sábado, agosto 20, 2011

Around the World

Eu tenho escrito em ingles. Por isso vou colocar no meu outro blog. Quem quiser le vai la. Ta meio dificil de fazer as duas coisas :) Obrigada pelas mensagens

http://translatingthoughts.blogspot.com/

sábado, agosto 13, 2011

De volta a India

Poucos dias de India, ainda nao consegui deixar Delhi. Cada parte do meu corpo se faz mais presente, minha alma dolorida de uma dor assim tao velha como o proprio tempo. Quis fugir e ir direto a Tailandia voltar ao conforto do Gaia no Mekong. A India nao deixou. A India eh assim ela fala, grita, te empurra e eh melhor vc entender logo oque ela esta dizendo. Ou melhor, eh melhor vc entender logo que ela te vira do avesso e que eh voce mesmo que tem que curar as feridas.
Como eu poderia ter me esquecido de tudo isso? Tinha apenas uma vaga memoria da overdose sensorial que senti aqui, quando aqui estive ha 2 anos. Naquela epoca eu buscava o metafisico para me curar.
Lembro de ir a um templo Hindu em Londres no dia que "fugi" do hospital. No dia, que me foi dito que eu tinha uma anomalia no cerebro.
Naquele dia, eu que em nada cria, alem do processo cientifico, e em Dennet, Harris Dawkins e seus seguidores liguei para o meu unico amigo remotamente espirtiual. Ele entao me levou a esse templo. Naquele dia eu me prometi que viria a India. Cheguei em Delhi acompanhada do Haiko e juntos fomos para terra da yoga, e depois para a cidade onde vive o Dalai Lama.
Agora eu volto so. So em meio a milhoes. A solidao se faz mais presente. Eu que queria parar e descansar tenho que lutar contra meus fantasmas. Fui eu mesma, que disse que estava pronta nao foi? A India tbm te lembra isso: uma respiracao de cada vez, um passo de cada vez, e te obriga a ignorar o que vem de fora. Eh no dentro que eu tenho que chegar. Procurei ajuda e ela me foi negada. Em meio a milhoes sou obrigada a me lembrar que a busca do dentro eh solitaria.

segunda-feira, agosto 08, 2011

Final de um Ciclo

Minha ultima noite em Londres. Pronto rompi tudo. Doutorado, casamento, casa. E acho que eu posso dizer com orgulho que eu terminei tudo como eu queria. Sem bater porta, sem quebrar prato, sem jogar fora, sem ter que imaginar o pior de nada. Chega o ultimo dia assim com plena consciencia que tudo era bom. Que tudo valeu e vale a pena mas que as vezes chega a hora de ir embora. Na voz de Clarice "que ninguem se engane, sò se consegue a simplicidade com muito trabalho". Foi dificil chegar aqui, mas quanta gratidão eu sinto por todos e tudo que me passou. Quanto tempo levou para ir desfazendo os nos. Quanto medo que deu de dar o primeiro passo sozinha, respirar assim fora num caminho que eu nao sei muito bem onde vai dar.

Amanha eu voo a India. Nao sei muito bem porque a India. A India é sempre dificil. Como disse um amigo meu nem sempre gentil, mas sempre dizendo o que vc precisa escutar. E eu acho que estou pronta para escutar essas estorias. E quem sabe começar a escrever um livro. "As estorias que me contei". Ja que para viver vamos nos contando as coisas ao poucos, buscando sentido, e uma ordem semantica nos sabores, nas cores, nos cheiros.

É o final de um ciclo... mas todo final é também um recomeço.

quarta-feira, agosto 03, 2011

Leila- Hammam em Nablus

Leila

E como eu ia fazer para poder conhecer as palestinas? Eu nao sabia muito bem. Tinha tido encontros breves nas vans de transporte. Sempre me surpreendia com o quao politizadas elas eram. Algumas me convidaram para ir a suas casas mas nunca cheguei a ir. Pensando em retrospectiva, nao sei direito porque. Um dia no entanto, tive uma ideia, eu tinha que ir ao hamman da cidade. Em Nablus, a maior parte da semana o Hamman eh so para os homens. No entanto, uma vez por semana,as tercas homem nenhum pode passar da porta.

A saga comecou logo antes: eu precisava arrumar um mayot! Comprei o mais barato, e o que eu achei que me serviria, e ate para os padroes da minha avo eu diria que o mayot era para la de discreto.

Entrei na sala principal do tal hamman, que eu ja tinha visitado antes em dia normal, e vi que o lugar estava completamente transformado. Musica arabe tocava alto, havia mulheres deitadas nas almofadas, narguiles por todas as parte, danca do verntre, aquele grito meio beduino das mulheres felizes, mascaras nos rostos, toalhas, uma verdadeira festa.

Fiquei encantada. Senti me totalmente transportada para um livro. Lembrei do Marrocos. Lembrei dessa sensacao que senti la dos mundos secretos. Timidamente caminhei ate o balcao e perguntei a mulher como funcionava o Hamman. ela me deu varias opcoes e eu acabei escolhendo a que incluia tudo. eu nao sabia muito bem o que o tudo era, mas sabia que queria ver o que aquelas mulheres faziam toda terca feira.

Sem entender muito bem abandonei a sala principal e entrei no Hamman mesmo. Troquei me, e entrei numa sala onde haviam mulheres deitadas no chao. Assim que comecei a andar meu pe comecou a pegar fogo. Uma linda mulher negra deu risada e me pegou pela mao sabendo que eu obviamente nao era dali. Levou me ate onde ficavam os tamancos de madeira.

Eu ri, coloquei o tamanco e tentei me equilibrar nele. Sem saber muito bem o que fazer fui entrando, entrando ate chegar numa salinha que era uma sauna a vapor. Sentei ali sozinha. Sentei fechei os olhos, e sem nem perceber comecei a me alongar. Fazer alguns asanas de yoga sentada de olhos fechados. Quando abri os olhos dei de cara com 3 meninas me olhando.

Leila que tem toda alegria do mundo transbordando de cada poro olhou para mim e disse " yoga?". Eu disse que sim. E ela nonpoquissimo que sabia de ingles disse " you teach I"

E foi asssim que eu fui de nao conhecer ninguem no hamman a passar um dia fascinante com essas mulheres. como eu gostei de Leila. Ela tentava de tudo que era maneira falar comigo, me contar coisas, me ensinar, me fazer perguntas. Apresentava me as outras mulheres, usava o ingles que elas sabiam e o tempo todo gargalhava.

Para mim uma menina. Depois me contou que tinha 7 filhos. 30 anos. Casada com 15. " I was a child, dont you think?" . Concordei. My mother did not think so. " no child, get married".

Perguntei a ela entao se ela faria com que sua filha se casasse com quinze. " No, 15 child! First university, first carreer! Then get married minimum 23!" e da mais uma gargalhada daquelas contagiantes.

Tamanha eh a sua efusao de energia que as mulheres ali a volta ficam meio apagadas. Apixonei me por Leila queria sabe mais dela. E a lingua que limitava os detalhes. E ela contagiante como era usava o ingles de todos a volta para explicar que uma vez por semana ela ia la esquecer tudo.

