segunda-feira, dezembro 31, 2007

Feliz Ano Novo

O ano esta para acabar e eu estou aqui escrevendo no meu blog! Estou em Amsterdam junto com o Haiko depois de passar o natal com a familia dele no sul da Holanda em Maastricht. Falei com meus pais e irmao que estao em Ubatuba num calor de 36 graus e ceu azul as 5 da tarde. Incrivel, desde que eu nasci vou para Ubatuba no Reveillon e nunca peguei um final de ano sem chuva! Aqui ta 5 graus, mas pelo menos nao chove.

Liguei para minha avo o dia inteiro, e ela nao atendia seu celular. Finalmente consegui agora... E encontrei minha avo muito alegre. Estava em campos de jordao, com 5 amigas, como ela mesmo disse, um grupos de meninas de 70 a 80.

Minha avo 83, vai a ginastica todos os dias, faz aulas de arte moderna, usa a internet, e viaja com as amigas. Contou me que tinham reservado uma mesa, no terraco de um hotel para as 10 da noite. Pegariam 2 taxis para poder tomar champanhe!

E ai eu desliguei, emocionada, com a eterna jovialidade da minha avo. E eu aqui sentada na casa do meu cunhado,que alias esta com a namorada nos paises basco, sem muito animo para sair. Tinha assistido documentario sobre o outro lado da Benazir, lido sobre a crise no Kenya, e no momento mais ativo do meu dia fiz yoga e assiti o cirque de soleil.

Mas daqui a pouco saimos, para dar uma volta. ano retrasado passei meu reveillon em NY num templo budista. Foi diferente. Nunca tinha ido. Nao queria ir a festas, o Haiko tava na Holanda, minha familia no Brasil, meu amigos pelo mundo. E eu fui a um templo budista. Ouvi lendas do butao, meditamos pela paz.

Entao nos vamos sair daqui a pouco, dar voltas pelo Jordaan, assistir os fogos. E eu queria meditar pela paz. Com tantos fogos explodindo minha mente voa para guerras. Os fogos, dizem, sao para espantar os maus espiritos. Acho ironico pensar nisso. Eh ano novo entao deix para la...

Esses anos novos, sao meio arbitrarios, mas eu gosto deste ar de novas resolucoes, de planos para o proximo ano. E eu termino o ano pensando na jovialidade da minha avo, e no templo budista onde eu estive faz dois anos. O monge dizia, a cada som de gongo: pensamentos positivos as pessoas que amamos ...boomg .... pensamentos positivos as pessoas que nao conhecemos... bomg..., pensamentos positivos as pessoas que nao gostamos... bomg..e finalmente a tudo que existe.


Feliz Ano Novo

sexta-feira, dezembro 14, 2007

Salar do Uyuni- parte I



Uma das coisas mais fascinantes que eu vi na Bolívia foi o salar do Uyuni. Na verdade foi toda a viagem de 3 dias pelo sul da Bolívia beirando a fronteira do deserto do Atacama no Chile. A viagem de ônibus para chegar lá não foi fácil, mas comparada à viagem Santa Cruz- La Paz aqui relatada e à viagem Cuzco- La Paz que eu ainda relatarei, foi um paraíso.

Necessário dizer que eu entrei no ônibus para o Uyuni no mesmo dia em que cheguei de Cuzco e que eu tinha ido direto de Aguas Calientes à Cuzco 2 dias antes. Enfim, fazia uns três dias que eu viajava sem parar! Viajamos a noite toda, num ônibus moderno e confortável, mas por estradas de pedregulhos por muitas e muitas horas. Chegamos muito cedo em Uyuni, e todas as agências que fazem o tour pelo deserto estavam fechadas. Depois de já ter passado um bom tempo na Bolívia, eu sabia que era melhor escolher o melhor tour, com a melhor operadora, pois os imprevistos também aconteceriam mas seriam menos problemáticos.

Como era um domingo, nem todas agencias abriram,e eu acabei deixando todo meu plano de lado e entrando na que abriu primeiro. Escolhi um tour de 3 dias como haviam sugerido todos os viajantes que eu tinha encontrado pelo caminho. Por sorte acabei ficando num carro com apenas quatro pessoas e o motorista. Uma australiana que seguiria para o Equador, um casal de ingleses que estava terminando uma viagem pelo mundo, e eu. E mais uma vez eu era a única que podia me comunicar com o motorista, e mais uma vez fiquei encarregada de traduzir todas as perguntas e pedidos.

Mal começou a viagem, e o carro quebrou. Todos já estávamos na Bolivia havia um certo tempo então não nos surpreendemos. O motorista saiu, tentou arrumar o carro, e eventualmente estávamos de volta ao nosso passeio. O carro quebrou outras vezes, mas a viagem foi fascinante. Primeiro entramos na parte seca do salar, onde havia inúmeros montes de sal por todas as partes. Depois descemos para tirar fotos e almoçar num hotel feito de sal. Continuamos nossa jornada até uma parte do salar ainda mais dura. Paramos o carro no meio daquele deserto de sal e ficamos um tempão admirando aquela paisagem surreal.



Continuamos nossa viagem até chegarmos numa ilha de cactus (qual o plural? cacti?) gigantes. Pagamos alguns bolivianos e fomos passear pela ilha. E realmente era incrível, aquela ilha no meio do sal. E foi aí que eu já comecei a sentir falta de um geólogo que pudesse me explicar o que eu veria pela frente. Sem poder entender, eu ficava apenas encantada com aquele cenário desconcertante.




Continuamos a nossa viagem agora pelo salar molhado, e para mim, nesse primeiro dia, foi um dos momentos mais fascinantes. Dirigíamos em cima do salar, que refletia tudo. O céu estava um pouco nublado e a paisagem ia mudando o tempo, parecia um lago, parecia o ceu, não se via o horizonte, nem onde a terra acabava, nem onde o céu começava. Me senti dentro de um quadro impressionista. Ficamos boquiabertos naquele lugar ..tamanha era a beleza que nos rodeava.




Chegamos eventualmente para dormir num hotel no meio da viagem. Mortos de fome, ansiosos pela sopa boliviana, comemos, conversamos um pouco, e fomos dormir num clima já mais frio! Nada comparado ao dia seguinte, quando chegaríamos a quase 5 mil metros e a temperatura despencaria.

quarta-feira, dezembro 12, 2007

O mundo

Não sei quando começou minha paixão por mapas mas imagino que cedo. Não estou falando aqui do eurocentrismo e distorções de Mercator, nem dos recortes arbitrários dos colonizadores, mas daquela curiosidade que emerge ao ver o nome de uma cidade, rio ou montanha desconhecida.

Minha mãe sempre os adorou, nunca deixou, nenhum nome de cidade, rio, que ela não conhecesse, passar sem averiguar onde ficava, que latitude, longitude etc..

Lembro-me de bem pequena, na escola francesa onde estudei, ouvir Jerome dizer que sabia todas as capitais do mundo. Achei aquilo impossível.Tentei pensar o lugar mais difícil que eu conhecia, e só consegui dizer Sri Lanka. Ao que ele respondeu sem dificuldade Colombo. É bem verdade, que naquela época era mais fácil já que quase todos os ´istãos´ainda faziam parte da União Soviética.

Já na Universidade, Joss, minha ex-flatmate, pegou uma aula de geografia da Africa. Como eu que tinha que tomar a lição acabei aprendendo muito sobre os países africanos. Aí eu quis aprender onde todos os países e suas capitais ficavam, e durante um bom tempo eu soube até as ilhas do Pacífico.

Depois Joss e eu achamos que aquilo era pouco, devíamos destinar cada semana a aprender um pouco sobre algum lugar. Fizemos isto de maneira mais informal que imaginávamos, através de aulas, amigos, e livros. E é incrível como as pessoas ficam felizes em perceber que você que nasceu num outro mundo, sabe alguma coisa do lugar onde ela veio.

No começo somos exigentes, temos sonhos de grandeza, achando que deviam saber mais do que rio de janeiro, futebol e carnaval. Mas quando alguém de Bishkek ou Bandar Seri Begawan sabe 3 informações sobre o seu país enquanto você não sabe nem onde fica o dele, fica-se mais humilde.

Tenho um amigo que diz que se aprende sobre outros lugares viajando. E eu concordo que viajar ajuda muito, mas não acho nem que seja fundamental, e nem que garanta que se aprenda. Afinal tem quem viaja sem querer que nada mude, sem aprender coisa nenhuma.

Ontem por acaso eu cai num site chamado amores expressos. Um projeto, se nao me engano, da companhia da letras. Aparentemente, escritores brasileiros foram mandados para passar um tempo em diversas cidades no mundo e quando voltassem teriam que escrever uma crônica sobre amor. Fiquei absoluamtne perplexa com o que a escritora mandada para India escreveu. Generalizações, discriminações,ofensas a torto e a direito. Tão irônico para quem foi para lá para se inspirar sobre amor.

Depois li sobre um menino de 5 anos na Paraisópolis que tinha aprendido com o pai varios paises e capitais. O pai o ensinou com uma lousinha e um Atlas.

E então, eu percebi que a minha paixão vem de querer aprender mais sobre o outro. O meu fascínio por mapas me levou a antropologia, a viajar sempre que posso, a querer aprender sobre outras culturas. Os mapas, como os livros e as línguas nos despertam para outras vidas, outros lugares. E viajar de fato reforça esse aprendizado, mas não acho que crie o desejo, o interesse.

O interesse pelo mundo, pelo outro, não sei de onde vem, mas este interesse está no pai que mostra o altas ao filho de cinco anos. Mostra o atlas das diferentes vidas, das diversas oportunidades. O interesse pelo o outro, este que falto a escritora.

E é verdade, nem toda viagem é fácil. Algumas nos levam ao limite. Quando eu estive em Hong Kong voltei mentalmente exausta, e as sinapses só começaram a acontecer no avião. o Marrocos levou me corpo a se rebelar, mas aos poucos eu entendi que não foi contra, mas a meu favor. Em nome de mais integração corpo e mente versus corpo sob a mente.

E é uma pena que muitas vezes no fechemos e nos rebelemos contra o diferente, contra o outro. Sem perceber que no fundo temos medo de nós mesmos. De abandonar conceitos, hábitos e idéias a que estamos habituados mas que muitas vezes nem são tão nossas.

segunda-feira, dezembro 10, 2007

Sonhos


Quando eu estive no ano passado na Eslovênia para visitar minha amiga Vesna ( mais info em tópicos anteriores), ela resolveu me levar até a Croácia para conhecer a Dalmácia e visitar sua tia. Eu sei que eu já escrevi sobre a bondade de Jelka no passado mas nunca cheguei a relatar a visita que ela nos fez fazer a uma senhora Croata no pequeno vilarejo de Stankovic.

Stankovic é um vilarejo de uma rua. Ou melhor, um vilarejo que cresceu a volta da estrada que passa pela Dalmácia. Tem aproximadamente 20 casa, sendo a da Jelka praticamente auto-sustentável. Um pouco depois que eu cheguei a Stankovic, Darko ,o irmão de Jelka que morava numa outra cidade, telefonou. Vesna contou-lhe que estava visitando e que tinha trazido uma amiga brasileira com ela. Acordamos no dia seguinte com Darko chegando no seu carrinho vermelho, vestido com a camisa brasileira de futebol, ávido para dizer nomes de jogadores brasileiros, e as poucas palavras de inglês que ele conhecia. Vesna me explicou que ele não era totalmente ´normal´mas que era uma ótima pessoa ( palavras dela e eu sei que normalidade e um tópico mais complexo). Saímos com ele o dia inteiro, passamos por cidade lindas, e tiramos muitas fotos do seu adorado carro. Fotos que ele não parava de planejar, e não cansava de admirar na minha máquina. No final da tarde voltamos para casa.

Assim, que chegamos Jelka nos pediu para visitar uma senhora muito velha que morava sozinha numa das casas do vilarejo. Jelka contou nos que a mulher estava um pouco triste, mas que nossa visita a alegraria. Jelka, uma das pessoas mais bondosas que eu já conheci, visitava a senhora freqüentemente. Não simplesmente para fazer companhia, mas também para limpar a casa da senhora, e para trazer-lhe comida.

