mim nesse café cheio de gente de lugares distintos, falando línguas difererentes que precisamos tornar estranho o que nos é familiar. Só assim, nesse diário esforço contínuo de lutar contra nossa tendencia cognitiva de classifcar o mundo em grupos vamos conseguir um mundo mais justo, de mais empatia com o outro. Um mundo onde não tenhamos a necessidade de nos sentirmos parte de um grupo e portanto distinto de um outro. Um mundo, onde orgulho nao seja ligado a ser parte de algo que esta inteiramente fora do nosso controle.

Sempre que eu digo isso, alguns amigos me dizem “ Juleita, você é brasileira!" ( quase que ofendidos por eu me considerar humana)." Olha a sua música”. É verdade, eu toco , e sinto a música brasileira onde eu nao sinto outras. Eu sou mais fluente em português do que em todas a outras línguas que eu falo juntas. Eu acho um milhão de manifestações culturais que acontecem no territorio “imaginado” Brasil lindas. Mas eu tambem sou tocada por muito que vem de outros territórios imaginados. Acima, de tudo, ter passado tempo voluntariando num vilarejo onde eu era a unica “farang” ( em Tailandes "goiaba" termo que eles usam para brancos de fora:), nao sabendo a língua me iluminou muito para isso. A nossa fundamental humanidade. O comunicar nos gestos, nos olhos, no riso. Claro, que eu não nego as diferenças de cultura. Eu só acho, no entanto, que somos humanos. Temos essa tendencia a classificar o mundo em categorias porque isso torna mais facil cognitivamente viver. Numa categoria há muita coisa inferida. E apesar de reconhecer que categorizar é parte da nossa cognição natural,que por isso mesmo precisamos em vez de tornar categorias sociais mais fortes no nosso discurso ( nos sentirmos brasileiros, ou budistas, ou torcedores do flamengo) precisamos praticar nos "estranharmos" dessas categorias. Assim como filósofos, ou viajantes. Nesse saudavel estranhamento fica mais fácil de lembrarmos que no fundo nos e o Tuareg, o Nambikwara, o Piracicabano, o Russo, o muçulmano, o ateu, o evangélico, o !Kung que nunca sequer encontramos somos no fundo muito, muito, muito parecidos.

terça-feira, julho 20, 2010

Videos No Youtube



Ontem coloquei vários vídeos de músicas minhas no Youtube. Fazia muito, muito tempo que alguns amigos meus me pediam para fazer isso. Eu sempre meio insegura, mas ontem passei o dia tocando violao, um violao que nao é meu, aqui na casa da minha amiga Dri e gravamos vários videos no jardim!!! Esse primeiro é de uma música que acabei de fazer. O resto ta AQUI
Espero que vocês gostem!

sábado, julho 10, 2010

Promises



Minha querida amiga Gabi que faz quase um ano foi trabalhar em Bangalore na India me deixou uma mensagem no ultimo post falando do filme Promises. Na hora que eu li eu me lembrei na hora do tempo em que eu morava em NY, e da minha housemate marroquina Leila. Lembro dela voltando desse filme completamente emocionada. Leila, fotografa e sociologa, não é manteiga derretida como eu que choro até em propaganda de margarina. Leila tem um coração tamanho do mundo, mas por fora ela é durona.

Quando meu Landlord Iraniano Mr.Tala entrava na casa sem bater, eu servia cha, Joss, minha housemate americana, se escondia debaixo da cama. Leila, na unica vez que estava em casa quando isso aconteceu andou sem hesitar em direcao ao Mr. Tala e disse: " Mr. Tala you have not been invited to come to this place so you must leave!." Mr. Tala é um senhor Iraniano e um verdadeiro misterio para mim. Ja tinha feito, ou pelo menos dizia ter feito de tudo na vida. Normalmente, tudo variava de acordo com o interlocutor. Comigo me contava de suas experiências no Brasil, para Leila falava do Marrocos, com meu amigo tenista falava de quando tinha sido campeao de tennis. ENfim, a lista era tao extensa que eu comecei a anota-la. Esse dia, Leila severamente disse ao Mr Tala:

" Mr. Tala if you want to come here you call first! If no one picks up you do not come! If one of us picks up you wait to be invited, if you are not invited you do not come! If you are invited you drive all the way here then you ring the bell, if no one answers you turn around and you go home! If one of us comes downstairs, opens the door, you wait to be invited inside, if you are not invited you do not come! You turn around and you leave! Only once you are invited you are allowed to come in! Do You understand?!"