Sentamos juntas perto da mulher que faz massagem. As meninas sao todas recatadas. Elas nao se despem na frente das outras. Tudo eh feito com recato, com cuidado para que nenhuma pele que nao deva ser vista seja.

Eu nao entendo as palavras mas eu entendo que Leila quer saber se ela esta bem para 30! Voce acha que eu estou.... Usa os bracos para desenhar um balao a sua volta " fat?" eu digo? Ela diz oh yes oh yes Fat!

Gargalhamos eu quero dizer a ela que ela eh bonita para qualquer idade. Ela eh uma dessas pessoas que alem de ter os tracos perfeitos, tem nos tracos um molejo, uma alegria uma vida que nem oucpacao, nem sete filhos, nem intifada consomem. Ela eh para mim ali a imagem da mulher na sua maior forca. Eu queria ter podido saber os pewuenos segredos. As pequenas estorias. Em gestos fica difcil.

gesticulo como posso " is your husband a nice person?"

E ela pausa, olha para mim " my husband is a very good man, he loves" e num tom crescente diz com a mao desenhando uma escada que sobe " loves,LOves, LOVES me".

E vc?, pergunto

Ela levanta a sobrancelha, levantas os ombros e diz em letras minusculas, com os dedos mostrando um pouquinho . " I love him"

Em seguida da uma gragalhada e conclui "But this is life not a film" e ri um pouco mais.

domingo, julho 17, 2011

Ori-Tel Aviv

Ori tem 20 anos. Quando cheguei a Tel Aviv ela que é namorada do housemate do meu amigo Alex passou quase uma semana sem falar comigo. Não é que ela estivesse me evitando. Nao, ela parecia deprimida, no mundo dela. Todos os dias eu chegava e a via sentada no sofá. Muito bonita, muito jovem, ali sem vida, se fundindo ao sofá.

Numa certa noite resolvi sair com Alex, e quando chegamos ao bar no bairro de Florentine em Tel Aviv vi que Ori estava la com seu namorado numa mesa. O lugar era bonito, trendy, um desses lugares que poderia ser em qualquer lugar do mundo. No fundo do bar estavam os amigos do Alex sentados a volta de uma mesinha. Todos eles programadores e meio gênios do mundo de IT. Judeus todos. Alguns Israelenses, a maioria não. Sentei entre um sul africano de quem Alex já tinha muito me falado e Ori. Lembrei me então que Alex tinha me dito que adoraria me ver encontrar o sul africano ja que nos tínhamos, segundo ele, visões politicas radicalmente distintas.

Eu que não queria ter uma discussão virei para Ori e perguntei como ela estava. Ori tem 20 anos e esta no exercito. Ori odeia o exercito foi criada num kibbutz, com valores humanistas, me explicou. "Como é que eles querem que agora eu pegue uma arma?" Perguntei a ela o que ela fazia no exercito e tudo que ela não me disse na primeira semana ela transbordou em mim em uma noite. Ori com 20 anos foi colocada ali na fronteira, perto de gaza e do Egito. Seu trabalho era dar aulas de Hebraico para o pelotão do IDF ( Israeli Defence Force) de Beduínos.

Como assim? perguntei. Ela me explicou que eles são beduínos árabes mas são soldados. "Por que eles não podem ser árabes, e beduínos e israelenses??"Explicou me que apesar deles falarem hebraico eles não sabem ler hebraico. Ori me contou de um homem que assim que aprendeu a ler veio ate a ela gritando " para que? para que nos temos que aprender isso?". Percebendo a minha confusão ela explicou. Vc nunca viu escrito por ai "Morte aos Árabes"? Esta por toda parte. Ela dizia em Hebraico, e depois em Inglês. Repetia, com a voz mareada, os olhos sem voz. Eu fiquei quieta so ouvindo.

"Jules you change. Do you have any idea how many times I saw Egypstians shooting at refugiados sudaneses?". É tanta violência de todos os lados. Voce muda. Seus amigos mudam na sua frente. Eles nao percebem mas eles mudam. EU tinha que sair de la, Eu imporei para sair de la eu estava enlouquecendo. Eu odeio que eles roubem anos da minha vida!"

Percebendo o quão petrificada eu estava, o sul africano ao meu lado disse" Meninas, no serious talk, lets enjoy the night". Sem querer contrariar nossos anfitriões eu estendi minha mao, segurei a dela num ato misto de compaixão e de nao saber o que fazer. Olhei para ela em reconhecimento, pegamos o copo do que estávamos bebendo, demos mais um gole, empurramos os pensamento de lado como queriam nossos amigos. E sorrimos. Assim é Tel Aviv.

Israa- Hebron/Khalil

Israa tem 22 anos. Eu a conheci na sua casa. Casa que é também de sua mãe, casa e escritório do seu irmão Ahmed que é uns 30 anos mais velho do que ela. Conheci Ahmed numa van, logo na minha primeira viagem pela Palestina. O conheci quando fui de Ramallah a Nablus. Ele que tinha terminado seu doutorado na LSE nos anos 80, ao saber que eu tbm fazia meu doutorado la me convidou para visita-lo em Hebron/Khalil. Percebi que devia ser um homem muito importante pois ele escreveu seu nome pomposamente num papel e insistiu muito para que eu aprendesse o seu sobrenome.

Hebron/Khalil é provavelmente a cidade mais tensa da Palestina. É la que fica o que os Palestinos chamam de mesquita de Ibrahim, e os Judeus "the tomb of the forefathers" ou "cave dos patriarcas". Hevron é o nome Hebraico da cidade, Khalil é o nome Arabe. A cidade fica na cisjordânia e é lá onde ficam os assentamentos ilegais mais problemáticos da região. A mesquita de Ibrahim é dividida em dois. De um lado passam os judeus para olhar o túmulo de Abraao e Sara, e do lado da Mesquita ficam os muçulmanos.

Só depois que cheguei a casa de Ahmed que pude entender o quão serio era para um homem importante politicamente, e religioso como ele convidar uma mulher viajando sozinha a sua casa. Em Khalil/Hebron as pessoas são muito religiosas, e o controle social é fortíssimo. Na rua da casa de Ahmed mora toda a sua família.

No prédio onde ele mora cada andar mora uma parte da sua família imediata. Logo no primeiro dia conheci a doce Israa. De cara eu me apaixonei por ela. Doce como uma personagem que saiu de um livro romântico de outra era.

Ela me trouxe suco de laranja. Sentou ao meu lado sorrindo sem dizer quase nada. Ahmed contou que ela iria se casar agora em julho. Perguntei a ela se ela estava feliz e ela respondeu apenas "Al hamdu el allah" ( nao sei como se escreve.. mas quer dizer gracas a deus).