Caminhamos até a casa, fomos entrando no terreno enquanto Jelka batia palmas e chamava pela senhora.Chamava, chamava e nada. Já estava escuro,Jelka entrou na casa enquanto Vesna e eu olhávamos na horta. Depois de uns 5 minutos comecei a ficar com medo que tropeçássemos na senhora morta em algum lugar. Mas não, um pouco depois ela veio, corcunda, bem velha, andando bem devagar, e explicou que estava na casa dos vizinhos.

Entramos na casa que era quarto, sala, cozinha no mesmo ambiente. Enquanto Jelka acendia o fogão, para aquecer a casa, e tirava uns potes com comida que ela tinha trazido, a mulher resmungava. Eu me senti transportada para uma outra era, num outro mundo. Assim como se o tempo tivesse parado e voltado a andar devagar como um daqueles monges que tocam um sininho a cada passo. A luz era fosca, as cores amareladas,e a mulher se lamentava. Jelka dizia coisas agradáveis e Vesna traduzia-me tudo. A mulher mandava ela me contar sobre o segundo marido, com quem tinha permanecido casada 40 anos, e que agora tinha morrido.O primeiro era péssimo, mas aos 40 anos ela tinha encontrado o segundo, um ótimo homem,e que agora ela estava só.

Num certo momento, Darko apareceu, explicou para Vesna que tinha planos e que ela devia traduzi-los. Como ele não podia viajar o mundo como Vesna e eu, ele tinha decidido fazer a mesma quilometragem com o carro dele. Faria isso, explicou ele, mesmo que ele tivesse que dar 1000 voltas dentro da Croácia. Enquanto seus planos mudavam para uma viagem intercontinental onde ele nos levaria até a Rússia passando por Albania, e Romênia, a senhora tentava se lembrar em que país da América do Sul ele tinha um filho perdido. Depois a viagem iria até a China, e a senhora falava de um outro filho esquecido. E a Vesna já não sabia mais o que traduzir e eu me sentia num filme.

E ali no meio de uma conversa em outra língua, num outro mundo eu compreendia os tons, e compreendia principalmente a humanidade daquilo tudo. Ali no meio de um vilarejo remoto, com poucas casas, sem internet, sem televisão, sem ajuda do governo aquelas pessoas tinham uma vida. Em outros lugares estariam talvez em asilos, ou sendo profissionalmente tratadas. Ali nos seus limites podiam viver. E mais que isso faziam parte da sociedade e tinham sonhos.

sexta-feira, dezembro 07, 2007

Thé à la Menthe


Uma das minhas mais antigas memórias é de uma mamadeira de 'chá' de camomila que me davam quando eu era criança. Eu odiava aquele negócio morno e doce para dedéu. Depois de muito meditar cheguei a conclusão que só podia ser a Cre, minha babá, que me dava aquilo, minha mãe jamais concordaria em dar açúcar para criança e minha avó jamais chamaria uma infusão de chá. Assim que fiquei traumatizada por infusões de camomila e mais ainda por bebidas quentes e doces.

Tomava infusões raramente no Brasil, um pouco mais em NY, bastante em Amsterdã e o tempo todo em Londres. Essa mudança se deve a Olga minha vizinha russa em Amsterda que freqüentemente me chamava para tomar chá na casa dela. Eu gostava muito mais do sarcasmo brilhante e pessimista dela do que de chás e infusões, mas depois de tantas tardes passadas por lá nem se quer tomo mais café.

Assim que quando me contaram que no Marrocos a vida girava em torno de um bule que despeja chá das alturas eu me animei. Infusão de hortelã sempre foi uma das minhas favoritas e eu mal via a hora de provar a famosa infusão marroquina. Acontece que quando o grande dia chegou e eu provei o meu primeiro gole em Marrakech eu quase desmaiei. O famoso ´thé à la menthe ´ nada tinha a ver com a infusão de hortelã que eu conhecia, e nem se quer com a da Leila, minha ex-roomate marroquina. Lembrei-me então que todas as vezes que Leila fazia a bebida ela reclamava dizendo que estava longe de ser como a do Marrocos. Assim que totalmente despreparada o meu primeiro gole no Marrocos foi um verdadeiro choque. Eu ficava o tempo todo imaginando a pessoa preparando e colocando colheres e mais colheres de açúcar. Mas eu estava enganada como ficaria claro mais para frente. Depois desse primeiro, nunca mais bebi nenhum, ou melhor nunca mais até a nossa viagem ao deserto.

Na nossa viagem, como eu já comentei antes, fiquei amiga do motorista Abdul. Por eu ser a única fluente em francês ficava com a incunbencia de todas as perguntas,e o privilégio de todas as explicações. É verdade que muitas delas, para mim pareciam mitos, por exemplo ele me garantiu que as mulheres andavam de negro pois era mais fresco... Outras eu realmente não tinha como julgar. O chá era um exemplo, eu sempre imaginei que o hábito deve ter originado de beber água fervida (mais seguro), e de ser difícil de resfriar uma bebida no deserto. Abdul me garantiu que não, que na verdade chá quente deixa as pessoas com menos sede. Não sei se isso é verdade, mas também não discuti. Depois de horas e mais horas conversando, Abdul me perguntou se podíamos dar carona ao sobrinho dele. Naturalmente concordamos, e foi assim que eventualmente paramos para o meu segundo chá.

Paramos no meio da estrada, numa casa simples, e Abdul virou se para mim e disse ' vocês tem sorte, meu amigo vai lhes oferecer um chá´. Com toda essa sorte eu não podia explicar que eu não queria beber. Juntei o que tínhamos levado de doces no carro para contribuir de alguma maneira. Estenderam uma toalha no chão do lado de fora da casa, em cima da terra, onde sentamo-nos todos para assistir a preparação ritualística do chá. Primeiro veio a água fervida, depois um pó(que na caixa estava escrito gun powder.. pólvora... ), depois as folhas da menta. Aí passa a água, joga fora, põe mais agua, as folhas de hortelã e então veio uma pedra de mais ou menos 16cm2 de açúcar. O bule metade da pedra, e eu esperando para ver o que aconteceria. Abdul entalou pedra abaixo, colocou um pouco de água e despejou o chá nos nosso 4 copos. Copos pequenos. Para poder servir o quinto, ele teve que fazer mais chá, com é claro mais açúcar. E ali o mistério se resolveu, eu estava enganada não eram colheres, eram meteoritos.

terça-feira, dezembro 04, 2007

Acordando no Saara



Quando finalmente descemos dos camelos, foi que sentimos o que tinha acontecido com nossas pernas. Meio bambas, meio moles, meio doloridas afundaram na areia. Hassan nos levou até nosso acampamento. Na frente da cabana havia uns tapetes, uma mesa redonda, e almofadas a volta. Deitamos os 3 olhando para o céu estrelado. Naquele momento eu soube que eu estaria para sempre ligada ao Haiko e a Dri. Dividir um momento desses marca! Enquanto apreciávamos as estrelas, Hassan nos trouxe chá. Aliás eu preciso de um post só para escrever sobre os chás no Marrocos!




Depois veio o Tagine, o meu e da Dri só de legumes, o do Haiko ja nem me lembro mais do que. Depois vieram frutas e outros quitutes mais. Ali no meio do deserto Hassan nos preparou uma refeição deliciosa. Sem nem pensar em escorpiões ou cobras dormimos do lado de fora. No deserto ao contrário do que dizem não fez frio. Temperatura agradável a noite toda, adormecemos olhando as estrelas!

No dia seguinte, acordei muito cedo. Aos poucos todos acordaram, e começamos a nos mobilizar para ver o sol nascer. Dri estava morrendo de dor de barriga, e eu também sentia um pouco. No meio do deserto não é nada fácil. Assistimos ao sol nascer e nos preparamos para partir. Com todos os lenços amarrados na cabeça subimos em nossos camelos. Não eram nem 7 da manhã e já fazia calor. O vento começou a aumentar, areia a voar e cada vez mais eu agradecia ter todos aqueles véus. Conforme fomos indo o tempo foi piorando: mais calor, mais sol e mais vento. O vento de certa forma aliviava o calor, mas a areia que vinha junto com ele machucava. Fomos indo, e apesar de ser muito engraçado, e inesquecível, mal víamos a hora de chegar de volta ao hotel e tomar um banho.

Eventualmente avistamos nosso carro muito antes do que esperávamos. Ficamos encantados com a idéia do Abdul de ir nos buscar. Descemos suando, melados de areia, exaustos, e descobrimos que o carro tinha atolado. Tentamos desatola-lo, mas nao houve jeito, tivemos que subir de novo no camelo. Voltar ao camelo foi desesperador, mais depois de mais meia hora de sofrimento estávamos de volta ao hotel. Descemos rapidamente, desesperadas ( eu e Dri), para ir ao banheiro e tomar banho. Lembramos-nos então que as coisas estavam no carro, aquele que estava atolado no deserto.


* Fotos by Adriana Torres.

Rumo a India e Nepal!

Quando eu tinha 15 anos, fiz um intercambio de um ano na Austrália. Morei numa cidade pequena, e um dia fui convidada para fazer um trekking no sul do país . Eu nunca tinha feito um trekking antes mas como me garantiram que seria tranquilo juntei-me ao grupo. O trekking duraria 4 dias e 3 noites. Como teríamos que carregar toda a comida, bebida e barraca que usaríamos resolvi não levar mais quase nada. Meu maior medo era passar sede, por isso levei 10 litros de agua.

No primeiro dia estava animadíssima. Aliás todos nós estávamos. Caminhamos, e caminhamos, e caminhamos até chegar num lugar meio sem saída, e o líder constatar que estávamos uns 10km fora da rota. Era o primeiro dia, ninguém se importou muito. Quando a tarde começou a cair, paramos. Fazia um friozinho, fizemos fogueiras, marshmallow derretido, e fomos dormir.

No dia seguinte, amanheceu chovendo. Era supostamente a estação seca, então todos ficaram chocados. Daí em diante, para mim foi só miséria. Chovia e fazia frio o tempo todo! Não havia onde se proteger, tudo molhado, a cabana nem tão impermeável, minha calcinha, minhas meias, minha camiseta em sopa. Durante a noite eu rezava para amanhecer e poder andar para que eu parasse de sentir frio, durante o dia eu torci meu pé e rezava para chegar a noite e parar de andar. Basta dizer que eu não me lembro de quase nada dessa viagem, não lembro da paisagem, das pessoas, só me lembro de olhar para o pé da pessoa da frente. Lembro de passar um frio desgraçado, e de querer chegar em casa o quanto antes para tomar um banho bem quente. Eventualmente, chegamos, e eu nunca mais quis fazer trekking nenhum que durasse mais de um dia.

Nunca mais até a semana passada. Quando conversando com o Haiko,e procurando passagens par ir ao Brasil no ano que vem, cai num site com passagens muito baratas para India. Haiko que passou 6 meses entre India, Nepal, Tailandia e Laos não se opôs. Compramos então nossas passagens para Setembro do ano que vem. E se tudo correr bem, farei o meu segundo trekking nos Himalaias. Eu sei que há uma certa injustiça nisso. Eu que nunca fiz trekking em lugar nenhum ir direto a um dos lugares mais desejados pelos merecedores alpinistas. Eu sei, eu soube disso também quando viajei pela Bolivia sem saber geologia para realmente apreciar todas aquelas formações. Mas eu prometo que me preparo melhor dessa vez, para apreciar tudo, e para poder contar aqui depois. E é verdade eu posso não ser uma ´montanhista´que vá poder realmente aproveitar completamente a experiência, mas como antropóloga quem sabe eu já mereça um pouquinho mais.

segunda-feira, dezembro 03, 2007

No Deserto do Saara


No dia seguinte, continuamos a nossa jornada. Fazia muito calor, e eu tentava me cobrir com todos os véus que eu tinha comprado pelo caminho. Naquela noite dormiríamos no deserto do Saara! Viajamos o dia inteiro, por estradas tortuosas, por vilarejos remotos, pela placa que indica que faltam 52 dias de camelo ( nunca sei se é de camelo, ou a camelo..) ate Timbutku. Depois de um dia inteiro de sol intenso, vilarejos, atalhos, começamos a avistar o deserto. Quando estávamos literalmente no começo do deserto, Abdul apontou um hotel e disse: é aqui a nossa última parada.