Eu e Joss, estavamos tão quietas quanto as criancas de 6 anos na escola onde eu voluntariava ao ouvir a gritaria da professora. Mr. Tala diante da explicacao passo a passo da Leila disse apenas: " Leila, what is your father's email?" Leila, ficou meio que perdida. E perguntou ao Mr. Tala o porque da pergunta. Ele deu uns tapinhas carinhosos e fracos no rosto dela e disse no seu tom empolgado " Because I must tell him what a very inteligent daughter he has!"

Esse era Mr. Tala, e essa era Leila. A mesma Leila que o defenderia com unhas e dentes quando Joss resolveu que deviamos press charges de harressment contra o Mr. Tala. Leila, perplexa disse " But you can't go from offering him tea to suing him without ever telling him you dont want him here!!!!"

Assim que quando a Leila voltou emocionada do filme eu soube que tinha que ve-lo. E de fato, quase tudo que eu tenho lido e vivido ultimamente vai me lembrando de promises.

Ontem, eu fiquei sabendo que ganhei dinheiro do departamento da LSE para fazer meu doutorado. Quando contei ao filho do Adam que estava pensando em ir a Israel agora em Setembro ele me disse:

"Jules, where are you going?

Contei a ele o nome das cidades que eu pretendia visitar (que sao as cidades onde ficam as escolas). E ele ontem, veio me dizer que eu tinha que ir para Nazareth na escola dele.

_ Mas vc se lembra que a escola que eu vou tem Arabes e Judeus.

Eu ja estava esperando que ele dissesse de novo que isso era uma pessima ideia.

_ Na minha escola tambem tem arabes. Tem um arabe na minha classe!

Fiquei surpresa!

_ Really, but I hear you don't like him.

_ He is ok. He is nice. It is only sometimes that he get angry very fast. I get angry very fast too.

Eu fiquei em choque.

_ Really? How come?

_ I guess after all we are not that different!

Se tudo isso é vontade dele de me convencer a ir a escola dele eu nao sei. No entanto, eu fiquei feliz.

quarta-feira, julho 07, 2010

Hand In Hand



Acho que nao contei aqui que me inscrevi para fazer doutorado na LSE. Como quase tudo na minha vida foi meio por acaso. Eu escrevi um paper e meu supervisor disse que seria um bom projeto, esse projeto virou um outro projeto, eu fui meditar para descobrir se queria mesmo fazer doutorado, nao descobri e uns dias antes de me inscrever para receber dinheiro do departamento minha supervisora Rita Astuti, me disse que achava que eu nao estava motivada para esse projeto. Era verdade. Ela sentou comigo e disse "let's think together". Sugeriu que eu voltasse para casa e lesse mais que talvez mudasse meu projeto de trabalhar com ortodoxos judeus, para budistas. Voltei, li, li, li e por acaso cai no site de um grupo de escolas em Israel chamado Hand in Hand De acrodo com o site "each school is co-directed by Arab and Jewish co-Principals; and each classroom is co-taught by Jewish and Arab teachers. Students at each grade level are balanced between Arab and Jewish children. Students at all grade levels are taught in both Hebrew and Arabic, learning to treasure their own culture and language while understanding the difference of others around them."