Ela não falava muito, por timidez, por não falar muito bem inglês, por ser reservada. Ela no entanto ficava ali do meu lado o tempo todo. Na hora que saímos para ver a famosa mesquita, me entregou uma "head scarf" emprestada para que eu nao tivesse que usar as que eram emprestadas na mesquita. Eu a coloquei mesmo antes de chegar la. Ela olhou para mim surpresa e disse entusiasmada " you look so beautiful in a hijab!!". Tiramos uma foto juntas enquanto andávamos pelas ruas cobertas de alambrados. Ahmed falava comigo o tempo todo. Contava me a historia da cidade, e eu tentava prestar atencao mas estava num misto de fascinada por tudo que via, ouvia, com totalmente intrigada pela doce Israa.

Como Israa foi a primeira mulher Palestina que eu conheci cada palavra dela era preciosa. Ela era a primeira porta a um mundo todo secreto para mim. O mundo dos homens tinha sido até então muito mais fácil de acessar. Mas o que será que pensavam as mulheres as mulheres na Palestina? No entanto, nao era apenas isso que me fascinava na Israa. A Israa é especial pela sua pureza, pela sua doçura. Descobri aos pouquinhos, entre palavras quebradas que ela ia se casar com um homem que tinha visto apenas duas vezes na vida. Um homem que mora na Jordania. Fiquei sabendo que depois do casamento se mudaria para la. Eu ja tinha é claro ouvido falar de casamentos arranjados antes, já tinha lido sobre eles, discutido nas minhas aulas teóricas, mas nunca tinha encontrado cara a cara uma menina doce de tudo que ia ser mandada assim para um outro pais sem saber direito a sua sorte.

Passamos por toda sorte de obstáculo. Check points, barreiras de ferro, detectores de metal, meninos do IDF com fuzis... tudo isso para poder entrar na Mesquita. Tirei meus sapatos ainda impressionada com o futuro de Israa. Coloquei uma saia por cima da minha calca para poder entrar na mesquita. Tudo isso em modo meio automático. Eu olhava a doce Israa sorrindo e pensava nela. Ela encantada com a mesquita ficou comigo o tempo todo. De repente me pediu licença para rezar. Enquanto eles rezavam eu fiquei olhando o tumulo de Abraao/Ibrahim. Do outro lado do tumulo eu via uma janela. Do lado de la da janela eu via um judeu ortodoxo tirando uma foto do tumulo. O mesmo tumulo que eu via pela janela do lado muçulmano. Tantos sentimentos misturados. Gratidão por poder ver tudo isso, tristeza de sentir na pele toda essa separação, mas acima de tudo preocupação pela pequena Israa.

Saimos da mesquita caminhando pelo centro comercial de Hebron. Todas as portas fechadas. Ahmed me explicava que por causa do perigo, dos ataques do IDF o comercio nao funcionava mais ali. Eu caminhava embaixo da rede de arame vendo tudo que foi jogado la de cima. Via crianças brincando. Sentia o clima tenso no ar. Arames farpados por toda parte, soldados Israelenses que sorriam para mim. Jovens e simpáticos comigo. Via trabalhadores de ONGS, tiros nas paredes, amêndoas verdes a venda e de repente a doce Israa ficar para trás.

Depois a vi reaparecer com uma pequena pulseira na mão. Um presente para mim por trazer a ela tanta alegria. Ali bem em frente a rua bloqueada aos palestinos porque virou um assentamento ilegal judeu no meio da cidade eu coloquei o meu presente no broca. Ali vendo tiros nas paredes eu olhei para essa doce menina e desejei a ela em silencio do fundo do meu coração toda a felicidade do mundo.

No meu ultimo dia em Hebron eu perguntei a ela minha primeira pergunta mais uma vez. Israa voce esta feliz de se casar ? Depois de poucos dias de amizade, de poucas palavras e de enorme empatia ela respirou fundo, olhou no meu olho e disse "eu rezo a deus que tudo saia bem. eu estou feliz e ao mesmo tempo aterrorizada."

E eu me peguei dizendo "Nao se preocupe, vai ficar tudo bem! Insh'allah! Mas se esse teu marido nao perceber a mulher maravilhosa que vc é e nao te tratar como uma princesa vc me liga, me escreve e eu vou la! :)"

Rimos as duas na cozinha sabendo que eu nem ela tinhamos controle nenhum sobre o futuro. "Sim, voce vem!" Ela concordou dando risada. "Thank you Julieta!" E me abracou. Senti no abraco dela um enorme carinho, uma certa gratidao, por nada alem de eu estar ali e colocar em palavras o medo do futuro, do incerto. Um medo que no fundo é de todos nós.

sexta-feira, julho 15, 2011

Narrativas alternativas

O meu doutorado, aquele que eu abandonei, era para ter pesquisa em Jerusalem com criancas judias e palestinas numa escola de coexistencia. Nao, eu nao sou Judia, e nem tampouco Arabe. Como foi que eu fui parar nisso? eu já nao tenho a menor ideia. O que eu sei é que hoje em dia eu tenho uma relacao de amor e odio com o oriente medio. Essa alias é uma relacao muito comum. Dificil viver la, mais dificil ainda imaginar que para la nunca mais se volta. Na primeira vez que eu fui a Israel quem le meu blog deve se lembrar que eu fiz couchsurfing o tempo todo. Dessa vez, eu fiquei na casa dos ex -desconhecidos e agora amigos em Israel, e passei um mes ficando na casa de entao desconhecidos e agora tbm amigos na Palestina.

Quem tem amigos em Israel pode imaginar o tipo de reacao que eu recebi quando disse que ficaria na casa de estranhos pelo couch surfing na Palestina. De previsao de "harrassement" a morte. Se vc esta lendo isso faça o seguinte experimento: escreva "brazilians" no google images, depois "palestinians", depois "israelis". Assim como brasileiros nao sao so praia e futebol e carnaval, na palestina nao ha so criancas machucadas, "terroristas" e tao pouco em Israel é so soldado do IDF.

Eu cruzei o muro. E como eu falei no ultimo post os muros tem aquele poder de deixar a gente ficar imaginando as imagens do google como representativas. Eu escrevi muito do que me aconteceu aos meus amigos, e como me tem sido pedido muito que eu escreva aqui vou tentar revisitar o que escrevi, o que vivi, para trazer as narrativas alternativas. Eu aviso desde já que essa viagem é meio sem volta... nada é mais branco no preto. Nao ha nada de coerente por aquelas terras.... alias será que existe algo de coerente na humanidade? Eu sofri e sofro por ter amigo dos dois lados. No entanto acho que as estorias tem que ser contadas. As estorias tem poder pois elas nos lembram da humanidade que o muro tenta apagar.

Eu estou para embarcar para India e vou viajar com um Israelense que eu conheci na comunidade da India do Couch Surfing. Meu teste inicial a ele foi contar que tinha passado um mes no west bank. Se o cara fosse um total radical ja se desculparia e discretamente nao falaria mais comigo. No entanto, ele se mostrou interessado. Ele se emocionou ouvindo minhas estorias. Filho de mae iraniana e pai iraquiano tao pouco pode jamais voltar a casa da mae no Iran. Ele tem amigos palestinos de nablus que trabalham ilegalmente em Israel. Fiquei surpresa. Como assim? Um judeu Israelense com amigos Palestinos muculmanos ilegais? No entanto, ele entende, talvez isso de ter uma casa para qual nao possa voltar o faca o compreender. Nao sei. Como as pessoas reagem as coisas é sempre um mistério.

