sexta-feira, junho 29, 2007

Sintomas de Uma Sociedade Doente

Todo mundo deve estar sabendo do caso da Sirlei Dias Carvalho Pinto, mas para os que não sabem vou colocar aqui um pedacinho da noticia...

A empregada doméstica Sirlei Dias Carvalho Pinto, 32, foi espancada e roubada na madrugada de domingo (24) por cinco jovens na zona oeste do Rio de Janeiro. Os suspeitos são moradores de condomínios de classe alta na Barra da Tijuca, também na zona oeste. Três deles foram presos e dois continuam foragidos.

Sirlei relatou à polícia que estava em um ponto de ônibus da avenida Lúcio Costa, na Barra, perto do apartamento onde trabalha e mora, por volta das 4h30 --ela tinha saído cedo para ir a uma consulta médica--, quando cinco rapazes desceram de um Gol preto.

Os jovens começaram a xingá-la, arrancaram a sua bolsa e começaram a chutá-la na cabeça e na barriga. A agressão foi testemunhada por um taxista que passava pelo local.

Eles também são acusados de ter levado pertences de Sirlei, como o telefone celular e a carteira, que tinha R$ 47.
Após a agressão, Sirlei Pinto conta que foi até a casa onde trabalha e pediu socorro.

noticia "completa"
http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u306939.shtml


Desde que a notícia apareceu eu tenho ficado a cada dia mais chocada. Primeiro foi a notícia em si que já é revoltante, depois o pai de um dos meninos que disse que eles não deviam ser presos pois eram universitários. Em seguida, veio um dos acusados dizendo como justificativa?!! que eles tinham achado que Sirlei era uma ´vagabunda´. Num dos comentários à notícia li o comentário de um homem que tentava explicar o caso no seguinte prisma: a classe média vive com medo, os pais com medo de assalto, de violência e não é de se surpreender que esse medo encubado acabe levando jovens de classe alta a agir violentamente. Por fim, acabo de ler no Orkut que há uma pesquisa sendo feita para descobrir ser foi ´vacilo´ da própria Sirlei pois de acordo com a fonte era sabido que o ponto era freqüentado por prostitutas.

Então está aí a gama de razões que me levam a escrever aqui. O caso em si, já é um absurdo mas essa enxurrada de justificativas, para mim, são ainda mais preocupantes. São os sintomas de uma sociedade perdida, de pelo menos uma parte da sociedade doente. Eu estou acostumada, e exausta de ouvir gente culpar a vítima pela sua situação. E por isso vou tentar escrever um pouco sobre cada uma dessas assertivas. Começando pelo pai do rapaz.

O pai do rapaz, que acha que é um absurdo o filho ir para a cadeia é realmente muito preocupante. É claro, que eu sei que a maioria dos pais diria qualquer coisa para evitar que o filho fosse para cadeia, especialmente a brasileira que esta longe de ser um centro de re-educação. O problema é como ele da voz a isso. E eu acho que ele dá voz de uma maneira que diz muito sobre a nossa sociedade... infelizmente. Para ele, o fato do filho ser estudante, e no Brasil conseqüentemente alguém que pode estudar aos 20 anos é de certa forma um privilegiado, o transforma num superhomem, no sentido nietzchiano da coisa, um ubermensch, acima do bem e do mal. Acima da lei, e das normas, assim como se sentem muitos da classe média alta do Brasil.

Quando um dos meninos, e eu não sei qual, tentou se justificar dizendo que eles tinham batido na mulher pois achavam que era ela uma ´vagabunda´ eu senti raiva. Além de ser um comentário machista e discriminatório exatamente o que significa isso? Significa que nós vivemos numa sociedade que sim acredita que mulheres que são prostitutas, ou que exploram sua sexualidade são consideradas POR MUITOS como cidadãs de segunda classe. No caso extremo desse infeliz, digna de ser violentada. E de acordo com ele legítimamente. O problema para esse menino, não era que ele tinha espancado uma pessoa, mas que era a pessoa errada.