Adorei a idéia de trabalhar com essas pessoas. Afinal de contas sao pessoas que estão fazendo uma escolha difícil no estado de Israel de mandar seus filhos sejam eles árabes ou judeus para uma escola de ideologia tao alternativa porque acreditam que so no encontro e respeito desses dois grupos pode haver paz. Antropólogos sao muito críticos sobre escolas. Escolas sao veículos pelos quais estados constroem cidadãos, onde ha o desvalorizamento de cultura local ( como no caso de populações tribais que sao forcadas a irem a escola), ha um milhão de estudo de como educação reinforça divisões de classe, poder etc. Essa escola, portanto, ja é interessante por isso, já que ela eh "anti-establishment". Ela busca uma compreensão entre esses dois grupos que durante tanto tempo estiveram em conflito. Eu nao pretendo aqui entrar nas mil outra complicadas nuances ( por exemplo a difícil distinção Árabe X Judeu, os diferentes Judeus etc). Para o meu post basta dizer que essa escola tenta trazer esses grupos que se consideram distintos numa mesma escola, sendo ensinado em Arabe e Hebraico por duas professoras ao mesmo tempo.

O meu interesse é vasto tanto antropológico, como cognitivo. Interessa-me muito como as crianças "essentialize" essas categorias sociais. E como joint action ( acao conjunta) influencia no processo de "othering". Mas eu nao vou chatea-los com esses detalhes. Tudo isso é para dizer que provavelmente eu devo comecar meu doutorado no semestre que vem, e em um ano ir fazer trabalho de campo em Israel.

Por isso, quando o Adam meu flatmate anunciou que seu filho de 9 anos que é Israelense viria para Londres, fiquei curiosa em saber como ele concebia dessas categorias. Ele é timido e no comeco mal falou comigo. Depois de jogarmos dias de futebol, eu aprender a tocar uma musica que ele gosta no violao, fazermos yoga, acrobacias, jogos da copa do mundo ele virou meu amigo. Assim que ontem, nao queria ir comer fora a nao ser que eu fosse junto. Fui, e no meio do jantar o Adam, contou a ele que talvez eu fosse a Israel trabalhar numa escola.

Seu filho me olhou, e disse " como que vc vai fazer se vc nao fala hebraico?!?!" Eu respondi que eu iria aprender. QUe eu queria aprender Arabe tbm porque a escola onde eu ia trabalhar era metade Judia metade Arabe. Ele ficou mudo. Parou um segundo e disse " Jules, change the school. that is not a good idea! Os Arabes sao todos maus!". Perguntei a ele como ele sabia disso. Ele explicou que todo mundo sabe. Eu perguntei se ele conhecia todos os arabes do mundo, ele concordou que nao, e eu disse entao que era impossivel para ele saber se eles eram todos maus! Lembrem-se essa conversa era com uma criança por isso eu estava tentando faze-lo pensar, tentando descobrir como ele pensa, nao tentando ataca-lo.

"I jsut know."

Adam comecou a explicar que ha pessoas boas e más na inglaterra, no brasil, no africa do sul, na franca, na Italia, em Israel... enfim no mundo todo. ( eu queria ate questionar o maniqueismo mas diante de uma crianca de 9 achei melhor follow through com a divisao bom e mau). Seu filho nao convencido disse " Isso é verdade para o mundo todo menos para os Arabes e os Alemães!"

Expliquei para ele que a guerra tinha sido ha muito tempo. Que os alemaes sao boas pessoas. Ele deixou isso passar mas disse " But no the Arabs! Eles sao todos maus!!!" Ele olhava para mim perplexo como se eu e o Adam tivessemos fazendo uma piada. Como se estivessemos dizendo algo do tipo " se vc soltar o prato no ar ele nao cai no chao!"

Perguntei a ele entao se ele nao gostava de NENHUM arabe! Ele concordou que nao gostava! Entao eu disse: " E seu eu te contasse que eu sou Arabe?"

_Jules, I know you are not! You are Brazilian!

_Well, I am Arab Brazilian, porque minha mae eh do LIbano". disse séria apesar de nao ser verdade.

Ele pensou, pensou, pensou e disse " Nao voce entao nao eh Arabe"

_ Claro que eu sou! Voce nao eh Judeu porque sua mae é Judia? EU sou Arabe pq minha mae eh Arabe.

Ele ficou em silencio um tempao pensando ai virou para mim e disse:

" Well, As mulheres Arabes sao boas pessoas, sao so os homens que sao maus."

Eu comecei a rir..porque o reasoning foi mais ou menos assim: " 1. Os arabes sao maus, 2. Eu gosto dela!...... entao ou ela nao pode ser arabe ou eu preciso adequar o meu pensamento! E ele o fez.