"Podemos ser amigos mas só até um certo ponto porque na verdade é muito dificil para eles serem eles mesmo aqui. vc nao imagina como é dificil. Eu odeio politica. Meus amigos de esquerda, que sao super contra a ocupacao so querem falar do conflito mas quando eu trago meus amigos palestinos eles nao sabem como trata-los como humanos!. O mais basico eles nao sabem! Voce nao pode imaginar!" Eu expliquei que posso, que imagino que senti na pele.

Esses dias um dos amigos dele foi pego sem documentos. "Oque vai acontecer com ele?" perguntei. Ser preso, deportado, mas depois ele volta. Nos ate temos uma brincadeira. Ele sempre me diz que o bom de ele ser preso é que ele pode trazer comida que presta de Nablus para eu comer porque a mae dele cozinha melhor do que niguem. E isso é o que me quebra de vez, ele nem se revolta."

É isso eu vou tentar escrever aqui sobre esses mundos secretos. O mundo das mulheres que eu conheci no Hamam, o mundo dos religiosos que respeitaram a minha falta de fe, o mundo dos meninos entediados em Nablus, o mundo dos meus amigos israelense que tem medo, que tao pouco querem ser odiados no exterior, ou tao pouco adorado por fascistas, o mundo da depressao dos soldados do IDF que se justificam o tempo todo. O mundo das pessoas que dizem as coisas mais chocantes, mais abusrdas, mas que no fundo como todos nos mudam de pensamento, tem varias narrativas. Um mundo que nao é esse das imagens do goodle. Se vc quer saber um pouco mais da complexidade de ser humano no oriente medio, assim vista por uma nao expert nao judia, nao arabe, nao inglesa, nao americana... uma brasileira a passeio, venha aqui e leia. Eu nunca achei que o que eu ecrevesse tivesse importancia. Sempre escrevo por escrever, mas essas estorias eu acho que tem que ser lidas. As vozes dessas muitas pessoas que as vezes dizem coisas brancas, ou pretas mas na maior parte do tempo vivem no cinza. Essas estorias tem que ser ouvidas. E ja que a historia nao envolveu minha familia nem o meu pais nessa politica eu acabo tendo um acesso a informacao realmente invejavel. Se quiser venha, eu prometo que conto os segredos que eu descobri da nossa incoerente humanidade, mudo os nomes, mas mantenho as vozes.

sábado, junho 18, 2011

Muros

Estou em Berlin com meus pais. Vim encontra-los para passar um final de semana. A vida de morar longe tem sido assim. Nos encontramos no Brasil e em finais de semana por cidades espalhadas na Europa. Meus pais sao um milhao de vezes mais atleticos e mais em forma do que eu. Fico exausta. Agora que viraram especialistas em viagem, viajam com malinhas minusculas, 8 kg cada um, calcas com muito bolsos e todo equipamento possivel e imaginavel. Enfim, estamos em Berlin, eles sairam eu fiquei. Tenho que terminar de corrigir os papers dos meus alunos. Minha mae antes de sair vem me mostrar o muro que separava berlin oriental de ocidental no mapa. Acho que ja expliquei antes aqui o quanto minha mae gosta de mapas, e o quanto isso virou parte da minha vida. Olhei o mapa, um muro todo recortado. Como é diferente ver um muro num mapa, e um muro cara a cara.

O muro no mapa parece uma piada. Como assim alguem inventa de colocar um muro? Uma fronteira? quase sempre totalmente arbirtraria num lugar onde as pessoas antes viviam juntas. Eu ja tinha visto o muro de Berlin antes mas nunca com tanto sentimento como quando dei de cara com ele ontem. E é claro que o muro de Berlin agora destruido, agora imaginado por todos como um verdadeiro absurdo me leva direto para o muro construido, e sendo aumentado em Israel e na Palestina. Olhei para o muro aqui e fiquei pensando sera que algum dia o de la cai? Minha mae diz que sim, "eh assim sempre.. desde a pre-historia, nos provavelmente nao vamos ver, mas essas fronteiras aparecem e desaparecem". É mais uma dessas coisas que se ve em mapas. Basta olhar mapas antigos da Europa para ver o quanto cresceu, diminui, desapareceu , cresceu de novo por exemplo a Polonia.

Agora o muro cara a cara... o muro cara a cara nao permite ver o outro lado. O outro lado fica sempre imaginado. No caso da Palestina e Israel ele possibilita que as pessoas se imaginem como totalmente distintas. Quando eu fui de Nablus a Belem com 3 amigos Palestinos que me ofereceram carona, meu amigo italiano que vive em Beit Sahour quis nos levar para ver o muro. Dois dos meus amigos Palestinos nunca o tinham visto pois sempre ficam em Nablus. Andamos ate o muro e vi as pinturas. Muitas feitas por turistas que cruzam o muro e voltam para dormir em Israel.

Olhei para o muro e comecei a chorar. Nao que eu quisesse. Mas o muro ali concreto na minha frente era a separacao dos meus amigos israelense e palestinos. Meus amigos tao parecidos, com mesmos interesses, que num mundo distante talvez fossem amigos. Ali nao. O muro nao permite. O que me levou tempo para perceber é que o muro nao permite nao apenas o encontro fisico. O que é pior do muro é que ele nao permite o encontro imaginado. O que ele permite é que esses dois grupos de amigos meus nao se imaginem como parecidos. E para eles é importantissimo se imaginar distintos.. afinal como é que vamos fazer tudo que fazemos se aceitarmos que nao o somos. Nao que antes do muro eles nao se imaginassem distintos. No entanto sem muro é mais facil de perceber que nao somos.

Aime Cesaire, poeta, escreveu livro curtinho "Discours sur le colonialism"... aqui

que é sobre a Europa e o colonialismo. Um livro pequeno e poderoso. Começa por dizer


A civilization that proves incapable of solving the problems it creates is a decadent civilization.
A civilization that chooses to close its eyes to its most crucial problems is a stricken civilization.
A civilization that uses its principles for trickery and deceit is a dying civilization.

Uma das coisas que eu achei mais tocantes nesse livrinho é que para cesaire atitudes barbaras so podem ser praticadas quando o opressor comecar por se desumanizar. So assim ele pode desumanizar o outro. Muros tornam esse processo mais facil. Se voce nunca tem que encontrar com o outro. O outro pode ser qualquer coisa que te contem. Provavelmente por razoes evolucionarias de gostarmos mais de membros do nosso grupo do que do grupos de fora isso seja tao facilmente fomentado.

Eu tenho amigos dos dois lados do muro. Amigos que eu amo. Amigos que se sentem ameacadissimos por eu ter amigos dos dois lados.