Quanto ao homem que tenta justificar dizendo ´a classe média vive com medo, os pais com medo de assalto, de violência e não é de se surpreender que esse medo encubado acabe levando jovens a ser violentos.´O que eu acho interessante nesse caso, é que a única violência que ele compreende é a exercida pela classe alta. A dos jovens marginalizados da sociedade é vista como a causa para reação dos jovens da classe alta. A violência da desigualdade em si para ele não faz a menor diferença. E eu tenho que pensar em Gandhi dizendo ´não há maior violência do que a miséria.´

Quanto ao Orkut, no fim , ele só materializa as conversas de rua. E ficamos alguns de nós aqui tentando defender como eu ja escrevi lá que esse é o típico comportamento é revoltante!!
Culpar a vítima pela sua posição de vítima é doente! Não aguento mais gente que tenta arrumar justificativas para culpar o ofendido! E isso é super comum... quem sofre discriminação e toma alguma atitude é considerado racista, mulher que é estuprada e que tem que responder a um milhão de perguntas como se a responsabilidade de ser violentada fosse dela, país que está ocupado e que tem explicar que ficaria bem sem tropas ocupantes ...etc São nesses exemplos que fica clara a total inversão de valores!

E a doença não acaba por aí, até quando muitos concordam que esse caso é um absurdo suas reações são igualmente estranhas. Tem que quer que os meninos sejam espancados, violentados, mortos etc. Isso também é sintoma de sociedade doente. Prisão devia ser para re-educar. Chega de querer punir abuso como outro tipo de abuso. Enquanto nós continuarmos pensando nesses termos continuaremos vivendo numa sociedade doente.

quarta-feira, junho 27, 2007

Para lá de Marakesh ...

Koutiubia Mosque


Finalmente vou conhecer o Marrocos. Se tem um país que faz tempo que eu estou para visitar é o Marrocos. Ontem, compramos nossas passagens para passar 20 dias neste pequeno ( mas nem tanto) reino ao Norte da África. O meu fascínio pelo Marrocos deve ter começado quando eu aprendi a tocar Qualquer Coisa do Caetano. Foi a primeira música que eu gostava mesmo que eu aprendi. Quem já fez aula de música deve saber ao que eu me refiro. Você querendo sair tocando tudo, e o coitado do professor insistindo nas escalas e no cai cai balão, meu limão meu limoeiro e afins. Na verdade mesmo, eu ouvi Qualquer Coisa, num show do Caetano com o Gil, no Palace em São Paulo... primeiro show que eu fui... devia ter uns 11 anos. Naquela época eu não sabia muito bem o que era ficar para lá de Marrakesh, e nem tampouco Tehran. E quem diria que muitos anos depois eu faria faculdade em NY e acabaria estabelecendo forte relações com uma Iraniana, e 3 Marroquinos ??

Fazer faculdade fora e morar on-campus acaba sempre assim fazendo um ter amigos espalhados pelo mundo. Deixando a Iraniana Sara para um outro post, falarei um pouquinho dos 3 marroquinos que hoje são parte da família que eu escolhi. Leila, Mounia e Mustapha.

Primeiro conheci a Mounia, amiga de um amigo meu, uma mulher linda, talentosa, que tudo que fazia, fazia bem. Ela me apresentou a Leila com quem acabei indo morar, e no fim fui trabalhar para o Mustapha, meu professor de post-colonialism e lingüista. Com os três aprendi e vivi num mundo de sociologia, arte, música, fotografia, post-colonialism, antropologia e pintura. Mustapha, é um homem absolutamente fenomenal, que faz as pessoas que estão a sua volta mais conscientes dos seus próprios discursos. Um homem que muda as pessoas. Muda para melhor. Um professor que se importa em saber tudo que os alunos pensam. Um patrão que busca dar o melhor ao seus empregados. Um pai e marido que envolve a mulher e filhos em tudo na sua vida. Leila também era assim, preocupada com o mundo. Brava, séria e absolutamente generosa.