De um lado me fez perceber o quao fora de discussao esta a ideologia. O quao forte ela eh numa crianca de 9 anos que tem um pai Ingles. Do outro, me deu um certo otimismo de imaginar que sem duvida nenhuma se vamos conseguir jamais alguma diferença em processos de minizar os efeitos de ver o oturo como inimigo isso tem que ser feito nao na ideologia mas no encontro dessas pessoas. Na acao conjunta. No brincar. It is a long shot e eu sei que há muitas pessoas que nao querem que isso aconteça. Isso coupled com a tendencia do nosso cerebro de classificar em grupos dos quais pertencmeos ou nao. Mas eu sou otimista, e tbm acredito na nossa natureza social, e altruista. Por isso espero que sim, que essa escola consiga fazer essas criancas que se concebem tao distintamente a andarem hand in hand.

sábado, junho 19, 2010

Da Impermanencia

Estou em Paris com meus pais. Uma viagem de ultima hora depois de terminar minhas provas, decidir mudar de projeto de doutorado no ultimo minuto, e de ter finalmente um certo sossego na minha "impermanente" casa. Quando eu voltei do meu retiro de meditação, a palavra "anitya" (que significa impermanência em Pali ou Sanscrito) nao me saia nunca da cabeça. Até hoje quando ela soa em minha mente, soa na voz do Goenka. E ela vem tambem com o cheiro de calma e da sensações da meditação.

A impermanência é o ápice da questão. Como tudo é impermanente nos apegarmos leva ao sofrimento. Como quase tudo, quando dito assim em termos vagos, em alguns momentos parece fazer todo o sentido, e noutros sentido nenhum. De um lado, logicamente faz todo o sentido que apegar-se leve ao sofrimento, por outro, acho que pouca gente deve conseguir conceber de uma vida totalmente "desapegada".

Nos momentos de "certa revolta" quanto a inevitabilidade do sofrimento, confesso, que penso bem "pequenamente". Um pensamento tipo assim. "E dai que tudo eh impermanente! Prefiro viver e me apegar e sofrer do que não ter sentimentos!!!!" E ai eu invoco tudo que eu sei de filosofia, antropologia, biologia, para me justificar intelectualmente, que essas ideologias budistas não fazem sentido. No ápice do meu dialogo interno eu concluo sempre "Nao fomos selecionados para isso!" Se o homo sapiens, ou qualquer um de seus ancestrais fosse consciente de tudo o tempo todo, e equânime nao teria sobrevivido. Nos somos inconscientes de muito que nos acontece porque é mais facil assim. Afinal ja pensou se tivéssemos que manter controle da nossa respiração, circulação, temperatura corporal, digestão etc... ? E assim eu me satisfaço, lembrando me que eu não sou budista, que eu compreendo "racionalmente" porque neurologicamente meditação funciona, e concluo que quebrar o padrão mental la no fundo na verdade eu nao quero. Mas essas explicações não são mais permanentes do que as opostas, do que as que compreende meditação em seus termos mais filosóficos e experienciais.

Enquanto eu estava no retiro, muitas vezes eu ouvi Goenka falar de Anitya, (impermanência). E todas as vezes eu pensei na impermanência abstrata. Talvez seja porque eu ainda não tenha perdido ninguém muito próximo de mim. Ninguem da minha família, nem dos meus amigos. As minhas impermanências são dessas que se projetam como possibilidades de mudança. A Sabrina minha querida amiga esta em Boston mas nos nos falamos frequentemente, a Mounia teve bebe no Marrocos mas eu posso acompanhar suas noticias pelo skype e no e-mail. A minha família esta no Brasil mas eu sempre volto para la, ainda que "o la" não seja nunca o mesmo, e o tempo que vai passando fica cada vez mais assustador.