No dia que eu fui ao muro da separacao eu chorei. Acho que ja fazia tres semanas que eu estava na Palestina. Eu é claro ja tinha visto o muro antes. Eu o tinha cruzado para ir a Palestina. No entanto, quando eu o cruzei pela primeira vez eu estava assustada demais com o possivel perigo que eu encontraria do outro lado tao avisado a mim pela midia, pelo meus amigos Israelenses que eu nao prestei muita atencao ao muro em si.

Semanas depois, centenas de conversas depois, vendo infinitas criancas brincando, e pessoas vivendo o seu dia a dia o melhor que conseguem em frente a uma ocupacao. Dezenas de conversas depois com homens e mulheres por todas a partes, noites e mais noites dormindo na casa de Palestinos que fui encontrando pelo caminho voltar ao muro doeu.

Andando lado a lado aos meus amigos palestinos, entrei dentro do corredor de ferro, o famoso check point. Senti me como um animal numa jaula. Meus amigos palestinos me consolavam. "Um dia vamos viver todos juntos". Meus amigos Israelense diziam que queriam que nao foisse necessario: mas é. E nao adianta eu dizer que apesar de eu achar que o medo deles é real nao sei se é representativo da realidade.

Ta certo que vindo da America do Sul o tanto de morte que acontece num final de semana em sao paulo, e rio juntas deve "trump" o numero de mortos no conflito palestino israelense dos ultimos 10 anos. Enquanto eu estive no Oriente Medio eu mandei emails aos meus amigos dos encontros que tive. Contei o que foi me acontecendo que nunca é tao branco no preto como os simplistas gostariam de imaginar. As mil divisoes religiosas, politicas e economicas que assola os dois lados.

Pensei no "Eichmann in Jerusalem: A Report on the Banality of Evil " da Hannah Arendt. Nesse report ela analisa como para as grandes tragedias da historia ( em especial o holocausto) acontecerem nao sao necessarios muitos sociopatas ou pessoas crueis.. mas simplesmente pessoas ordinarias que aceitam as premissas do estado e que portanto participam nas suas acoes achando as normais. Eichemannn foi o homem que coordenou os trens que levavam os judeus ( e outros) aos campos de concentracao. No seu julgamento ele disse que estava apenas seguindo ordens.

Quantas vezes eu nao ouvi meus amigos Israelenses me dizerem a mesma coisa. Algumas vezes um amigo meu Israelense que se opoe a ocupacao e quase a toda politica israelense perguntou nos check points sobre o livro de Eichmann, e algumas vezes os jovens soldados responderam que sim, que achavam o livro brilante. Meu amigo algumas vezes apontou para o cehck point,e para o muro. " No but is differente we need it" respondiam os meninos de 18 anos munidos de armas poderosas, justificativas burocraticas, e o poder de parar qq pessoa pelo tempo que quiserem. Dar tanto poder a um jovem, Poder sobre a vida de um outro que morar do outro lado do muro é violento para os dois lados.

Pensei entao no Stanford prison Experiment . Experiemnto conduzido em Stanford Uni para avaliar os efeitos psicologicos de tornar pessoas guardas e prisoneiros. O experiemnto foi um desastre e teve que ser interrompido. Lembro de ver um depoimento de alguns dos participantes. Lembro de um participante que tinha sido escolhido para ser prisioneiro dizer " Fico feliz de ter sido escolhido para ser prisioneiro, eu nao sei o que faria se tivesse poder, ia ser bem mais dificil de viver comigo mesmo depois se eu me descobrisse capaz de abusar do poder como eu provavelmente absusaria".

Muros fazem com que essas decisoes tomadas pela instituicao fiquem mascaradas. A nossa responsabilidade como individuos fique apagada. We follow orders. E se nos nem se quer temos que ver ( e ver nao como eu vi o muro a primeira ver, ver como eu vi na segunda) como vivem os ourtos ali do outro lado do muro. Se nos nem se quer enxergamos mais a surrealidade de um muro, evil com toda sua banalidade fica ainda mais possivel.

sexta-feira, junho 03, 2011

Aulas

Alguns meses atras eu me inscrevi para ser seminar leader de um curso da Birkbeck. Havia tres opcoes Pyschological Approaches to Social Conflict, Sociological Approaches to Social COnflict e Political Approaches to Social Conflict. Achei que seria muito dificil me chamarem afinal eu nem terminei ( e agora nem vou terminar ) meu doutorado. No entanto, achei que se me chamassem, seria para uma das duas primeiras aulas.... como a vida sempre surpreende eis que me chamaram para a aula de politca.

No comeco fiquei meio insegura afinal de contas, apesar de eu ter feito um monte de aulas de ciencia politica e politica internacional essa nao eh minha especialidade. Encontrei com o professor que na verdade eh da SOAS e quando vi o syllabus fiquei bem tranquila. Os topicos eram liberalismo, feminismo, Marxismo etc. E como a classe era para undergrad nao havia nada de muito complicado.

Alem disso, a unica coisa que eu tinha que fazer era guiar o seminario depois deles terem visto a aula. Em outras palavras faze-los falar sobre o que eles tinham aprendido. Tanto eu como o Kevin estamos muito mais interessados em saber o que essas pessoas pensam depois de ter ouvido o que pensava Stuart Mill, our Marx do que te-los repetirem o que os famosos e debatidos pensadores pensam ou nao.

Na Birkbeck ha muitos alunos que ja sao mais velhos. Eu nunca na minha vida imaginei que eu fosse ficar tao interessada, e tao fascinada pelas discussoes que eu fomento toda terca-feira, e quarta a noite.

Alem dos alunos serem mais velhos eles tbm vem de tudo que eh lugar no mundo. Ha muitas mulheres africanas no meu grupo e elas tem sido uma verdadeira fonte de aprendizado. Acho que quem ele esse Blog deve ter uma ideia que eu nao sou muito a favor do total relativismo cultural, mas tao pouco assino embaixo do universalismo com apolitico. Essa aula tem sido incrivel por isso.

Semana passada o topico que sempre aparece nas minhas aulas de faculdade nos eua, na holanda, aqui apareceu: circunzicao feminina. Nas minhas aulas eu li muito sobre isso mas nunca tinha tido representantes circuncizadas presentes. E eis que a conversa comeca de cara com uma mulher nos seus 40 dizendo que era circuncizada sim e com muito orgulho.

Eu comeco sempre explicando o que eu acredito mesmo: que quanto mais eu viajo mais parecidos eu acho que somos, e cada vez mais eu me humildeco ( existe?) com a generosidade e sabedorias das pessoas de lugares que eu nao compreendo muito bem. Perguntei entao: Porque ela se sentia orgulhosa

" Por que eu me sinto bonita!"

De todas as respostas do mundo essa era a ultima que eu imaginava escutar. Uma africana do outro lado da sala gritou.

" Mas voce foi forcada a fazer isso, agora tem mesmo que achar bonito!"

" Imagina, eu tinha 17 anos fui porque quis!"

Eu ponderei e contei a elas o caso de uma amiga minha muito bonita que ja fez nao sei quantas plasticas no brasil para se sentir bonita. Varias anestesias desnecessarias, alergias a medicamentos... mas ela sempre me explica que faz por que quer.