E agora finalmente vou ver de onde eles vem. Que lugar os tornou tão generosos. Que lugar os fez tão conscientes . Vou ver o mundo de Fatema Mernissi. O mundo dos Berbers, de alguns Tuareg. O mundo de Fès, Casablanca e Rabat. Finalmente eu vou para lá de Marrakesh e o papo não vai ser qualquer coisa...

terça-feira, junho 26, 2007

Chimpanzés são capazes de ato generoso, diz estudo


Enrique Marcarian - 15.fev.2006/Reuters






Chimpanzé come amendoins em zoológico da Argentina



Eu adoro primatas! Dentre eles, gosto principalmentes dos ´Apes´ ( Gorilas, Chimpanzés, Gibons, Bonobos e Orangutangos). Por isso quando vi hoje uma notícia na folha sobre os chimpanzés não tive dúvida em abri-la. Quando me deparei com o artigo sobre chimpanzés e altruísmo fiquei duplamente emocionada. E como essas conexões no cérebro acontecem meio inesperadamente, eu vou tentar explicar o porque da minha dupla emoção.

Eu conheci o Haiko, meu marido, na Holanda há alguns anos. Eu tinha ido para estudar no país dele e ele estava de viagem marcada para fazer um estágio no Max Planck Institute em Leipzig, na Alemanha. Por isso assim que começamos a namorar passei a pegar o trem quase todo mes para ir a Leipzig.

Apesar do Haiko ter ido para Alemanha para trabalhar no departamento de neurociencia e psicologia, era a parte de primatologia do instituto que nos fascinava. Por isso, numa das minhas estadias na cidade alemã, Haiko conseguiu organizar uma visita ao zoológico de Leipzig com um dos pesquisadores do Max Planck. O passeio foi ótimo, Keith ( o pesquisador) nos contou sobre os estudos, contou casos engraçados, dramáticos , e falou extensivamente sobre um estudo que o laboratório estava fazendo sobre altruísmo.

Hoje quando abri o jornal, logo vi que o estudo a que a Folha se referia era aquele, daquele instituto, que eu e o Haiko tínhamos visitado. Vi que o artigo falava sobre os chimpanzés que conhecemos até por nome! Me lembrei na hora do Keith, pesquisador Canadense, nos levando pelo zoológico e discursando muito empolgado sobre o estudo. E é claro, fiquei superemocionada. Enquanto eu ia lendo, ia pensando nossa engraçado parecido com o de Leipzig, nossa muito parecido, nossa é o de Leipzig...

O estudo era basicamente... bom em vez de tentar resumir vou copiar aqui uma parte do artigo :

Nos últimos anos, primatologistas têm observado aqui e ali evidências de altruísmo genuíno também entre os chimpanzés. Para tirar a teima, o grupo do Max Planck, liderado por Felix Warneken, bolou três experimentos bem criativos.
No primeiro, 36 chimpanzés e 36 bebês viam um humano desconhecido ter um objeto roubado por outro humano e colocado atrás de uma grade, ao alcance do altruísta em potencial. Mesmo sem ganhar nenhuma recompensa, bebês e macacos pareciam se apiedar do estranho ao vê-lo tentando pegar o bibelô e, na maioria das vezes, alcançavam-no para ele.
No segundo experimento, barreiras eram colocadas para dificultar o acesso ao objeto, criando, assim, um "custo" para o ato generoso. Mesmo assim, a boa ação era praticada.
Mas o terceiro experimento, feito só com chimpanzés, foi a prova dos noves: um macaco precisava abrir uma porta para que outro, sem nenhum parentesco, pudesse entrar numa jaula em busca de comida.
Mesmo sabendo que não iam ganhar nada, 80% dos animais ajudavam. "O resultado do experimento três surpreendeu até a mim, o maior crente em empatia e altruísmo entre os primatas", escreveu Frans De Waal, da Universidade Emory (EUA), famoso por seus estudos com chimpanzés.
Conclusão de Warneken e colegas: "As raízes do altruísmo humano podem ser mais profundas do que se imaginava, chegando até o ancestral comum entre humanos e chimpanzés".