Ficamos um pouco desapontados, nos tinham dito que dormiríamos no deserto, e eu tinha imaginado no meio do deserto, não em um hotel que tivesse o deserto como quintal. Quando vimos tendas no quintal, tivemos um acesso de riso, pensando que essas eram as tendas para os turistas dormirem no deserto. Barak, dono do hotel, apareceu, nos levou para tomar chá e nos disse que tínhamos algumas opções. Podíamos dormir no hotel, nas tendas no quintal, ou então ir de camelo até um oasis no meio do deserto e dormir lá. Com nosso entusiasmo imediatamente recuperado, escolhemos a terceira opção.

Abdul nos explicou que ele ficaria por ali, e que nosso guia seria agora Hassan. Confesso que fiquei um pouco insegura de ir deserto a dentro com um desconhecido, mas como tudo tinha sido organizado pelos meus amigos marroquinos fiquei mais tranqüila. Subimos nos nossos tres camelos e começamos a nossa ´camelada´. Já era final da tarde, por isso a temperatura estava mais amena. Fomos indo, os 3, meu camelo no meio, mordendo o da Adriana, e sendo mordido pelo o do Haiko. Hassan caminhando na frente. Nossos três camelos amarrados. Eu ,sem saber nada sobre camelos , ficava imaginando o desastre que seria se um deles começasse a galopar.. ou se um inadvertidamente resolvesse se deitar.. Esses pensamentos a parte, o sol ia baixando, e íamos ficando cada vez mais tranquilos.

Num dado momento, quando quase não se via, Hassan pediu um minuto. Largou a corda do camelo, se voltou a Meca e começou a rezar. Ali no meio do deserto, aquele homem parecia tão centrado. Tão certo de onde ele estava. E nós 3, então ateus de carteirinha, nos emocionamos. Ali no meio do deserto, anoiteceu, e toda apreensão se esvaiu. As estrelas tomaram lugar do sol,
o molejo do camelo agora tranqüilizava, e já não tínhamos mais pressa de chegar a lugar algum. E assim num misto de calma e encanto avistamos luzinhas, pequenininhas, e sentimos em nosso corpo vibrar o som do tambor Berber. E assim soubemos o que se sente ao avistar um Oásis no meio do deserto.

domingo, dezembro 02, 2007

Pelo Sul do Marrocos



Enquanto planejávamos nossa viagem para o Marrocos, ficamos com vontade de fazer um tour pelo sul e pelo deserto do Saara. O Haiko como sempre concordou, ele já tinha estado no deserto do Rajastão (Thar) e tinha adorado. Eu que tive a idéia, também a achei ótima mas no fundo estava super apreensiva com sua concretização. Afinal, nós estávamos indo no final de agosto, final do verão marroquino, calor certeiro, e o deserto é um lugar de onde ,normalmente, as pessoas querem fugir. Passar horas em cima de um camelo não podia ser muito confortável, e se nos arrependêssemos, uma vez no meio do deserto, não ia ter muito o que fazer.

Nos 3 primeiros dias em Marrakech enquanto passeávamos para cima e para baixo com a Mounia, perguntavamos a todos que encontrávamos sobre o tour. " O deserto está muito quente, de 48 a 50 graus. Vale muito a pena ... é muito cansativo... é bobagem, é imperdível!.." Era impossível decidir. Quando Brahim, marido da Mounia, finalmente, nos ligou do deserto dizendo que tinha chovido decidimos.

Com tudo organizado por nossos anfitriões partimos numa segunda feira de manha para o sul. No 4x4 Adriana, Haiko, eu e o nosso motorista Abdul. Abdul, foi nos contando tudo que ele sabia sobre os lugares por onde passávamos. A paisagem, a cor da terra, do ar, das casas, as pessoas, tudo ia mudando pelo caminho. As únicas coisas que permaneciam as mesmas eram nossas opções de almoço: tagine e couscous.

Viajamos o dia inteiro, passando por inúmeros vilarejos, passamos pelo mais difieis tipos de vidas. Vidas duras, vidas secas, vidas severinas. A grande dicotomia é que essas paisagens eram de beleza, para o turista, estonteante. Como uma exposição de Salgado, eu acho, que quase nunca sente-se bem, por sentir se tão tocado. O ápice do surrealismo aconteceu quando chegamos a Zagora na nossa Riad. Um lugar magnífico, que me fez pensar mais no Mali do que no Marrocos. De paredes de barro, e detalhe em todos os cantos. Estarrecidos fomos andando pelo jardim, ate chegarmos a uma piscina. Uma piscina ali no meio de tanta secura. Nadamos num misto de alivio e culpa na boca do deserto do Saara.

sexta-feira, novembro 23, 2007

Do Criticismo e Emoção


Quando eu estudava em NY, minha grande amiga e ex-roomate Joss tinha uma teoria que ela avaliava todo semestre. Segundo ela, não importava quão distintas fossem as aulas que ela escolhesse para o semestre, em algum ponto todas elas se encontravam num tema em comum. Nunca soube direito se as coisas são todas realmente conectadas, ou se como dizia Joao Carlos, meu professor de comunicação e arte, é por causa do nosso repertório que podemos conectar e apreciar coisas mais ou menos. Depois de ser casada com um neurocientista tbm passei a pensar no famoso repertório do JC como bases para redes neurológicas, que se conectam como podem de acordo com as informações que temos. Há dias em que o meu ateísmo e ceticismo são fortes e as explicações evolutivas e neurológicas são mais do que suficientes para explicar essas conexões. Noutros, no entanto, uso essas redes cerebrais para conectar a noção de sincronicidade de Jung, com a de conectividade dos místicos, e as divagações ( que eu não posso avaliar os fundamentos) dos quânticos. No fim, nunca soube de fato o porque desses encontros, mas nunca pude deixar de aceitar que a Joss tinha razão, eles sempre acontecem.

E esse ponto aconteceu para mim ontem, enquanto assisitia ao show do Paco de Lucia aqui em Londres. Ou melhor, aconteceu depois, depois que eu deixei a companhia de amigos com quem assisti ao show. Depois que pensei um pouco mais sobre nossa conversa.

No começo do show, o violão do paco trastejou, umas notas não sairam... e eu fiquei prestando atenção muita atenção nessas falhas. Prestei atenção na emoção que o senhor ao meu lado sentia ao ver ali, obviamente, o seu ídolo. Prestei atenção nos espanhóis que gritavam Maestro, nas pessoas que gravavam e tiravam fotos, em suma em tudo menos naquele momento. Na segunda parte do show, eu parei, parei de olhar a volta, parei tudo e senti a música. Como sempre fui arrebatada por uma emoção inexplicável.

Na saída do show, encontrei meus amigos, um como eu tinha prestado total atenção nas notas não tocadas. O outro, grande fã do Paco, as tinha notado mas quase nada tinham significado para ele. O tempo, disse ele, esteve sempre correto, as mãos inexplicáveis... A emoção que ele sentiu, vinha de estar em frente ao Paco, de ouvi-lo.

E só quando eu voltei para casa, pensando, eu entendi aquele momento. A dicotomia entre emoção e o criticismo. Percebi que todas as vezes que me deixo levar pela completa emoção de estar diante de alguém que admiro, me parece que eu tento policiar o meu senso critico, medo talvez de encontrar uma falha e não poder mais admirar. Por outro lado, quando esse senso se alimenta de si mesmo, eu acabo inevitavelmente perdendo o significado do momento. O problema, eu percebo, não é no senso crítico em si, ou na emoção, mas sim nessa idéia de que uma coisa tem que ser perfeita em um todo. Meu amigo tem razão, e daí que trastejou, o Paco é fenomenal.

quinta-feira, novembro 22, 2007

Da viagem ao Marrocos - English Version


Alguns de vocês sabe ( olha o otimismo :) que eu finalmente fui viajar para o Marrocos. Escrevi, sobre o significado da viagem para mim em um outro post, mas nunca cheguei a escrever sobre a viagem em si. Fui com duas passagens de volta, uma para voltar em 20 dias, e outra para voltar em 34. Fiquei os 34, teria ficado mais, se um pequeno, bem pequeno senso de responsabilidade, e grande saudade do meu marido ( que ficou só 15 dias) não apertassem.

Como sempre, me preparei, o melhor possível... li os guias, as dicas, romances, historia.... nem tanto por querer estar preparada, mas mais por já querer estar viajando no dia em que comprei a passagem. E como sempre cada lugar dizia um coisa, cada pessoa uma opinião diferente. De unanimidade total: que me vestisse modestamente, mangas longas e calças folgadas ;e que esperasse ser abordada por todos o tempo todo.

Então fomos, os 3 ( Haiko, Adriana e eu) preparados. Poucas roupas mas conforme o indicado. Chegamos as 9 da manhã em Marrakech. Um calor incrível, filas e mais filas na imigração e um sistema demorado de entrada. Dados são mantidos, e recebe-se um numero de entrada, através desse número que será pedido em todos os hoteis , o governo sempre sabe onde o turista está.

Quando finalmente chegamos do lado de fora, lá estava minha amiga Mounia. Fiquei emocionada em reencontrá-la depois de alguns anos. E para nossa surpresa, ela estava como sempre se vestira em NY, de blusa tomara que caia.

´Mas Mounia os guias dizem para nem usarmos manga curta!?´

Ela riu, e disse que era bobagem, que cada um se veste como quiser.

Entramos no carro dela, e fomos direto ao seu apartamento. Um apartamento moderno, na praça central da Ville Nouvelle, decorado com os belíssimos quadros da minha amiga. A nossa espera Hafida, sua babá de infância, tinha preparado um café da manha monumental. Cheio de quitutes deliciosos que não conhecíamos. Hafida, de véu para sair, sem véu na casa. Mounia e eu falamos em francês, Hafida e Mounia em árabe marroquino. E logo ali bem no começo da minha viagem, ainda que eu não soubesse totalmente, a sociedade marroquina começava se pintar. Um mundo de fortes contraste, de desigualdade de gênero e social. Desigualdade plastificada pela diferença de língua. Um mundo de mistérios e beleza desconcertante atrás das pesadas portas. Um mundo dividido entre religiosos e ´modernizadores´. Um mundo de enorme hospitalidade, amabilidade e controle social. Um mundo de forças antagônicas, mantido por um rei ,que todos dizem adorar, pendurado em todas as paredes.

ps: Mounia Dadi é artitsta plástica, com exposicões pelo mundo.
  • Mounia Dadi
  • terça-feira, novembro 20, 2007

    Mais uma Volta ao Sol


    Ontem foi meu aniversário. Eu não sou muito de ligar para as típicas celebrações. Nunca fui. Não fui a festa de formatura da escola, nem a da Universidade, nunca liguei para Natal, ou a festa de final de ano. No entanto, eu adoro fazer aniversário. É uma sensação estranha de ter dado mais uma volta ao sol desde o dia em que cheguei a terra.

    Ano novo, é legal, mas é muito artificial, é um ano do último ano, um negócio meio arbitrário.. Quando é ano novo das tradições que seguem as estações eu gosto mais. Ano novo Iraniano (assim como outros), por exemplo, começa na primavera... Não há como não me emocionar pensando em Perséfone que mais uma vez abandona Hades para voltar a terra... para florescer.

    Esse ano, passei meu aniversário em Salzburg. Um aniversário cheio de surpresas preparadas pelo Haiko. Incluindo um concerto na sala onde Mozart tocara no passado. Com um pianista fenomenal que tocou Mozart, Bethoven e Chopin sem partitura. Um final de semana cheio de pequenos detalhes, de graus que abaixavam enquanto a temperatura do chocolate quente subia.