Ponderei que sempre que achamos que temos uma escolha temos que parar e pensar " Se eu nao fizer isso minha vida na sociedade vai ser mais dificil? vai ser mais dificil de casar, ter namorados? arrumar emprego etc etc etc?" e eh claro que ha niveis, mas se a resposta for sim, provavelmente quer dizer que isso nao eh tanto uma escolha, mas mais uma pratica a qual fomos socializados e acreditamos estar escolhendo. Mais ou menos como usar roupa.

A mesma mulher que tinha se oposto a circuncisao gritou " voce acha que escolhe, mas eh porque todo mundo faz na sua sociedade"

E entao uma mulher muito quieta la do fundo da sala disse " No meu pais, a circuncisao foi proibida e sabe o que nos meninas fazemos? Nos viajamos para Burkina Faso e fazemos la!"

Os europeus da sala ficaram de queixo caido. Uma outra mulher ainda tentou " acho que isso tem a ver com o fato que mulher ter prazer eh tabu"

Ao que a primeira respondeu " Eu tenho muito prazer! Quem sao voces para decidir como eh que eu sinto prazer e experiencio amor?" disse e deu uma gargalhada.

Toda quarta feira agora eh assim. Tudo que eu aprendi de ler de em etnografia eu to podendo verificar first hand :) E como eh fascinante ver que somos tao parecidos and yet tao diferentes.

ps: da proxima vez eu prometo que falo sobre a discussao sobre feminismo e poligamia.

quarta-feira, junho 01, 2011

Migalhas de Sentido

Chegou aquela época do ano que eu fico ocupadissima fazendo nada :) Nos últimos 4-5 anos eu sempre trabalho durante um mes manha e tarde de vigia de prova na universidade. Quase que todos os outros vigias que estao a todo esse tempo sao estudantes de doutorado. Assim que uma vez por ano nos encontramos para lamentar sobre nossa vida acadêmica.

Esse ano entrei no elevador e logo no primeiro dia dei de cara com o Karim (de quem alias ja escrevi aqui). Karim eh argelino e ta fazendo doutorado de economia desde que eu o conheço.

"Karim, larguei meu doutorado!"

Ele olhou para mim sorrindo, ja com a barba mais para branca do que ruiva, ja com sinais bem mais marcados no rosto, e com um olhar ainda mais cansado do que o olhar dos últimos cinco anos.

"Good for you Jules. Better to finish with it than to let it finish with you."

Eu ri. Assim com sempre rio quando encontro alguem que ta penando ha mais de 5 anos me dizendo que nada disso vale a pena. Eu discordo. Digo que vale a pena para alguns. Meu amigos doutorandos suspiram e dizem que gostariam de ter tido a coragem de largar tudo bem mais cedo. Ja os meus amigos de mestrado e faculdade agem radicalmente diferente. Eles me olham com pesar. " Voce tem certeza ?". Eu explico que tenho certeza hoje. Amanha, amanha eu nao sei :)

Karim foi também a primeira pessoa com quem trabalhei de vigia. Na época eu carregava comigo o Lonely Planet do Marrocos. Ele o notou mas nao disse nada. No ano seguinte, eu trazia comigo o guia da India. No terceiro ano, quando encontrei Karim no corredor ele me perguntou rindo de que pais subdesenvolvido eu esta carregando o guia desta vez? Abri a bolsa e mostrei que nao havia nenhum, depois confessei: que meus guias do camboja e do laos estavam em casa. Karim riu.

Quando encontrei Karim no elevador esse ano comecei dizendo. " Karim I quit my PhD. La da Palestina eu percebi que nao fazia sentido nenhum!"

"So you have finally gotten tired of travelling these places?"

"Of course not, maybe i ll be tired next year when I am back from wherever it is that i go in asia"

Ele olhou para mim sem compreender muito bem. Abri minha bolsa e mostrei o guia da India e da China.

" Are you going back there?" ele perguntou incrédulo.

E eu pude explicar que sim. Dessa vez eu vou como sempre sonhei em ir. Com uma passagem que chega em Delhi em Agosto, e sai de Bangkok em Abril. Sem muito dinheiro, sem voo que me leve da India a Tailandia. Sabendo que eu nao posso cruzar por terra Burma. Que talvez eu possa cruzar do Nepal ao Tibet se a China deixar. Cruzar a China ate chegar ao Vietnam, depois cruzar o Laos ate chegar de volta a casa em Non Khai na Mut Mee. Sabendo que eu posso mudar tudo isso pelo caminho e que na verdade nem se quer preciso voltar em Abril. Eu hei de ficar frustrada, ter diarreia, ficar cansada, nao entender nada, voluntariar pelo caminho, dar aula em algum pais asiatico quando nao tiver dinheiro, couchsruf, sentir enorme solidao.... Mas a antecipacao de encontrar por ai migalhas de sentido, sorrisos em outras linguas, meta-representacoes diferentes da nossa inerente universal humanidade faz com que eu me sinta ja incrivelmente grata por poder passar por todas essas pequenas confusões.

domingo, maio 22, 2011

O Medo

Meu housemate Shane acabou de partir. Celebramos sua partida o final de semana inteiro afinal hoje ele voltava para a Adelaide, Australia onde eu morei quando tinha 15 anos. Nao faz muito tempo que eu escrevi aqui sobre o ano novo chines que celebrei aqui em Londres.

Naquele dia sentados a volta da mesa fizemos o ritual do tolkien of speech que eu aprendi na minha despedida do brasil. Quase que todos ali em volta da mesa falaram da incerteza do futuro. Chi, meu couch surfer Chines, tinha completado um ano de viagem... e seguia rumo a Madagascar. Shane falava da sua volta incerta a Australia, eu da minha possivel mudanca para fazer trabalho de campo em Israel. Naquele dia, tudo aquilo trazia um pouco de ansiedade enquanto ao mesmo tempo parecia tao longe.

Hoje eu acordei depois de passar apenas duas horas dormindo. Acordei porque o futuro tinha chegado no presente. O Shane estava indo embora. O Chi que eu acompanho pelo site do couchsurfing e por trocas de email esta agora na Uganda e eu, que acabo de voltar da Palestina, abandonei meu doutorado.

Lembro que naquele dia sentada em volta da mesa Chi disse que descobriu um dia que precisava sair por ai ate encontrar um lugar. "Nem todo mundo eh assim" ele explicou. Quando eu finalmente mandei meu email final de Beit Sahour na Palestina para minha supervisora explicando que dessa vez nao tinha volta eu estava de fato abandonando meu doutorado senti um misto de desespero com alivio. O que é mesmo que eu faço agora?

Mas se tem uma coisa que eu aprendi no Oriente Medio é que medo é arma mais manipuladora, e mais perigosa que existe. O medo que meus amigos israelenses sentem nao permite que eles descubram que os meus amigos palestinos ali do lado do muro tem as mesmas duvidas, as mesmas insegurancas, as mesmas ansiedades e alegrias. Ter amigos dos dois lados do mundo é subversivo pois confronta os dois lados com a obvia humanidade.