Bom, agora o porque da segunda emoção?? Porque eu como ateia fico feliz , muito feliz quando vejo altruísmo acontecendo fora do âmbito humano. Estudos como esse dão mais suporte aos que como eu acreditam que altruísmo, generosidade, senso de justiça precedem religiosidade e como esse estudo parece indicar... até mesmo humanidade.

quarta-feira, junho 20, 2007

As sombras da romãzeira

Acabei ontem de ler As sombras da romãzeira que é o primeiro livro do Quinteto Islâmico de Tariq Ali. Acabei meio sentindo uma apunhalada no estômago, não sei de quem, nem sei porque. O livro é sobre uma família muçulmana ( e isso para ser tão redutor) tentando sobreviver na Espanha depois da queda de Granada. Um livro sobre um pouco da história islâmica e da reconquista cristã durante o reinado dos reis católicos da Espanha. Um romance, mas desses que me fazem pensar em Jean Rouch. E eu explico porque...

Meu primeiro contato com Jean Rouch, antropólogo e cineasta conhecido pelo cinema vérité (cinema verdade), foi numa aula de filme etnográfico. Assisti Chronique d'un été , projeto de Rouch com o sociólogo Edgar Morin e filmado em 1960 na França, numa das minhas primeiras aulas. O filme começa com uma discussão entre Morin e Rouch para descobrir se era possível ou não atuar sinceramente na frente de uma câmera. Para explorar esse tema, eles pedem para pessoas, que eles encontram no meio das ruas de Paris, discutirem temas sobre a sociedade francesa e felicidade enquanto são filmadas. Como é de se esperar, assim que elas começam a falar para câmera, elas se transformam. O final do filme é brilhante pois Morin e Rouch reúnem todas essas pessoas para se assistirem. A cena é bárbara pois muitas delas não concordam com suas imagens e fica claro que se transformaram em personagens. Um outro filme que assistimos que me tocou muito foi Pyramide Humaine, mas dedicarei um tópico inteiro a esse filme.

Depois de assistir a alguns filmes de Rouch, na época, resolvi fazer uma pesquisa sobre o cineasta. Lembro-me de encontrar uma entrevista onde ele contava como começou esse interesse que o levou ao cinéma vérité. Rouch contou, que quando era criança tinha sido levado para assistir Nanook of the North (documentário do Flaherty de 1922 sobre os Inuit ) e que tinha ficado encantado com o filme, com a vida dos Inuit, que saiu do cinema fascinado. Um pouco depois foi levado por sua mãe a assistir Robin Hood (1927). Durante o filme, no entanto, ele começou a chorar. Quando a mãe perguntou porque ele chorava, ele explicou que era porque muitas pessoas estavam morrendo e ele estava triste. A mãe, imagino que tenha achado engraçado, explicou que aquilo era um filme, e que não era verdade, que eram atores e que as mortes eram de ´mentirinha´. Para surpresa da mãe, diante dessa explicação, o pequeno Rouch começou a chorar mais. Chorava pois se era tudo mentira então todos aqueles Inuit também eram! A mãe, explicou que não, que o Nanook era um documentário, ou seja, era verdadeiro, e que o Robin Hood era ficção. Foi aí, segundo Rouch, que ele decidiu que ele ia dedicar a vida para descobrir quão mentira era um documentário e quão verdade uma ficção.

E foi assim que eu me senti lendo as agruras da familia de Umar. Transportada a um outro mundo. Um mundo de ficção mas desses que dizem mais sobre realidade, do que o dia a dia.

quinta-feira, junho 14, 2007

Equivalente ao Centro de Bombay em Marte ?




Haiko, meu marido, é neurocientista cognitivo e trabalha/estuda desenvolvimento cerebral dos bebês. Um desses dias, o Haiko me contou de uma conversa entre um colega dele chamado Caspar e um outro rapaz que não entendia porque muitas pessoas achavam bebês interessantes. O rapaz disse que quem acha bebê interessante deveria sair mais de casa. Segundo ele, oque é interessante é a possibilidade de vida em Marte não uma ´coisa´ que baba muito, chora e faz cocô na calça o tempo todo.

A esta frase frase veio a resposta de Caspar, que me pareceu muito interessante e por isso a reproduzo aqui.