    NO dia do meu aniversário, o dia nasceu lindo, o céu azul, a neve branca e esfarelada... Subimos a montanha, caminhei pela neve e sentei me num banco olhando os Alpes. Esperei ansiosamente a hora e o minuto do meu nascimento há 26 anos atrás. Olhando as montanhas, meditando, respirando, sentindo o sol na face, esperei. Quando o minuto chegou eu me emocionei. Emocionei-me como nunca de pensar que eu estava completando 26 voltas. Emocionei me em pensar que naquele minuto há 26 voltas atrás eu respirava o ar pela primeira vez. E é incrível o que a atenção nos permite sentir quando refletimos sobre as coisas mais banais. Senti um senso de justiça, de saber que não importa quem vc é, quão rico ou quão pobre... quão alegre ou quão triste, quão apressado, ou quão calmo.... só se dá uma volta ao sol por ano. E nesse minuto senti aquela sensação mais um vez, de forma mais intensa e mais consciente, a sensação de que a vida é um eterno recomeço.

    quarta-feira, novembro 07, 2007

    Au Revoir Parapluie


    Eu sei que faz tempo que eu não escrevo, e quando alguém me conta isso, eu me espanto em saber que alguém vem aqui de vez em quando ler. Aí eu me animo, e decido escrever, assim como eu me animo a voltar a compor quando me pedem para tocar aquela musica que eu compus há um tempão e já nem me lembro mais. Depois acabo achando que não tenho muito o que dizer e todo aquele entusiasmo se esvai.

    Nesse tempo que eu não escrevi, muitas coisas aconteceram, eu passei um mês no Marrocos, quando voltei fui para o hospital achando que estava com um tumor no cérebro (não é o caso), abandonei o hospital, e fui procurar religiões. Visitei templos hindus, budistas, ashrams, tentei fortemente controlar o meu ateísmo, meu ceticismo. Fui acolhida muito bem em todos esses lugares, em alguns me identifiquei, me senti em paz, mas foi na arte que eu encontrei aquela transcendência da realidade.

    Passei os últimos meses me dedicando as coisas belas. Fui ver inúmeros concertos, óperas , ballets , e apesar de ter me emocionado com cada um deles, nada me emocionou tanto como o espetáculo que assisti ontem.

    Assisti ontem, junto a um grupo de amigos, o espestáculo do James Thierée Au Revoir Parapluie. Ficamos todos encantados, cada um a sua maneira, provavelmente cada um mais fascinado com um aspecto em particular. No final transbordamos. Uns em palmas, outros em gritos e assovios, eu em lágrimas.

    Jogada naquele mundo onírico, sem muita preparação, mundo de anzóis e redes, peixes e outros seres me perdi. Como se o inconsciente do personagem principal viesse a tona, ou melhor como se mergulhássemos nas águas desse inconsciente e nadássemos junto ao personagem de James. Como se o acompanhássemos na busca do seu amor perdido. Uma busca carregada de música, ritmo, clownery e melancolia.

    Nesse mundo tudo se misturava continua e harmoniosamente, o teatro, a musica, o humor, cada cena praticamente pintada. No entanto, o aspecto que mais me encantou, foi o total controle do corpo. Aquele controle que vem de conhecer cada parte, cada músculo, cada articulação. E esse controle é visível durante todo o espetáculo. Visível quando os bailarinos estão pendurados numa corda se movimentando de maneira espetacular, desconcertante quando James, faz cada parte do seu corpo dançar ao ritmo de um radio quebrado, estonteante quando ele anda na lua. É visível na dança mágica da cadeira de balanço, e especialmente notável quando ele consegue representar materialmente o que é perder um grande amor. Num momento absolutamente mágico, engraçado mas acima de tudo plástico, o personagem de James, que acaba de perder seu amor, perde o coração pelo corpo. Nós na platéia assistimos num misto de riso e melancolia ao coração de James que se perde e chega a bater no joelho.

    E eu fiquei emocionada, muito emocionada, como eu sempre fico quando vejo a arte que transcende a realidade, que não tenta reproduzi-la. Emocionada de ver quem trabalha para criar pura beleza, um poema visual. Au Revor Parapluie, que quer dizer Adeus Guarda Chuva, termina espetácularmente. Termina com James sem guarda-chuva debaixo de uma tempestade de petecas e luzes (água e neve?), enquanto seu grande amor está deitado numa cama de cordas e coberta de vermelho.

    sexta-feira, julho 06, 2007

    The Pursuit of Happiness


    Ontem assisti ´The Pursuit of Happyness´, que em portugues eu acho que se chama ´Em busca da felicidade´ou qualquer coisa do tipo. Eu tinha ouvido falar que era um bom filme, não sei de quem e não sei quando. Bom, eu detestei o filme... são tantas as razões que fiquei debatendo se devia ou não escrever sobre ele. Em poucas linhas, o filme se diz baseado em fatos reais ( e quando um filme começa assim, ja se desconfia que deve ter sido muito ligeiramente...) sobre a vida de Chris Gardner. Alguém já tinha ouvido falar nesse homem ?? Pois é, imagino que não muitos, eu nunca havia ouvido falar nele, o que não é de se surpreender considerando que ele é de uma area que não me interessa muito. Enfim, ele nada mais é que um homem de classe média que acabou chegando a total pobreza, e dormindo em abrigos para depois virar um ´self made millionaire´ através de ´stockbrokerage ´. Só Hollywood mesmo, para fazer um épico de um milionário... Ainda se fosse um milionário que tivesse revolucionado alguma coisa, criado uma coisa incrível, mas não um cara que ficou rico com stockbrokerage...

    Assistindo o filme, eu me lembrei de uma aula de historia que eu tive quando ainda fazia universidade em NY. Nesta aula, o professor, que aliás é um dos melhores professores que eu já tive, perguntou aos alunos da classe quem era a pessoa que eles mais admiravam. Para minha total surpresa a resposta da maioria foi: Donald Trump!!. Meu professor e eu ficamos deprimidos, percebendo o estado de uma sociedade que admira meros acumuladores de dinheiro, não um filósofo, ou professor, matemático, artista, ninguém que tivesse produzido conhecimento, ou criado alguma coisa ou conhecido por defender alguma causa, não apenas um homem rico...

    E The Pursuit of Happyness (escrito errado de propósito) é um filme meio assim, que tenta fazer uma estória comovente de um homem que quer virar rico. Deixando isso de lado, pois de fato ninguém quer passar fome, e não ter dinheiro para pagar o aluguel, eu quero falar de um outro aspecto que me incomodou um pouco mais: The American Dream. Esse filme na verdade é um filme sobre o American Dream. Sobre o homem pobre que consegue superar todos os desafios para conquistar o seu sonho ( ser contratado pela firma...). Deixando de lado o sonho em si, o que eu acho mais problemático é que o filme tenta passar aquela velha idéia americana de que quem tenta realmente ( try hard enough) consegue, e de que quem nao conesegue é porque nao tentou o suficiente. E essa é a maior mentira que existe! É só observar os milhares de imigrantes chineses, africanos, sul-americanos etc que tentam, o dia todo, o tempo todo e não conseguem para ver quão estúpido é esse conceito.

    O problema é que essa mentira tem conseqüências mais graves. É ela que mantém o estado sem dar nenhuma assistência a seus cidadãos. Afinal de contas, quem quer consegue, e quem nao conseguiu é por que não quis o suficiente e isso não é problema meu! É usando esse tipo de Junk que o cidadão americano rejeita todos os programas sociais, e vive numa sociedade de individuos. ´The Pursuit of Happyness´, não intencionalmente, diz muito sobre os problemas da sociedade americana, onde a busca individual pela felicidade de um, em detrimento de muitos, é o sonho americano.

    sexta-feira, junho 29, 2007

    Sintomas de Uma Sociedade Doente

    Todo mundo deve estar sabendo do caso da Sirlei Dias Carvalho Pinto, mas para os que não sabem vou colocar aqui um pedacinho da noticia...

    A empregada doméstica Sirlei Dias Carvalho Pinto, 32, foi espancada e roubada na madrugada de domingo (24) por cinco jovens na zona oeste do Rio de Janeiro. Os suspeitos são moradores de condomínios de classe alta na Barra da Tijuca, também na zona oeste. Três deles foram presos e dois continuam foragidos.

    Sirlei relatou à polícia que estava em um ponto de ônibus da avenida Lúcio Costa, na Barra, perto do apartamento onde trabalha e mora, por volta das 4h30 --ela tinha saído cedo para ir a uma consulta médica--, quando cinco rapazes desceram de um Gol preto.

    Os jovens começaram a xingá-la, arrancaram a sua bolsa e começaram a chutá-la na cabeça e na barriga. A agressão foi testemunhada por um taxista que passava pelo local.

    Eles também são acusados de ter levado pertences de Sirlei, como o telefone celular e a carteira, que tinha R$ 47.
    Após a agressão, Sirlei Pinto conta que foi até a casa onde trabalha e pediu socorro.

    noticia "completa"
    http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u306939.shtml


    Desde que a notícia apareceu eu tenho ficado a cada dia mais chocada. Primeiro foi a notícia em si que já é revoltante, depois o pai de um dos meninos que disse que eles não deviam ser presos pois eram universitários. Em seguida, veio um dos acusados dizendo como justificativa?!! que eles tinham achado que Sirlei era uma ´vagabunda´. Num dos comentários à notícia li o comentário de um homem que tentava explicar o caso no seguinte prisma: a classe média vive com medo, os pais com medo de assalto, de violência e não é de se surpreender que esse medo encubado acabe levando jovens de classe alta a agir violentamente. Por fim, acabo de ler no Orkut que há uma pesquisa sendo feita para descobrir ser foi ´vacilo´ da própria Sirlei pois de acordo com a fonte era sabido que o ponto era freqüentado por prostitutas.

    Então está aí a gama de razões que me levam a escrever aqui. O caso em si, já é um absurdo mas essa enxurrada de justificativas, para mim, são ainda mais preocupantes. São os sintomas de uma sociedade perdida, de pelo menos uma parte da sociedade doente. Eu estou acostumada, e exausta de ouvir gente culpar a vítima pela sua situação. E por isso vou tentar escrever um pouco sobre cada uma dessas assertivas. Começando pelo pai do rapaz.

    O pai do rapaz, que acha que é um absurdo o filho ir para a cadeia é realmente muito preocupante. É claro, que eu sei que a maioria dos pais diria qualquer coisa para evitar que o filho fosse para cadeia, especialmente a brasileira que esta longe de ser um centro de re-educação. O problema é como ele da voz a isso. E eu acho que ele dá voz de uma maneira que diz muito sobre a nossa sociedade... infelizmente. Para ele, o fato do filho ser estudante, e no Brasil conseqüentemente alguém que pode estudar aos 20 anos é de certa forma um privilegiado, o transforma num superhomem, no sentido nietzchiano da coisa, um ubermensch, acima do bem e do mal. Acima da lei, e das normas, assim como se sentem muitos da classe média alta do Brasil.

    Quando um dos meninos, e eu não sei qual, tentou se justificar dizendo que eles tinham batido na mulher pois achavam que era ela uma ´vagabunda´ eu senti raiva. Além de ser um comentário machista e discriminatório exatamente o que significa isso? Significa que nós vivemos numa sociedade que sim acredita que mulheres que são prostitutas, ou que exploram sua sexualidade são consideradas POR MUITOS como cidadãs de segunda classe. No caso extremo desse infeliz, digna de ser violentada. E de acordo com ele legítimamente. O problema para esse menino, não era que ele tinha espancado uma pessoa, mas que era a pessoa errada.

    Quanto ao homem que tenta justificar dizendo ´a classe média vive com medo, os pais com medo de assalto, de violência e não é de se surpreender que esse medo encubado acabe levando jovens a ser violentos.´O que eu acho interessante nesse caso, é que a única violência que ele compreende é a exercida pela classe alta. A dos jovens marginalizados da sociedade é vista como a causa para reação dos jovens da classe alta. A violência da desigualdade em si para ele não faz a menor diferença. E eu tenho que pensar em Gandhi dizendo ´não há maior violência do que a miséria.´

    Quanto ao Orkut, no fim , ele só materializa as conversas de rua. E ficamos alguns de nós aqui tentando defender como eu ja escrevi lá que esse é o típico comportamento é revoltante!!
    Culpar a vítima pela sua posição de vítima é doente! Não aguento mais gente que tenta arrumar justificativas para culpar o ofendido! E isso é super comum... quem sofre discriminação e toma alguma atitude é considerado racista, mulher que é estuprada e que tem que responder a um milhão de perguntas como se a responsabilidade de ser violentada fosse dela, país que está ocupado e que tem explicar que ficaria bem sem tropas ocupantes ...etc São nesses exemplos que fica clara a total inversão de valores!