Antes de eu cruzar o muro para couchsurf na Palestina meus amigos Israelenses ficaram aterrorizados. "Vc ta louca? Vc quer ir ficar na casa de um estranho palestino em NABLUS? Voce realmente nao quer voltar viva!". Confesso que vez ou outra senti medo antes de ir. Parei e pensei "sera que eu estou me colocando em risco desnecessario?". Esse simples pensamento me assusta, se eu nao tivesse cruzado o muro, se eu nao tivesse ido a casa de estranhos que conheci pelo caminho eu teria acreditado no que a midia, e os governos e todos esses orgaos manipuladores nos querem fazer acreditar. Que o diferente é perigoso. Que é melhor ficar no nosso proprio grupo. Que aquele povo de la nao está preprado para democracia, ou nao entende nada de direitos etc etc etc. Que eles nao sao como nos.

Medo faz isso. Nos congela no tempo e no espaço. Nos torna menos empiricos, e mais generalizadores das situações. Faz com que ideias como "preeventive strikes" sejam apoiadas. Medo nos faz ficar nas nossas "nao escolhas" por medo que a alternativa possa ser pior.

Mudanças são ao mesmo tempo aterrorizantes e libertadoras. Dizer adeus ao meu amigo Shane foi meio aterrorizante. Nessa vida de cruzar tantas fronteiras nunca se sabe quem se encontra de novo. Abandonar a minha nao escolha de doutorado pela verdadeira escolha de nao faze-lo por nao acreditar na minha pesquisa depois de ir ate a Palestina foi libertador. Muito libertador. Quando o carro que levou o Shane agora ao aeroporto desapareceu no horizonte me deu um certo medinho. Tudo bem a gente respira fundo, e lembra que a vida nao é estatica, que é tudo em movimento, e não adianta ficar se segurando no que está passando. Respira fundo e tenta soltar nas lagrimas e no ar o que no fundo sabemos nao faz sentido nenhum.

sexta-feira, maio 13, 2011

Firaz

Firaz tem 22 anos. Quando cheguei a Nablus na Palestina entrei numa casa meio que surreal. Tinha vindo de minivan de Ramallah cidade que serve temporariamente como capital administrativa da Palestina. Quando o taxi me deixou no endereço que Sam meu host tinha explicado por telefone ao senhor Palestino que sentou ao meu lado na viagem (e nao partiu sem antes ter certeza que eu estava dentro de um taxi indo na direcao certa) Firaz veio falar comigo. “Are we looking for you?”. Eu sorri e disse que nao sabia. “ Are you here for Sam, right?” Eu estava, Sam era meu host do couch surfer em Nablus. Cruzei a rua, entrei num prédio e segui Firaz, e outro rapaz, Yahya 25 ate o segundo andar. Entrei , cruzei o corredor entrei num sala com muitas cadeiras e uma mesa cheia de uma variedade de frutas, e então me levaram a um quarto.

Senti me meio que como num filme em algum lugar meio alem da realidade. No quarto, havia umas cortinas amarelas que davam uma luminosidade toda especial. Uma cama enorme onde Sam falando no telefone estava sentado. A volta varias cadeiras, 6 laptops, muitos telefones, varios meninos, e uma menina. Lorna, 23, tbm couchsurfer me ofereceu café. Sentei e de repente apareceu um homem trazendo café árabe para mim. Lorna, riu, “ se acostume, daqui para frente eh assim. Eles vão fazer tudo para voce.”

Fui conhecendo aos poucos os meninos. Por alguma razao Firaz veio e sentou se ao meu lado num momento que eu estava sozinha. Contou me sua estoria “ voce sabia, que antes da Lorna vir aqui eu nunca tinha falado com nenhuma mulher fora da minha familia?” Eu nao sabia eh claro. Ele me explicou que as escolas eram todas separadas. “Entao quando ela chegou e falou comigo meu coração bateu forte, e eu não sabia direito o que dizer.”

Lorna rindo disse “ eu disse, tudo bem Firaz eu sei que vc não gosta de mim por isso nao fala comigo.” Alguns minutos depois ele se aproximou dela e disse “ vc ja andou de burro?”. Sua primeira frase a uma mulher tinha sido essa. Lorna contou chorando de rir. Os outros meninos que sempre tiravam sarro de Firaz continuaram rindo. Firaz como sempre nem ligou. Se aproximou de mim e foi contando sua estoria.

Contou do sangue correndo nas veias de nervoso, contou das vezes que nao passou nos exames da escola, contou de ficar as vezes muito deprimido. Para quem nunca tinha falado com uma mulher antes, ele de repente se abriu completamente.

Horas depois quando Firaz que é um devoto muçulmano, descobriu que eu meditava e fazia yoga ficou animadíssimo. Mil perguntas. E eu completamente intrigada por ele querer saber tanto sobre todo esse mundo tao longe de Nablus na Palestina. Brincando disse que eu sabia ler mão.

Peguei a mão dele e no meio de todos comecei a repetir o que ele tinha me contado. “ Firaz estou vendo aqui na sua mao que vc nunca tinha falado com uma mulher, etc, etc”. Eu estava obviamente brincando, e ele meio que percebendo dizia “ isso tudo eu que te contei”

“Voce esta duvidando da minha habilidade, da minha competência de “palm reader”. Os meninos riam, Lorna ria, quando Firaz do nada diz “ por acaso diz alguma coisa ai sobre eu querer me matar?”

Todos os meninos que sempre tiram sarro dele emudeceram. A mao dele na minha e eu sem hesitar sabendo que ele queria falar disso disse naturalmente:

“ Diz sim, diz que vc quando ta deprimido , quando nao passa nos seus exames, quando sofre as vezes pensar em morrer. Mas tudo bem, todo mundo pensa isso de vez em quando.”

Disse isso e continuei lendo o que ele tinha me contado. No final, ele olhou para mim e disse:

“ Voce nao sabe ler mao, vc repetiu tudo que eu falei!”

“Sinto muito eu sou uma ótima palm reader tá tudo escrito ai : )”

“ E tem mais, isso do suicidio eh mentira!”

“Sinto muito Fayez, o que ta escrito ta escrito” disse brincando pois tudo tava em tom de brincadeira.

“Ta bom, eh verdade, mas foi so uma vez”

Eu nao conseguia acreditar que ele estava abertamente falando de algo tao privado em meio a umas 8 pessoas. Eu percebi que ele queria falar disso entao perguntei o que tinha acontecido.

“Uma vez eu quase me joguei de uma montanha, mas ai varias pessoas vieram me salvar.”

“Firaz, como eles sabiam que voce estava la?”

“ eu tinha ligado para um amigo meu. Voce acha que eu sou louco?”

“Firaz vc nao queria morrer. Voce queria ajuda. Voce precisava de atencao e fez muito bem de pedir. Todos nos precisamos de ajuda.”