´Bebês tem que ser uma das coisas mais interessantes que existem. Alguns mínimos micróbios em Marte podem nos interessar por um tempo, mas pessoas são muito mais interessantes, e todos nós começamos a vida como bebês. Nós chegamos sem nenhum idéia sobre nada e temos que passar uma vida inteira aprendendo sobre o mundo. O processo continua pela vida inteira, mas é mais intenso no primeiro ano e pouco de vida. E o que se aprende nesse começo é a base para tudo que se aprende depois. Antes de aprender as coisas mais óbvias que nõs todos nem percebemos o valor, temos que nos familiarizar com alguns princípios sofisticados e sutis. Por exemplo : gravidade, solidez e a continuidade no tempo dos objetos, sentido de ´self´, alguma perspectiva das relacões com ´outros´, do que se trata linguagem etc..

E eles não são apenas pequena calculadoras experimentando o mundo para descobrir como e por quê o mundo funciona. Eles tem que aprender em meio a um labirinto de confusão. Dizem que a experiência de ser bebê é muitas vezes comparada a uma forte viagem de ácido. Eu acho que essa comparação não deve estar muito longe da verdade. É é uma viagem que não para e onde não se tem nenhuma concepção do que é a realidade. Imagine ser drogado com ácido e ser jogado no equivalente do centro de Bombay em Marte.

Usando um exemplo da minha pesquisa. Eu estou tentando descobrir as origens da formação de conceitos na infância. Como os bebês aprendem a econtrar padrões e regularidades no mundo. Todos esses pequenos animais peludos são cachorros, esses outros são gatos, esse especificamente é o Spot, aquele é o Felix, e todos juntos coletivamente são animais de estimação. E eles também são mamíferos, animais, que voce pode encontrar na sua casa ou num desenho animado. Mas o que todos os cachorros têm em comum? Nem adultos podem responder a isso direito. Há algumas características comuns (como pelo, rabo, nariz preto e brilhante) mas muitas dessas características são comuns com muitos outros tipos de coisas, e nem estão sempre presentes ao mesmo tempo. Na maior parte do tempo nós simplesmente sabemos quando vemos um e fazemos isso sem nenhum esforço. É precisamente por causa de todo esse aprendizado que fizemos naquele primeiro ano e meio de vida: qualificanto, classificando, dando sentido ao mundo.

E depois temos que aprender a classificar as pessoas, comidas, brinquedos, móveis, veículos, emoções, relações abstratas. E tudo isso enquanto estamos tentando aprender a primeira lingua. Nossa! É muito complicado ser um bebê. Não me surpreende que eles comecem a chorar de vez em quando!´

quarta-feira, junho 13, 2007

Hipótese

"A vida, Senhor Visconde, é um pisca-pisca. A gente nasce, isto é, começa a piscar. Quem pára de piscar, chegou ao fim, morreu. Piscar é abrir e fechar os olhos - viver é isso. É um dorme e acorda, dorme e acorda, até que dorme e não acorda mais. [...] A vida das gentes neste mundo, senhor sabugo, é isso. Um rosário de piscados. Cada pisco é um dia.

Pisca e mama;

pisca e brinca;

pisca e estuda;

pisca e ama;

pisca e cria filhos;

pisca e geme os reumatismos;

por fim pisca pela última vez e morre.

- E depois que morre? - perguntou o Visconde.

- Depois que morre, vira hipótese. É ou não é? "

(Monteiro Lobato- Memórias da Emília)

terça-feira, junho 12, 2007

Xala

Reli esses dias o livro Xala do escritor Senegalês Ousmane Sembene. Nascido em 1923 em Casamance, sul do Senegal, Ousmane Sembene, é considerado um dos mais engenhosos escritores Africanos e o "pai do cinema africano".

.
Ousmane Sembene.




Xala é uma feroz e hilária sátira a moderna Burguesia Africana. Abandonando a comum e politicamente aceitável critica a exploração européia Sembene toca num assunto mais polêmico: a reação negra as medidas coloniais depois da "concedida" independência.