    E a doença não acaba por aí, até quando muitos concordam que esse caso é um absurdo suas reações são igualmente estranhas. Tem que quer que os meninos sejam espancados, violentados, mortos etc. Isso também é sintoma de sociedade doente. Prisão devia ser para re-educar. Chega de querer punir abuso como outro tipo de abuso. Enquanto nós continuarmos pensando nesses termos continuaremos vivendo numa sociedade doente.

    quarta-feira, junho 27, 2007

    Para lá de Marakesh ...

    Koutiubia Mosque


    Finalmente vou conhecer o Marrocos. Se tem um país que faz tempo que eu estou para visitar é o Marrocos. Ontem, compramos nossas passagens para passar 20 dias neste pequeno ( mas nem tanto) reino ao Norte da África. O meu fascínio pelo Marrocos deve ter começado quando eu aprendi a tocar Qualquer Coisa do Caetano. Foi a primeira música que eu gostava mesmo que eu aprendi. Quem já fez aula de música deve saber ao que eu me refiro. Você querendo sair tocando tudo, e o coitado do professor insistindo nas escalas e no cai cai balão, meu limão meu limoeiro e afins. Na verdade mesmo, eu ouvi Qualquer Coisa, num show do Caetano com o Gil, no Palace em São Paulo... primeiro show que eu fui... devia ter uns 11 anos. Naquela época eu não sabia muito bem o que era ficar para lá de Marrakesh, e nem tampouco Tehran. E quem diria que muitos anos depois eu faria faculdade em NY e acabaria estabelecendo forte relações com uma Iraniana, e 3 Marroquinos ??

    Fazer faculdade fora e morar on-campus acaba sempre assim fazendo um ter amigos espalhados pelo mundo. Deixando a Iraniana Sara para um outro post, falarei um pouquinho dos 3 marroquinos que hoje são parte da família que eu escolhi. Leila, Mounia e Mustapha.

    Primeiro conheci a Mounia, amiga de um amigo meu, uma mulher linda, talentosa, que tudo que fazia, fazia bem. Ela me apresentou a Leila com quem acabei indo morar, e no fim fui trabalhar para o Mustapha, meu professor de post-colonialism e lingüista. Com os três aprendi e vivi num mundo de sociologia, arte, música, fotografia, post-colonialism, antropologia e pintura. Mustapha, é um homem absolutamente fenomenal, que faz as pessoas que estão a sua volta mais conscientes dos seus próprios discursos. Um homem que muda as pessoas. Muda para melhor. Um professor que se importa em saber tudo que os alunos pensam. Um patrão que busca dar o melhor ao seus empregados. Um pai e marido que envolve a mulher e filhos em tudo na sua vida. Leila também era assim, preocupada com o mundo. Brava, séria e absolutamente generosa.

    E agora finalmente vou ver de onde eles vem. Que lugar os tornou tão generosos. Que lugar os fez tão conscientes . Vou ver o mundo de Fatema Mernissi. O mundo dos Berbers, de alguns Tuareg. O mundo de Fès, Casablanca e Rabat. Finalmente eu vou para lá de Marrakesh e o papo não vai ser qualquer coisa...

    terça-feira, junho 26, 2007

    Chimpanzés são capazes de ato generoso, diz estudo


    Enrique Marcarian - 15.fev.2006/Reuters






    Chimpanzé come amendoins em zoológico da Argentina



    Eu adoro primatas! Dentre eles, gosto principalmentes dos ´Apes´ ( Gorilas, Chimpanzés, Gibons, Bonobos e Orangutangos). Por isso quando vi hoje uma notícia na folha sobre os chimpanzés não tive dúvida em abri-la. Quando me deparei com o artigo sobre chimpanzés e altruísmo fiquei duplamente emocionada. E como essas conexões no cérebro acontecem meio inesperadamente, eu vou tentar explicar o porque da minha dupla emoção.

    Eu conheci o Haiko, meu marido, na Holanda há alguns anos. Eu tinha ido para estudar no país dele e ele estava de viagem marcada para fazer um estágio no Max Planck Institute em Leipzig, na Alemanha. Por isso assim que começamos a namorar passei a pegar o trem quase todo mes para ir a Leipzig.

    Apesar do Haiko ter ido para Alemanha para trabalhar no departamento de neurociencia e psicologia, era a parte de primatologia do instituto que nos fascinava. Por isso, numa das minhas estadias na cidade alemã, Haiko conseguiu organizar uma visita ao zoológico de Leipzig com um dos pesquisadores do Max Planck. O passeio foi ótimo, Keith ( o pesquisador) nos contou sobre os estudos, contou casos engraçados, dramáticos , e falou extensivamente sobre um estudo que o laboratório estava fazendo sobre altruísmo.

    Hoje quando abri o jornal, logo vi que o estudo a que a Folha se referia era aquele, daquele instituto, que eu e o Haiko tínhamos visitado. Vi que o artigo falava sobre os chimpanzés que conhecemos até por nome! Me lembrei na hora do Keith, pesquisador Canadense, nos levando pelo zoológico e discursando muito empolgado sobre o estudo. E é claro, fiquei superemocionada. Enquanto eu ia lendo, ia pensando nossa engraçado parecido com o de Leipzig, nossa muito parecido, nossa é o de Leipzig...

    O estudo era basicamente... bom em vez de tentar resumir vou copiar aqui uma parte do artigo :

    Nos últimos anos, primatologistas têm observado aqui e ali evidências de altruísmo genuíno também entre os chimpanzés. Para tirar a teima, o grupo do Max Planck, liderado por Felix Warneken, bolou três experimentos bem criativos.
    No primeiro, 36 chimpanzés e 36 bebês viam um humano desconhecido ter um objeto roubado por outro humano e colocado atrás de uma grade, ao alcance do altruísta em potencial. Mesmo sem ganhar nenhuma recompensa, bebês e macacos pareciam se apiedar do estranho ao vê-lo tentando pegar o bibelô e, na maioria das vezes, alcançavam-no para ele.
    No segundo experimento, barreiras eram colocadas para dificultar o acesso ao objeto, criando, assim, um "custo" para o ato generoso. Mesmo assim, a boa ação era praticada.
    Mas o terceiro experimento, feito só com chimpanzés, foi a prova dos noves: um macaco precisava abrir uma porta para que outro, sem nenhum parentesco, pudesse entrar numa jaula em busca de comida.
    Mesmo sabendo que não iam ganhar nada, 80% dos animais ajudavam. "O resultado do experimento três surpreendeu até a mim, o maior crente em empatia e altruísmo entre os primatas", escreveu Frans De Waal, da Universidade Emory (EUA), famoso por seus estudos com chimpanzés.
    Conclusão de Warneken e colegas: "As raízes do altruísmo humano podem ser mais profundas do que se imaginava, chegando até o ancestral comum entre humanos e chimpanzés".

    Bom, agora o porque da segunda emoção?? Porque eu como ateia fico feliz , muito feliz quando vejo altruísmo acontecendo fora do âmbito humano. Estudos como esse dão mais suporte aos que como eu acreditam que altruísmo, generosidade, senso de justiça precedem religiosidade e como esse estudo parece indicar... até mesmo humanidade.

    quarta-feira, junho 20, 2007

    As sombras da romãzeira

    Acabei ontem de ler As sombras da romãzeira que é o primeiro livro do Quinteto Islâmico de Tariq Ali. Acabei meio sentindo uma apunhalada no estômago, não sei de quem, nem sei porque. O livro é sobre uma família muçulmana ( e isso para ser tão redutor) tentando sobreviver na Espanha depois da queda de Granada. Um livro sobre um pouco da história islâmica e da reconquista cristã durante o reinado dos reis católicos da Espanha. Um romance, mas desses que me fazem pensar em Jean Rouch. E eu explico porque...

    Meu primeiro contato com Jean Rouch, antropólogo e cineasta conhecido pelo cinema vérité (cinema verdade), foi numa aula de filme etnográfico. Assisti Chronique d'un été , projeto de Rouch com o sociólogo Edgar Morin e filmado em 1960 na França, numa das minhas primeiras aulas. O filme começa com uma discussão entre Morin e Rouch para descobrir se era possível ou não atuar sinceramente na frente de uma câmera. Para explorar esse tema, eles pedem para pessoas, que eles encontram no meio das ruas de Paris, discutirem temas sobre a sociedade francesa e felicidade enquanto são filmadas. Como é de se esperar, assim que elas começam a falar para câmera, elas se transformam. O final do filme é brilhante pois Morin e Rouch reúnem todas essas pessoas para se assistirem. A cena é bárbara pois muitas delas não concordam com suas imagens e fica claro que se transformaram em personagens. Um outro filme que assistimos que me tocou muito foi Pyramide Humaine, mas dedicarei um tópico inteiro a esse filme.

    Depois de assistir a alguns filmes de Rouch, na época, resolvi fazer uma pesquisa sobre o cineasta. Lembro-me de encontrar uma entrevista onde ele contava como começou esse interesse que o levou ao cinéma vérité. Rouch contou, que quando era criança tinha sido levado para assistir Nanook of the North (documentário do Flaherty de 1922 sobre os Inuit ) e que tinha ficado encantado com o filme, com a vida dos Inuit, que saiu do cinema fascinado. Um pouco depois foi levado por sua mãe a assistir Robin Hood (1927). Durante o filme, no entanto, ele começou a chorar. Quando a mãe perguntou porque ele chorava, ele explicou que era porque muitas pessoas estavam morrendo e ele estava triste. A mãe, imagino que tenha achado engraçado, explicou que aquilo era um filme, e que não era verdade, que eram atores e que as mortes eram de ´mentirinha´. Para surpresa da mãe, diante dessa explicação, o pequeno Rouch começou a chorar mais. Chorava pois se era tudo mentira então todos aqueles Inuit também eram! A mãe, explicou que não, que o Nanook era um documentário, ou seja, era verdadeiro, e que o Robin Hood era ficção. Foi aí, segundo Rouch, que ele decidiu que ele ia dedicar a vida para descobrir quão mentira era um documentário e quão verdade uma ficção.

    E foi assim que eu me senti lendo as agruras da familia de Umar. Transportada a um outro mundo. Um mundo de ficção mas desses que dizem mais sobre realidade, do que o dia a dia.

    quinta-feira, junho 14, 2007

    Equivalente ao Centro de Bombay em Marte ?




    Haiko, meu marido, é neurocientista cognitivo e trabalha/estuda desenvolvimento cerebral dos bebês. Um desses dias, o Haiko me contou de uma conversa entre um colega dele chamado Caspar e um outro rapaz que não entendia porque muitas pessoas achavam bebês interessantes. O rapaz disse que quem acha bebê interessante deveria sair mais de casa. Segundo ele, oque é interessante é a possibilidade de vida em Marte não uma ´coisa´ que baba muito, chora e faz cocô na calça o tempo todo.

    A esta frase frase veio a resposta de Caspar, que me pareceu muito interessante e por isso a reproduzo aqui.

    ´Bebês tem que ser uma das coisas mais interessantes que existem. Alguns mínimos micróbios em Marte podem nos interessar por um tempo, mas pessoas são muito mais interessantes, e todos nós começamos a vida como bebês. Nós chegamos sem nenhum idéia sobre nada e temos que passar uma vida inteira aprendendo sobre o mundo. O processo continua pela vida inteira, mas é mais intenso no primeiro ano e pouco de vida. E o que se aprende nesse começo é a base para tudo que se aprende depois. Antes de aprender as coisas mais óbvias que nõs todos nem percebemos o valor, temos que nos familiarizar com alguns princípios sofisticados e sutis. Por exemplo : gravidade, solidez e a continuidade no tempo dos objetos, sentido de ´self´, alguma perspectiva das relacões com ´outros´, do que se trata linguagem etc..