Pela primeira vez no entanto, a impermanência se fez solida há algumas semanas. Quando a crise na Tailândia começou, eu que aprendi um pouquinho sobre a politica local, soube imediatamente que a crise nao se resolveria tao facilmente, pq nao eh possível antever uma solução que satisfaça os dois grupos a longo prazo. Comecei a escrever a todas as pessoas que la conheci. Quem acompanha meu blog, e meus emails da Asia sabe que eu considero a minha segunda casa da Asia Nong Khai, uma pequena cidade na fronteira da Tailandia com o Laos. La na Mut Mee guesthouse passei incontáveis dias e noites. Nos meus 3,5 meses na Asia voltei para a pequena cidade 4 vezes. Sempre ansiosa para tomar cafe da manha nas mesas comunais, e passar as noites no Gaia, o barco no rio Mekong.

Fiquei muito amiga do dono da Mut Mee e do Gaia, o Julian, um inglês casado com uma Tailandesa e pai de dois filhos adolescentes. Julian que é físico, filho de mãe Inglesa com pai Palestino é daquelas pessoas que é adorada por todos. Um pai afetuoso e exemplar que leu todos os livros do H.Potter em voz alta!!! Com Julian, seus filhos, mulher, seus empregados, amigos, seus hospedes passei momentos preciosos no Gaia e na Mut Mee. Como ja disse aqui antes, muitas noites acordei ansiosa imaginando que nunca mais estaria sentada nas almofadas do Gaia olhando o Mekong passar. Esse meu desespero de meio de noite era sempre desespero relacionado a mim. O medo era de eu não poder voltar lá.

Quando os incidentes aconteceram eu escrevi ao Julian para saber como eles estavam. As noticias eram sóbrias. O turismo é claro tinha caído, e o Gaia tava fechando, nao estava se mantendo. Julian, num email que não parecia ser escrito pelo homem radiante que eu conheci cogitava ter que voltar depois de uns 20 anos na Asia para a Inglaterra!!! Eu li a mensagem varias, varias, e varias vezes. E aquela impermanência foi arrebatadora. Aquele desespero que eu senti tantas noites era mais real do que nunca. E o mais assustador é que ele não me pertencia. Nao era eu quem nao poderia voltar la. Não seria eu que nao seria capaz de chegar a beira do Mekong. Era o Gaia que nao mais existiria. E é claro que eu percebi que eu queria voltar no tempo, nao no Gaia. Eu queria voltar no tempo: nas noites de chuva torrencial com jacas caindo do lado de fora do meu quarto, voltar ao calor escaldante e me sentir exausta sem saber o que fazer, voltar ao funeral budista onde eu quase desmaiando tentei subir as escadas para colocar a ultima flor antes do corpo ser queimado, queria voltar a jogar banco imobiliário com as regras todas inventadas pelas crianças, queria voltar a fazer massagem na Aoh.. E nessa impermanência tao solida, na possivel desaparição do Gaia da beira do Mekong a impermanencia ficou mais experiencial. Pela primeira vez eu compreendi um pouco mais o que deve ser ser refugiado. O que é partir de um lugar que não existe mais, o que é ser a ultima pessoa de uma tribo a carregar os segredos de uma cultura. E realmente não há como não ficar desorientado com toda essa impermanência.

Eu nao tenho uma solução... são só ponderações de alguém que vive no impermanente "declarado" o tempo todo (fator comum entre imigrantes e viajantes). Talvez o segredo seja combinar a noção de que tudo que existe hoje faz parte dessa linha ininterrupta do primeiro homo sapiens a tudo que temos hoje, com uma tentativa de ser mais consciente do presente. Mesmo porque o presente é consequência direta desse passado. E no fim, nesse misturado o tempo parece não existir.

quarta-feira, maio 19, 2010

Budrus



Meu grande e querido amigo, cineasta Fellipe Gamarano Barbosa, de quem ja falei aqui, ha mais ou menos quatro meses me encaminhou um email da sua amiga Ronit Avni (fundadora da Just Vision), falando do seu ultimo filme Budrus. Budrus o email explicava estaria em cartaz aqui em Londres no Human Rights Wactch International Film Festival. Percebi pelo e-mail que o filme tbm era projeto da Julia Bacha, amiga do Felipe de NY a quem ele tinha me apresentado brevemente enquanto eu morava la. Na época, a Julia ainda estava na faculdade mas algum tempo mais tarde eu leria seu nome nos creditos de Control Room, um documentatario incrivel sobre como a midia cobria a guerra do Iraque.