O herói do livro é um ocidentalizado e bem sucedido homem de negócios senegalês que de repente "pega Xala,"uma antiga maldição Senegalesa que causa impotência. A sua inútil procura por uma cura se torna uma metáfora da impossibilidade dos africanos de conseguirem libertação através da dependência da tecnologia ocidental e estruturas burocráticas.

O livro tem descrições fantásticas e deixa clara a inconsistência de um sistema que se constrói das sobras de um governo colonial. A sociedade Senegalesa de Sembene se estrutura sobre uma ilusão de independência. Nesta sociedade não se consegue sustentar a diferença de culturas. El Hadji, o herói (ou anti-herói) , lida com essa dualidade através da constante escolha do que lhe serve.

quinta-feira, junho 07, 2007

Resistência

'I want all British troops withdrawn from Iraq now' (postcard)
´The lowest form of resistance is to survive´

Haifa Zangana, nocauteou muitos com essa frase. Haifa, autora iraquiana torturada durante o regime de Saddam, era uma das palestrante que falou nessa segunda feira, aqui em Londres contra a ocupação do Iraque.

Ao ser perguntada se não seria pior a total retirada das tropas, Haifa transbordou com voz que ganhava mais força a cada palavra.

´Essa pergunta é racista! Eu sei que ela vem da preocupação de alguns, do sentimento de culpa, e por isso eu respondo, eu tento responder, mas essa pergunta é racista! Nós iraquianos vivemos juntos a centenas de anos. Sunita, Xiita, Curdos, nós já vivíamos juntos muito antes de vocês virem nos ´liberar´, muito antes de vocês virem dividir e colonizar, muito antes de enfatizarem sectarismos! Nós não precisamos dessas tropas! As coisas estão piores a cada dia! Vão embora! Enquanto vocês nos ocuparem haverá resistência!´

Zangana, junto com Dahr Jamail respondeu durante duas horas perguntas da apresentadora e dos ouvintes. Falaram da realidade de quem vive em Bagdá. Da dificuldade que é de se comunicar afinal com apenas 1 hora de eletricidade por dia, TV, Internet não estão nas prioridades. Falou das dezenas de horas que se passa na fila para conseguir um pouquinho de gasolina, nos carros que explodem todos os dias, nos death squads treinados pelo EUA, no 1 milhão de iraquianos mortos, nos médicos que não podem atender ninguem, nos refugiados, no grave risco que se corre todos os dias ao sair na ruas.

´E nós saímos, pois temos que continuar a nossa vida. Sobreviver é uma luta diária. And in a sense the lowest form of resistence is to survive!´

sábado, junho 02, 2007

Hometown Baghdad

Eu sei que somos todos os mesmos. Você sabe que com algumas variações culturais somos os mesmos. Sabe-se que o nosso cérebro não mudou muito em milhares de anos. Sabemos que temos a habilidade de sentir as mesmas coisas. Sei que a variação de língua e de cultura produz alguma diferença, predominantemente, no entanto, somos todos iguais. Eu sei disso, o cientista sabe disso, o antropólogo, o psicólogo, então porque será que assistir a uma série de vídeos colocada no ar pelo Hometown Baghdad me deixa sem fôlego ?? Talvez seja porque grande parte da mídia, e dos políticos insistam em agir como se fôssemos muito diferentes. Tratando o mundo e as pessoas, como algum sócio-evolucionista, um Spencer do passado, como se houvesse uma hierarquia de sociedades.

E é assim que assistindo Hometown Baghdad eu vou ficando sem fôlego. Assistindo a vida de 3 Iraquianos como eu ou você, vivendo nas dura realidade atual do Iraque. Foi colocado no ar não sei por quem, e nem sei como, o que sei é que uma série de pequenos vídeos de aproximadamente 2 minutos sobre a vida de 3 meninos em Baghdad. Os videos, são do dia a dia, a vida de 3 pessoas no Iraque. Como é de se esperar há alguns vídeos dramáticos. Irônicamente, no entanto, os que me deixam mais tocada, são os vídeos das coisas simples, que aliás no Iraque agora, nunca são tão simples assim.

Quem quiser assistir segue o link:

http://www.hometownbaghdad.com/