    E eles não são apenas pequena calculadoras experimentando o mundo para descobrir como e por quê o mundo funciona. Eles tem que aprender em meio a um labirinto de confusão. Dizem que a experiência de ser bebê é muitas vezes comparada a uma forte viagem de ácido. Eu acho que essa comparação não deve estar muito longe da verdade. É é uma viagem que não para e onde não se tem nenhuma concepção do que é a realidade. Imagine ser drogado com ácido e ser jogado no equivalente do centro de Bombay em Marte.

    Usando um exemplo da minha pesquisa. Eu estou tentando descobrir as origens da formação de conceitos na infância. Como os bebês aprendem a econtrar padrões e regularidades no mundo. Todos esses pequenos animais peludos são cachorros, esses outros são gatos, esse especificamente é o Spot, aquele é o Felix, e todos juntos coletivamente são animais de estimação. E eles também são mamíferos, animais, que voce pode encontrar na sua casa ou num desenho animado. Mas o que todos os cachorros têm em comum? Nem adultos podem responder a isso direito. Há algumas características comuns (como pelo, rabo, nariz preto e brilhante) mas muitas dessas características são comuns com muitos outros tipos de coisas, e nem estão sempre presentes ao mesmo tempo. Na maior parte do tempo nós simplesmente sabemos quando vemos um e fazemos isso sem nenhum esforço. É precisamente por causa de todo esse aprendizado que fizemos naquele primeiro ano e meio de vida: qualificanto, classificando, dando sentido ao mundo.

    E depois temos que aprender a classificar as pessoas, comidas, brinquedos, móveis, veículos, emoções, relações abstratas. E tudo isso enquanto estamos tentando aprender a primeira lingua. Nossa! É muito complicado ser um bebê. Não me surpreende que eles comecem a chorar de vez em quando!´

    quarta-feira, junho 13, 2007

    Hipótese

    "A vida, Senhor Visconde, é um pisca-pisca. A gente nasce, isto é, começa a piscar. Quem pára de piscar, chegou ao fim, morreu. Piscar é abrir e fechar os olhos - viver é isso. É um dorme e acorda, dorme e acorda, até que dorme e não acorda mais. [...] A vida das gentes neste mundo, senhor sabugo, é isso. Um rosário de piscados. Cada pisco é um dia.

    Pisca e mama;

    pisca e brinca;

    pisca e estuda;

    pisca e ama;

    pisca e cria filhos;

    pisca e geme os reumatismos;

    por fim pisca pela última vez e morre.

    - E depois que morre? - perguntou o Visconde.

    - Depois que morre, vira hipótese. É ou não é? "

    (Monteiro Lobato- Memórias da Emília)

    terça-feira, junho 12, 2007

    Xala

    Reli esses dias o livro Xala do escritor Senegalês Ousmane Sembene. Nascido em 1923 em Casamance, sul do Senegal, Ousmane Sembene, é considerado um dos mais engenhosos escritores Africanos e o "pai do cinema africano".

    .
    Ousmane Sembene.




    Xala é uma feroz e hilária sátira a moderna Burguesia Africana. Abandonando a comum e politicamente aceitável critica a exploração européia Sembene toca num assunto mais polêmico: a reação negra as medidas coloniais depois da "concedida" independência.

    O herói do livro é um ocidentalizado e bem sucedido homem de negócios senegalês que de repente "pega Xala,"uma antiga maldição Senegalesa que causa impotência. A sua inútil procura por uma cura se torna uma metáfora da impossibilidade dos africanos de conseguirem libertação através da dependência da tecnologia ocidental e estruturas burocráticas.

    O livro tem descrições fantásticas e deixa clara a inconsistência de um sistema que se constrói das sobras de um governo colonial. A sociedade Senegalesa de Sembene se estrutura sobre uma ilusão de independência. Nesta sociedade não se consegue sustentar a diferença de culturas. El Hadji, o herói (ou anti-herói) , lida com essa dualidade através da constante escolha do que lhe serve.

    quinta-feira, junho 07, 2007

    Resistência

    'I want all British troops withdrawn from Iraq now' (postcard)
    ´The lowest form of resistance is to survive´

    Haifa Zangana, nocauteou muitos com essa frase. Haifa, autora iraquiana torturada durante o regime de Saddam, era uma das palestrante que falou nessa segunda feira, aqui em Londres contra a ocupação do Iraque.

    Ao ser perguntada se não seria pior a total retirada das tropas, Haifa transbordou com voz que ganhava mais força a cada palavra.

    ´Essa pergunta é racista! Eu sei que ela vem da preocupação de alguns, do sentimento de culpa, e por isso eu respondo, eu tento responder, mas essa pergunta é racista! Nós iraquianos vivemos juntos a centenas de anos. Sunita, Xiita, Curdos, nós já vivíamos juntos muito antes de vocês virem nos ´liberar´, muito antes de vocês virem dividir e colonizar, muito antes de enfatizarem sectarismos! Nós não precisamos dessas tropas! As coisas estão piores a cada dia! Vão embora! Enquanto vocês nos ocuparem haverá resistência!´

    Zangana, junto com Dahr Jamail respondeu durante duas horas perguntas da apresentadora e dos ouvintes. Falaram da realidade de quem vive em Bagdá. Da dificuldade que é de se comunicar afinal com apenas 1 hora de eletricidade por dia, TV, Internet não estão nas prioridades. Falou das dezenas de horas que se passa na fila para conseguir um pouquinho de gasolina, nos carros que explodem todos os dias, nos death squads treinados pelo EUA, no 1 milhão de iraquianos mortos, nos médicos que não podem atender ninguem, nos refugiados, no grave risco que se corre todos os dias ao sair na ruas.

    ´E nós saímos, pois temos que continuar a nossa vida. Sobreviver é uma luta diária. And in a sense the lowest form of resistence is to survive!´

    sábado, junho 02, 2007

    Hometown Baghdad

    Eu sei que somos todos os mesmos. Você sabe que com algumas variações culturais somos os mesmos. Sabe-se que o nosso cérebro não mudou muito em milhares de anos. Sabemos que temos a habilidade de sentir as mesmas coisas. Sei que a variação de língua e de cultura produz alguma diferença, predominantemente, no entanto, somos todos iguais. Eu sei disso, o cientista sabe disso, o antropólogo, o psicólogo, então porque será que assistir a uma série de vídeos colocada no ar pelo Hometown Baghdad me deixa sem fôlego ?? Talvez seja porque grande parte da mídia, e dos políticos insistam em agir como se fôssemos muito diferentes. Tratando o mundo e as pessoas, como algum sócio-evolucionista, um Spencer do passado, como se houvesse uma hierarquia de sociedades.

    E é assim que assistindo Hometown Baghdad eu vou ficando sem fôlego. Assistindo a vida de 3 Iraquianos como eu ou você, vivendo nas dura realidade atual do Iraque. Foi colocado no ar não sei por quem, e nem sei como, o que sei é que uma série de pequenos vídeos de aproximadamente 2 minutos sobre a vida de 3 meninos em Baghdad. Os videos, são do dia a dia, a vida de 3 pessoas no Iraque. Como é de se esperar há alguns vídeos dramáticos. Irônicamente, no entanto, os que me deixam mais tocada, são os vídeos das coisas simples, que aliás no Iraque agora, nunca são tão simples assim.

    Quem quiser assistir segue o link:

    http://www.hometownbaghdad.com/

    quarta-feira, maio 30, 2007

    Escolhas

    Eu sempre acho complicado falar sobre escolhas. Na eterna disputa para saber se a mulher é mais livre no ocidente do que no oriente. se o religioso é mais livre que o secular, se o disciplinado é mais do que o instintivo sempre fico na dúvida. Há níveis, é claro há níveis. E é fácil falar em liberdade de escolha sem abordar as conseqüências que essa livre escolha traz a alguém. Do que eu quero falar no entanto é sobre uma coisa que eu sempre achei que acontecia e se desmoronou ontem.

    Conheci ontem Ismail, um Somaliano de 22 anos, enquanto estava trabalhando na Universidade. Falava como britânico mas mesmo assim perguntei de onde ele era. Contou me que tinha vindo da Somália. Perguntei se isso tinha acontecido antes do colapso do governo em 92, e ele se surpreendeu com a minha pergunta. Se surpreendeu explicou ele, pois quase ninguém sabe nada sobre a Somália. Expliquei a ele que me interessava por esses tópicos e soltei uma enxurrada de pergunta que fez ele me perguntar se eu era antropóloga. Sorri surpresa e ele me explicou que se interessava por esses assuntos.

    Falamos de clãs, de etnias, de guerra, da Somalilandia, de como ele se sente ligado ou não a cultura que deixou para trás. Sobre sua familia. Sobre o que ele achava difícil. E foi aí que veio a frase que me arrebatou. ´O que eu acho difícil mesmo´ disse ele ´é conviver com a minha irmã que resolveu usar o Niqab´. A frase me espantou. Em nenhum minuto eu tinha pensado que ele era religioso ou de família religiosa. Essa foi minha próxima pergunta ao que ele respondeu. ´Não acho religião uma droga!´ Insisti para perguntar se a mãe ou o pai era muçulmanos seguidores. ´Não, meu pai mora na Ethiopia tem sua ligações com o clã. Minha mãe só importa com a tribo dela... ele tem origens muçulmanas mas não muito religiosos. A minha irmã, no entanto, resolveu se vestir de Ninja!´.

    Eu fiquei chocada. Sem palavras todas as vezes que eu tentava entender alguém que escolhe usar o véu, isso vinha combinado na minha mente de uma imagem de família religiosa, de um meio religioso, de uma coerção e coesão social. Nunca assim no meio do nada. Perguntei a Ismail o que ele achava do véu e ele não foi menos direto. ´Eu acho um lixo. Sinceramente, eu odeio. Odeio pois não vejo a cara da minha irmã fora de casa. Não entendo o que ela fala. E o que eu acho o mais injusto de tudo é que ela vê tudo e eu não posso vê-la. De uma certa maneira ela rouba a minha escolha, a minha liberdade de vê-la!´

    Fiquei tão surpresa que não soube o que dizer. Comentei com ele que nesse caso de fato essa era uma escolha dela. Diferente de outras que são obrigadas por todos os tipos de mecanismo sociais essa mulher de fato escolheu e sua escolha estava tendo conseqüências na sua vida familiar. Para mim, no entanto, a escolha dessa moça é ainda mais um mistério.

    quinta-feira, maio 24, 2007

    Mundos

    Esses dias tive que ir a uma entrevista para obter meu National Insurance Number. A entrevista foi num lugar que eu nunca tinha ido antes. O dia estava lindo e quente. Na minha mala eu carregava ´Clash of Fundamentalisms´do Tariq Ali. Livro sobre a perspectiva histórica do conflito entre fundamentalismo Islâmico e Ocidental. Carregava esse livro e estava vestida de blusa decotada vermelha quando de repente, sem perceber, eu entrei num outro mundo.

    Entrei numa rua não muito grande onde só se via muçulmanos. Mulheres de todos os tipos de véu. Shayla, Chador, Khimar.. Contei 13 mulheres de Niqab, e até vi uma mulher de Burqa (Niqab o olho fica de fora, a Burqa era daquelas do Afeganistão, completamente cobertas). Os homens também estavam vestidos tradicionalmente com aqueles chapeuzinhos, se eu nao me engano chamado Kufi. Tunicas ( Djellabas ??) brancas, barbas compridas, as vezes brancas as vezes negras.

    Me senti inapropriada, mal trajada, quase nua. Nem se quer compreendi como é que eu tinha mudado de mundo tão rapidamente. Mais uma vez ponderei sobre o encontro de culturas, construção de identidade, sobre liberdade, sobre religião, enfim sobre tantas questões sem respostas.