Na epoca lembro de pensar no brilhante livro do Edward Said. Covering Islam: How the Media and the Experts Determine How We See the Rest of the World que como Orientalismo fala de como o Ocidente cria a imagem do Oriente. Nesse livro em particular, Said fala de como a Midia literalmente cobre , no sentido de colocar uma coberta, esconder, a situacao real. O livro que foi escrito se nao me engano no comeco dos anos 80, falava da entao revolucao de 79 no Ira. Eu morando em NY desde a queda das torrres, assistindo diariamente como aos poucos ia sendo construido o argumento que legitimasse uma invasao primeiro ao Afeganistao e depois ao Iraque, senti um frio na espinho lendo o livro. O mesmo frio que eu senti assistindo filme da Julia.

Portanto quando vi que ela fazia parte da producao de Budrus soube na hora que eu queria ver o filme. Um sentimento forte, mas ainda nao "sensorial" "corporal". Apertei o link do email que me levava a pagina do documentario e assim que comecou o trailer meus olhos encheram de lagrimas. Assim que o filme terminou eu comprei meus ingressos pela internet mais de um mes antes do festival. Mandei um email coletivo a todos meus amigos que eu achei que se interessariam. "Ju mas esse filme vai passar em mais de um mes". De fato, mas eu ja sabia que eu precisava ve-lo.

E entao, chegou o dia, e la fomos nos. A esta altura o filme ja tinha ganhado o premio do Juri no Festival de Berlim e de la para ca, ganhou premios me Madrid, Tribeca, Sao Francisco,. Levou o De Niro, Michal Moore, a Rainha da JOrdania to name a few a seus "screenings".

O filme é absolutamente "breathtaking!". Logo na chegada percbei que o filme estava sold out. Entramos assim que a porta abriu e pude observar a sala se enchendo de ingleses, de judeus, de muculmanos, de viajantes do mundo como eu. E o filme comecou. Comecou com os Israelenses vindo arrancar as oliveiras para construir o muro ilegal que deixaria muitos vilarejos completamente fechados, sem acesso ao resto das suas terras. Assisti uma senhora vindo defender sua oliveiras. Uma arvore, eh uma vida. Arvores que tem centenas de anos, que vem sido cuidadas pelas mesmas familias, o simbolismo da violencia é dilacerante. Ali comecei a chorar e nao parei de chorar no filme um minuto se quer. No comeco de choque, tristeza, depois de raiva da injustica. Mas o meu choro mudou durante o filme para um overflowing de emocao, de comocao com forca de grassroot movements, com o poder da solidariedade que passa por baixo de linguas, culturas, nacionalidades, credos.

O filme, conta a estoria de um protesto pacifico que teve sucesso. Um protesto que uniu palestinos e israelenses judeus e a comunidade internacional. Que uniu ate os soldados que depois de servir o servico obrigatorio passavam para o outro lado, protestando juntos contra a construcao do muro naquel local. O filme que em si é a colaboracao da filmagem de todos essas pessoas durantes 6 anos. Julia, estava la para responder as perguntas da plateia. Ayed o personagem principal, o lider palestino, que tinha estado em Berlim teve sua entrada barrada na Inglaterra. Julia, nos deu muito mais informacoes, e num momento absolutamente emocionante, um israelense, que como eu, estava emocionadissimo, agradeceu a Julia pelo filme. Disse que nao tinha ideia de nada disso, disse que mostraria o filme a todas as pessoas que conhecia.

O filme é um dos projetos da organizacao Just Vison. A organizacao fundada pela Ronit Avni e da qual Julia faz parte. Uma organizacao que tenta combater o que o Said há um tempão tentou nos alertar. A Just Vision tenta trazer ao publico instancias onde os dois lado do conflito, as pessoas tentam buscar solucoes pacificas. Tentam se encontrar. Enquanto a midia foca em politicos e terroristas, a Just Vision conta a estoria de solidariedade entre humanos.