    Fiz minha entrevista e sai procurando o jeito de voltar para casa. Perdida pedi ajuda a uma mulher toda coberta. Ela não falava inglês mas tentou me ajudar. Explicou em poucas, e quebradas palavras que estava indo na direção que eu precisava ir para pegar um ônibus ao centro ou o metro. Não compreendi se era para segui-la, ou não, agradeci , e me afastei com medo que talvez ela não pudesse estar tão próxima de mim. Em seguida, me envergonhei desse pensamento, pois ela olhou para trás espantada que eu não estava ao lado dela. Cedeu lugar ao seu lado.

    Caminhei ao lado dela, um turbilhão de pensamentos, de perguntas, de emoções. Queria tanto saber um pouco sobre o mundo dela. Não sabia direito, se estávamos no mesmo, ou em mundos diferentes. Mas tinha certeza que a língua nos separava, e língua é um mundo em si. Ainda assim, não resisti e perguntei de onde ela era. Não me compreendeu, e começou falar alto numa língua que eu não entendia. Só então percebi que ela estava seguindo um homem, seu marido, que estava alguns metros na frente. Ele olhou para trás um pouco espantado ao me ver, enquanto ela provavelmente explicava que eu estava perdida. ´Ah! Eu te mostro o caminho´.

    Caminhamos Juntos. Orgulhoso, mostrou- me seus filhos. Uma menina sentada no carrinho de bebê que a mãe empurrava, e o menino que estava segurando a mão dele. O menino era grande, de olhos bem negros, cílios muito longos, muito quieto. Perguntei quantos anos ele tinha, e o homem me respondeu que quase 4. Fiquei espantada, pois ele parecia mais velho, comentei com o pai e ele abriu um enorme sorriso.

    Chegando na avenida principal, no ponto de ônibus , agradeci a ajuda e me despedi. Entrei no ônibus, e quando olhei mais uma vez para trás, senti enorme simpatia por aquela família. Pensei na vontade que eu tive de ´libertar´ aquela mulher e menininha dos véus que as cobriam quando as vi pela primeira vez. Dessa vez, quando olhei para trás, apesar de ainda não compreender totalmente, pensei numa outra coisa. Pensei nos índios, nos Nambikwara, nos Tupi, nos Aborígenes, nos Maori... Pensei que eles tão pouco deviam compreender o uso de ternos em lugares tropicais. Imaginei uma mulher indígena achando violento colocar um criança de 4 anos sentada numa sala de aula. Imaginei essa mesma mulher olhando para qualquer criança ocidental e querendo ´liberta-la.´ E pela primeira vez nossos mundos pareceram menos distantes.

    quarta-feira, maio 02, 2007

    Faz tempo, tempo que eu não escrevo, as vezes de fato é por falta de tempo , mas na maioria das vezes por falta dessas outras coisas que não faltam nunca... Os dias tem estado lindos, tenho ido muito ao parque, e há uma pequena revoluçãozinha acontecendo dentro de mim.. pequena, mais para uma evoluçãozinha, eu espero, pois revoluções são quase sempre desastrosas.

    Marcelo esteve aqui uma dessas semanas e foi bom, muito bom reve-lo. Marcelo, meu professor, que acidentalmente me levou para antropologia... agora intencionalmente me encoraja a voltar a musica. E eu que há tempos já não transbordo mais em harmonia e melodia me vi tentando compor uma pequena canção (desnaturada´?) para a chegada dele.

    Marcelo, antropólogo, filmaker, compositor, inspirador e amigo me mandou um livro de fotografias (fotos dele) dos meninos do Senegal, um projeto bonito intitulado ´BrasilSenegal, regards croisés´. Um presente de casamento com uma dedicatória que despertou isso dentro de mim, que me leva agora a esse pequeno tumulto. Falava sobre o publico e o privado, e celebrava o meu casamento no privado, pedindo a minha volta ao publico...na música. Eu li, me tocou, ali na minha segunda festa de casamento, na Holanda, diante da minha amiga Mounia, que veio do Marrocos passando por Paris e trazendo o livro, fiquei meio sem palavras... ela ainda cantarolou uma das minhas velhas canções... e eu fiquei sem palavras.

    Semana passada, Marcelo esteve aqui, passamos um dia em Londres, conversando, me contou dos projetos de seus filmes, o do regards croisés´ e o do filme sobre o Levi-Strauss, e no meio desses projetos fascinantes me fez um convite... que eu escrevesse a trilha do seu próximo filme. Eu fiquei perplexa, meio sem saber o que dizer, meio sem saber como fazer, meio sem saber se sei fazer... perplexa, emocionada, e de certa forma legitimada.

    E foi ai que o pequeno tumulto começou, comecei a tocar um pouco mais, encontrar outros músicos, e sentir vontade de compor... Para o meu afastamento da música eu sempre citava o Baleiro ´meu tesouro é uma viola que a felicidade oculta´... mas dia desses um amigo retrucou que o desaparecimento dela ( a viola) é em si motivo de tristeza...

    quinta-feira, março 29, 2007

    Jelka

    Assisti ontem um documentário muito interessante sobre o fim da Iugoslávia. Eu já tinha lido muitas vezes a respeito, visto filmes, tido aulas afinal essa guerra no quintal da Europa foi muito falada. Ontem, no entanto, quando assisti o documentário com depoimentos do Milosevic, e de todos os outros lideres das 6 ex- províncias, tive uma sensação diferente, pude imaginar aquilo tudo um pouco melhor. Vendo aquelas imagens, aqueles depoimentos, a manipulação das pessoas, toda aquela loucura pensei na Vesna, na Jelka e na minha viagem não programada a Croácia. O mais engraçado foi perceber que eu voltei a escrever este blog para falar dessa visita e até hoje não tinha tocado nela.

    Eu não vou ser tão linear no relato da viagem. Basta dizer que fui visitar minha amiga Vesna em Ljubljana e que de lá ela me levou para conhecer a Republika Hrvatska, também conhecida como Croácia. A Vesna é uma das pessoas que a familia ficou dividida entre dois países. A familia da mãe é eslovena enquanto a do pai é croata. Essa divisão sempre existiu, ela me explicou, pois apesar da Iugoslávia ter sido considerada como um país ela era formada por 6 províncias com línguas, e culturas distintas. Iugoslávia, eu aprendi, quer dizer terra dos países eslavos do sul.

    A Eslovênia sempre teve mais liberdade do que todas as outras províncias. Por históricamente ter sido parte do Imperio Austro-Húngaro, a Eslovênia tinha laços fortes com muitos dos países ocidentais vizinhos, por isso mesmo durante o socialismo, o eslovenos tinham direito de cruzar para o ocidente. A Vesna, que a familia é de Nova Gorica, na fronteira da Italia ia para la freqüentemente, visitar parentes, o fator que limitava outras viagens era naturalmente econômico. De certa forma, ela me explicou, tinha mais liberdade que os dois lados, pois ela podia viajar para o ocidente e o oriente. Apesar de eu ter aprendido coisas muito fascinantes sobre a eslovenia, eu vou deixar para um outro post e pular para a casa da Jelka.

    Cruzamos de trem de Ljubljana para Zagreb, e como a Eslovênia é agora membro da UE e a Croácia não é, havia muitos policias checando passaporte. De Zagreb pegamos um onibus para chegar a Stankovic na Dalmácia, cidade minúscula, onde Jelka, tia da Vesna, morava. A viagem de Zagreb a Stankovic foi muito mais longa que a de Ljubljana a Zagreb. Passamos por lugares lindos, e por vilarejos pequenos, num deles o onibus parou no meio da rua principal e única, e descemos.

    Do lado de fora estava uma mulher alta, de cabelos negros, roupas velhas, que ao nos ver veio rápido nos abraçou, me deu muitos beijos no rosto, e disse um monte de coisas gentis em croata, que me foram traduzidas assim como tudo que aconteceu dai para frente. Pela primeira vez na minha vida eu estava imersa num mundo onde eu não compreendia a língua e onde ninguém falava nenhuma língua que eu falo. O meu passaporte para esse mundo eram os meus sentidos, e a Vesna.

    Jelka nos levou para casa, uma casa simples de dois andares, que ela chamou de fazenda, que saia da rua principal assim como todas as outras dúzia de casas. Uma vilarejo menor do que Macondo, que se via o final logo do começo. Nessa fazenda, que para mim mais pareceu uma casa com terreno pequeno Jelka planta tudo que come, faz seu próprio azeite, e vinho, e todo o resto. Mora sozinha, os filhos numa cidade vizinha, vinham visitar nos finais de semana. E depois da guerra quando os Sérvios prenderam seu marido que era violento e filhos Jelka decidiu morar sozinha. Entrei na casa e ela tinha preparado uma refeição imensa. Não comeu. Insistiu para que comêssemos. Me contou pela Vesna que estava muito feliz em ter uma brasileira na casa dela, que ela nunca tinha viajado, que viajava pela televisão. Que o Brasil era lindo. De repente começou a cantar, canções folclóricas. O fogão aquecia a cozinha, Jelka cantava, não se ouvia nenhum ruído do lado de fora.

    Os dias que se seguiram foram emocionantes, e eu ainda vou escrever sobre eles, sobre a generosidade de Jelka mas ontem ao assistir o fim da Iugoslávia e os Sérvios invadindo a parte da Croácia que eu visitei queimando e destruindo casas, proclamando uma pequena Sérvia eu entendi um pouco mais a grandeza de Jelka. Quando me contou sobre essa guerra me disse: ´Não é justo condenar os Sérvios, em tempo de guerras quase todos ficam loucos.´

    sexta-feira, março 23, 2007

    Tem coisa que dá um desanimo...

    Ontem li uma notícia que me abalou. Na hora que li, senti o meu estômago revirar, eu que descobri que tenho gastrite, senti que aquilo ia fazer mal, muito mal. Parecia que havia descargas de adrenalina no meu corpo e eu que me acho bem pacifica tive vontade de gritar. Li a notícia para o Haiko, meu marido, e fiquei num estado que eu não conseguia na hora nem explicar nem entender.

    A noticia era sobre a Polônia. Estão lá estudando uma lei que proíbe homossexuais de serem professores.

    ´O projeto de lei do governo polonês também prevê a perseguição a todos que se proponham a falar ou falem sobre a homossexualidade em escolas, universidades e outras instituições acadêmicas.´

    Eu li essas palavras e me deu uma raiva. Eu na hora não compreendi exatamente de onde vinha o meu furor. Mas agora eu sei que vem do medo, da angústia, da raiva de ver alguém com poder político dar legitimidade a fobia, e preconceito dos odiosos do mundo. Alguem com legitimidade política mobilizando pessoas pelo preconceito, incompreensão e ódio. Alguem com legitimidade politica querendo passar uma lei que viola toda a luta do mundo por direitos humanos, por igualdade e por respeito.

    Realmente, dá muito desanimo ver alguem politicamente legitimado dando voz aos que estavam fora da lei, tentando repetir os horrores do passado.

    http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u105696.shtml

    sexta-feira, março 09, 2007

    Pela Bolivia





    Chegamos em La Paz a tarde, cansados da viagem, da altura resolvemos descansar. Assim que cheguei comecei a sentir os efeitos de estar a mais de 3500 metros do mar. Achei bobagem pegar o elevador, e ao subir 3 andares de escada cheguei no meu quarto totalmente sem ar. Desci e resolvi escrever um e-mail, e enquanto escrevia, comecei a me sentir muita mal. Não conseguia concluir pensamentos simples, sentia uma pressão enorme na cabeça, meio zonza comentei tudo isso com o recepcionista e ele me ofereceu um chá de coca. Tomei o famoso e polêmico chá e logo em seguida me senti consideravelmente melhor.

    Como já não havíamos feito nada de tarde, resolvemos a noite ir conhecer um típica Peña ( Pronunciado Penha). Nos indicaram o lugar mais perto e também o mais turístico. Chegamos lá e o lugar estava completamente vazio. Era um lugar muito colorido, totalmente turístico e havia apenas duas outras pessoas sentadas. Perguntamos se era muito cedo, ou se naquela noite não haveria apresentações. O garçon nos explicou que não, que o horário estava correto, que como tínhamos chegado, completávamos o número mínimo para apresentação de uma peña. Para uma apresentação eram necessárias 3 pessoas! Meio sem saida ficamos.

    O show começou com dois homens tocando. Os homens estavam bem vestidos, arrumados, tinham os rostos indígenas. O show começou com dois homens no palco. O da frente tocava um charango, e o outro um violão. A musica era muito bonita, folclórica bem andina. Depois de algumas musicas, uma banda se juntou a eles. Na banda havia outros instrumentos igualmente típicos. Dentre eles zamponas, tambores e instrumentos que eu nunca tinha visto.




    A dança começou em seguida. Muitas dançarinas, muitas fantasias, muitas coreografias distintas, uma atrás da outra. As danças eram também folclóricas, representações de estórias, lendas e mitos das civilizações (pré colonização espanhola) Tiahuanaco e Aymara. Durante a apresentação ainda fomos puxados para dançar no palco o que nos levou em 2 minutos a perder o fôlego. A apresentação era muito bonita, mas senti um misto de alegria e tristeza. Alegria por estar vendo uma coisas tão diferente, e tristeza de ver tantas pessoas envolvidas numa apresentação para apenas 4 pessoas.

    No final do show, reparamos que a senhora da mesa ao lado estava tendo dificuldades para se comunicar com um dos músicos. Fui ate a mesa dela e perguntei se ela queria ajuda, me explicou que não falava espanhol e queria comprar um cd. Ajudei-a comprar o CD e morta de curiosidade perguntei:

    _A senhora esta viajando sozinha ?
    _ Sim e tenho 80 anos.

    Fiquei muito impressionada. Eu que já me impressiono com a minha avó que aos 82 vai a ginástica todos os dias por 2 horas, que vai ao cinema ver tudo que quer assistir, a exposições, almocos, concertos, que eh uma internauta e que tambem sempre viaja para tudo que eh canto mas sempre acompanhada fiquei impressionadíssima com essa senhora. Me explicou que adora viajar, e que quer mostrar as filhas que a vida nao acaba aos 60. Antes de chegar a Bolivia tinha estado no Chile, Argentina, Brasil, Peru, e estava indo para o Equador de lá visitar uma amiga em San Diego, depois para Paris e Montpellier visitar outra amiga, Cingapura e finalmente de volta a Australia. Passei um tempo na mesa dessa senhora. Impressionada, ouvindo dicas de viagem, fazendo perguntas. E assim que voltei à minha mesa minha dúvida dos dias anteriores tinha totalmente desaparecido. Estava decidido, cheia de admiração por essa senhora resolvi cruzar para o Peru sozinha uns dias depois.

    quinta-feira, março 08, 2007

    PSV X Arsenal

    No ano que morei em Amsterdã, adotei o PSV Eindhoven como meu time. Para o Haiko que torce para o Ajax isso foi a maior traição, ainda mais morando em Amsterdã. Mas fazer o que eu achei o PSV muito melhor. E já que eu ia escolher um time que fosse o que eu gostava mais de ver jogando. Isso se provou sábio no final do campeonato.

    Ontem então para ver o PSV jogar contra o Arsenal fomos ao De Hems, segundo o Haiko, o único bar Holandês em Londres. Chegamos cedo, e o bar estava lotado. O que não é de se espantar considerando que os ingleses vivem nos seus PUBs. O que era de se espantar no entanto, era o tanto de ingleses que tinha para ver o jogo num Pub holandês. Pensei que talvez fossem os ingleses que não ligam para futebol, estavam ali por acaso, ou os ingleses que ligam mas não se importavam com o Arsenal, quem sabe ate os que odeiam o Arsenal e estavam ali para se juntar ao torcedores do PSV. Mas para o meu espanto não, a grande maioria de ingleses que la estava, estava para torcer pelo Arsenal em meio aos Holandeses, e torcedores do PSV. Estavam certos que o time britânico ganharia. Talvez pensassem não haver lugar melhor para ver a vitória do seu time, do que no pequeno reduto do oponente.

    Mas não. Com dois gols do Alex, um contra, e um a favor. O PSV se classificou para próxima rodada. Para o grande choque dos Ingleses. Para a enorme alegria dos torcedores do PSV. Quando o gol saiu no final do segundo tempo eu senti uma onda intensa de alegria passar por mim. E não pude deixar de pensar em como é barata essa alegria, esse sentimento de satisfação. Olhando para o rosto de derrota do inglês na arquibancada fiquei triste. Por que será que uma vitória quase sempre implica na derrota do outro? E como é que podemos no sentir tão alegres diante do desapontamento de outrem. E mais incompreensível ainda, por que que aqueles ingleses queriam ver o Arsenal ganhar na casa dos derrotados (caso isso tivesse acontecido)?

    sexta-feira, março 02, 2007

    Porque as Bolivianas Viajam de Saia




    A viagem de 'Bus Cama' de Santa Cruz de La Sierra a La Paz foi inenarrável . Saímos de Santa Cruz uma hora atrasados. Depois de uma noite a procura de um hotel para ficar, e um dia a caca do hotel onde ficamos sentamos no ônibus exaustos. Essa era a vantagem: dormiríamos. A viagem começou e o Sho começou a passar mal. Eu tinha certeza que aquilo iria acontecer depois de ter visto a comida, e a limonada local que ele tinha tomado. Ele me garantiu que não, que estava acostumado com as comidas na Índia que aquela comida nao era o problema. Disse que se sentia mal porque estava sentado há muito tempo. O fato é que ele foi ficando pálido e mal falava. O tempo foi passando, e cansada do jeito que eu estava adormeci.

    Dormi algumas horas, mas mesmo dormindo percebi que alguma coisa estava errada. Com os olhos entre abertos vi que nosso ônibus não andava, ou melhor andava de vez em quando, e muito devagar. Mesmo na duvida se aquilo era normal ou não voltei a dormir. Logo em seguida acordei de novo, desta vez porque senti que o ônibus estava meio inclinado. Olhei pela janela e vi o precipício do meu lado, o ônibus fazendo a curva e tombando ligeiramente na direção do precipício. Percebi que todo mundo dormia, lutei contra o sono e mais uma vez me perguntei se aquilo era normal. Dormi mais um pouco, acordei em outras curvas, aterrorizada, mas com muito sono sempre voltava a dormir.

    De repente eu acordei de vez, percebi que alguma coisa realmente estava errada. Havia caminhões parados nas duas mãos. Alias foi só nesse momento que eu percebi que a estrada era duas mãos. O nosso ônibus parado na contramão, precipício do meu lado esquerdo, caminhões do lado direito do ônibus. Comecei a ver homens com lanternas subindo em cima do caminhão da frente. Pessoas discutindo, lanternas para um lado e para outro. Não queria colocar a cabeça para fora com medo que uma lanterna me fosse apontada, mas queria escutar, estava com o misto de vontade de rir, e apavorada. Será que aquilo eram guerrilheiros? uma emboscada? Acordei o Sho, que estava ao meu lado, e ele também não compreendeu o que se passava. Resolvi que colocaria a cabeça para fora e foi então que compreendi o que estava acontecendo. Aqueles homens de lanterna eram motoristas, e estavam debatendo se dava ou não dava para passar na próxima curva.

    _É absolutamente impossível!! Essa curva não é possível, você vai cair.

    Concordaram uns motoristas, outros achavam que era possível mas arriscado. O impasse durou um tempo até que eu ouvi:

    _ É possível sim, eu vou tentar!

    Entrei em desespero quando ao acompanhar o homenzinho com a lanterna o vi entrar no meu ônibus!!! Era o nosso motorista! Tive um acesso de riso pensando 'eu vou ser uma das estatísticas das estradas da Bolívia.' Mas não, o ônibus foi indo devagar na contramão, tombando em direção ao precipício que eu via claramente da minha janela, e passou! Foi então a nossa vez de esperar os outros passarem, pois a estrada era tao estreita que passava um de cada vez. Nesse momento, eu pude ler claramente no caminhão que fez a curva tao perto que eu o ate toquei 'Inflamable'. Olhei a minha volta e todos continuavam dormindo. Num misto de alívio, e tristeza percebi que aquela devia ser a rotina diária daqueles motoristas. O resto da noite sonhei com ônibus explodindo, guerrilhas e precipícios.

    Quando era umas 4 da manha resolvi que não tinha mais jeito eu tinha que ir ao banheiro. O ônibus ainda não tinha parado e eu que estava evitando o banheiro do ônibus resolvi que não tinha mais jeito. Passei por cima do Sho, e fui ate o fundo do ônibus. Não achei o banheiro. Imaginei que estaria no andar de baixo. Desci, e encontrei o motorista e mais dois companheiros, que me olharam com espanto.


    _ donde es el bano senhor? perguntei

    Ao que eles responderam muito surpresos

    _ No Hay.


    O motorista provavelmente percebendo o meu espanto, perguntou se eu queria que ele parasse mais para frente. Eu disse que sim, e agradeci. Voltei para o meu lugar e fiquei esperando. Algum tempo depois, subiu um homem e perguntou alto' Cadê a menina que quer fazer xixi ?' Eu achei aquilo super engraçado mas não hesitei, e percebi que vários outros homens também queriam. Desci e quando sai do ônibus percebi que não era em um posto ou bar que ele tinha parado.

    O motorista tinha parado no meio da estrada. E o caminhão detrás esperava. Todos os homens abriram a calça e começaram a urinar. Quem me conhece sabe que eu não ligo para fazer xixi atrás da moitinha, mas NÃO tinha moita, era ali mesmo na estrada, do lado de 6 bolivianos fazendo xixi. Eu não podia nem me afastar muito pois era o precipício de um lado, um caminhão atrás, e outro na frente. Foi assim que compreendi porque as Bolivianas viajavam de saia.

    Chamei o Sho para garantir minha segurança e fui fazer xixi. A cena seguinte foi engraçadíssima. Eu abaixei a calca, o dia clareava, o chão era de barro, eu tinha uma tonelada de xixi para fazer, me afastei o tanto que pude para não chegar muito perto do caminhão, mas também não muito para nao ficar muito perto do ultimo boliviano, agachei e comecei a fazer xixi. Como o chao era de barro e eu estava de havaianas tive que ir afastando os pés para não me molhar com o meu xixi. Conforme eu ia afastando os pes, eu comecei a perceber o xixi que vinha vindo do ultimo Boliviano. Em meio a acrobacias e risos fiz xixi.

    De volta ao ônibus dormi um pouco até o próximo evento. Quando deu 5 horas da manhã o ônibus parou. Entraram umas pessoas com coisas para vender. Vendiam frango assado, pacotes de pão, uns cereais dentre outras coisas igualmente inimagináveis as 5 da manha. Só o cheiro daqueles cozidos já dava para dar um revertério. Ainda assim, compramos os pães.

    No próximo pedágio entraram 2 crianças, com pequenas samponas ( aquelas flautas de bambu) para nos alegrar cantando um temita. Com uma voz ultra aguda o menino explicou que ia cantar um temita que se chamava ' las mujeres no valen nada'. A sampona desafinadíssima, a voz num outro tom, e eu queria pagar para eles pararem.

    Nosso ônibus ainda foi invadido por muitos outros vendedores e cantores. Eu como tinha levado frutas não precisei experimentar nenhuma iguaria.

    Quando finalmente, deu 9 horas, eu já estava desesperada para chegar. Todo aglomerado de construção que aparecia eu me animava. Nunca era La Paz. Finalmente, la pelas 10 da manhã vi uma cidade grande se aproximando. Me inundei de alegria, entramos na cidade, demos voltas, e mais voltas e nada. Resolvi pela primeira vez falar com o meu vizinho. Olhei para trás e perguntei que cidade era aquela. O senhor que ouviu minha pergunta respondeu junto com o neto:

    - Cochabamba!

    Peguei o meu Lonely Planet, abri na página do mapa e quando encontrei tive vontade de chorar. Cochabamba ficava praticamente na metade do caminho. Me consolei olhando as paisagens aridas e lindas. Chegamos na rodoviária de La Paz quase 4 horas da tarde.