Assim, foi logo o meu primeiro encontro com Firaz. Fiquei intrigada com sua sensibilidade. Fiquei impressionada com a sensibilidade dos outros meninos que sempre tiram sarro dele mas ali naquele segundo ficaram em silencio respeitando aquele momento. Logo ali de cara, Firaz e eu ficamos conectados. Firaz por ser tao espontâneo me mostrou muito sobre o mode of thinking palestino muçulmano de um menino que nao fala com meninas. Com toda sua sensibilidade me impressionaria muitas outras vezes. Mas eu vou contando isso aos poucos. Levou apenas um encontro para comprovar para mim o que eu ja sabia, que as estorias e imagens que nos contam sobre o jovens da Palestina como violentos, como incapazes de pensamento critico é longe de real. E levou muitos outros encontros para eu ir percebendo cada vez mais o tamanho da generosidade desses meninos que eu encontrei.

quarta-feira, maio 11, 2011

No Oriente Medio

Faz tempo que eu nao escrevo aqui no blog. Dessa vez tenho uma razao legitima. Nao foi definitivamente por falta do que dizer. Foi por estar viajando por 6 semanas no Oriente Medio. De la mandei e-mails a meus amigos, mas mesmo esses nao podiam ser escritos toda a hora.

Fui para ficar 6 semanas em Tel Aviv aprendendo Hebraico para ir me preparando aos poucos para voltar em setembro para meu trabalho de campo. Voltei tendo passado quase 4 semanas na Palestina, nao aprendendo hebraico, e abandonando o meu doutorado.

Fazia tempo que eu queria cruzar para o outro lado. Da ultima vez que estive em Israel eu tambem quis, mas alguma coisa me impediu. Dessa vez eu passei duas semanas enrolando mas uma vez que cruzei nao queria mais voltar.

Visitei Ramallah, Nablus, Belem, Beit Sahour, Beit Jalla, Hebron/ Khalil, e Jericho. Fui e voltei diversas vezes a essas cidades ja que tudo eh muito perto. Fiquei na casa de Palestinos que conheci pelo couchsurfing, e ate mesmo em taxis. Nunca senti medo. Nunca fui maltratada. Nunca me senti fora de lugar.

A hospitalidade é aquela lendaria dos arabes. Impossivel de comecar a explicar o tamanho da generosidade que eu encontrei. Emocionei me diversas vezes por nao compreender a existencia do muro. Entao nos meus proximos posts vou contar um pouco as estorias das pessoas que conheci do lado de la. Pela primeira vez nao vou usar os nomes reais das pessoas por respeito as suas identidades ja que naquele lado do mundo tudo pode ter consequencias.

quinta-feira, março 10, 2011

Busca

Tenho estado meio deprimida. Quase que todos os dias eu reconsidero meu doutorado, faço planos de ir trabalhar na Tailandia, dar aula na China, voltar para o conforto da minha casa no Brasil. Faz 10 anos que eu moro direto fora do Brasil. Eu na verdade, nem sei direito como seria morar em sao paulo. Fica assim quase que tão vago como morar na Tailandia, ou na China. Minha suposta pesquisa em Israel é muito interessante, mas as vezes confesso, da uma preguica. Começar tudo de novo, num outro pais, numa outra lingua. Quantas vezes eu ja fiz isso mesmo? 6 paises, 7 cidades, e Ja nem sei mais em quantas casas. Quantos ola, quantos adeus.

Esses dias eu estava conversando com minha amiga Sabrina. Que ta la em Boston fazendo pos doutorado em fisica. Ela que tbm mudou tanto. Tambem estava exausta. Cansada de tanta mudanca. Tanta instabilidade. Nao que a vida de todo mundo não seja sempre instável. Mas nos nos especializamos nisso: ficar mudando de país atras sei lá do que. Os encontros vao ficando cada vez mais valiosos, porque a solidão existencial tbm aumenta... ainda mais assim quando nos nao temos a ilusao, nem a realidade de ser parte de um grupo fisico que tenha raiz em algum lugar.

Acho que seria hora de voltar a fazer vipassana. Lembrar me mais uma vez de manter equanimidade diante de tanta mudança. As vezes tenho a impressão que por nos fazermos responsáveis por essas escolhas de ficar cruzando tantas fronteiras nos dá essa enorme angústia. Sempre imaginando onde será o lugar mais adequado. Num lugar a familia, no outro o sol, no outro a comunidade academica e intelectual a qual nos acostumamos. Tudo espalhado. E fazer escolha é ter que escolher que parte sua faz mais sentido. IMpossivel, no reconhecimento de toda nossa incoerencia humana.

Como mostram as pesquisas psicologicas escolha demais aumenta e muito a angustia.... no entanto, given the option, acho que ninguem escolhe ter menos escolhas. Quando eu sento toda segunda-feira com meu grupo de doutorandos fico pensando nisso. Todas essas nossas escolhas. Sentamos a volta de uma mesa, na Selgiman Library, na mesma sala onde Malinowski comecou a tradicao dos seminarios de sexta feira no departamento da LSE.

Segunda-feira nos sentamos para falar das nossas pesquisas. Nunca penso muito nessa conexao dessa sala com a tradicao da antropologia britanica. Nao. Eu olho a minha volta e vejo uma grega que vai para amazonia peruana, uma colobiana que vai para o ecuador, uma holandesa que vai a India, uma alemã, um americano, e um italiano que vão para a China, um americano que vai para Jamaica, um russo que vai para Siberia, 3 ingleses, um que vai para a Siria, outro para as Filipinas, e um para Amazonia, e eu uma brasileira que quer se meter entre Palestinos e Israelenses. Tirando os 3 ingleses, todos nos ja somos estrangeiros aqui, e ainda assim escolhemos ir fazer trabalho de campo num outro lugar distante.

O que será no fundo que buscamos encontrar? Eu sei todas as nossas explicacoes antropologicas, filosoficas, politicas, cognitivas. Essas que nos colocamos nos formularios, nos nossos proposals. O que eu nao sei muito bem, é oque no fundo de cada uma dessas pessoas incriveis que eu encontro toda segudna feira, faz com que elas queiram ir parar no meio de uma tribo na amzonia, ou numa fabrica chinesa. Nem eu sei direito o que me faz ir a Israel.

Sem dúvida acho que vamos buscando sentido. No entanto, se sentido já nos falta agora, me pergunto o que acontecerá na volta. Depois de dois anos vivendo de observar uma sociedade alien. O que acontece quando de repente tudo comeca parecer fazer sentido e esse é o sinal que é hora de voltar. Como se alguem viesse mais uma vez e arrancasse o tapete por debaixo dos nossos pés. Eu sei que eu ja escrevi aqui antes, que acho importante cultivar o estranhamento das coisas. Não sei se é idade, o frio, ou simplesmente um momento passageiro. So sei que chega uma hora que o estranhamento de tudo cansa. E dá uma saudade, uma vontade de voltar ao principio onde tudo era familiar. Mas assim como as escolhas.... sabendo que elas existem, ainda que eu saiba que ter muitas delas me faz infeliz, eu acabo sempre.... cruzando mais uma fronteira.

quarta-feira, fevereiro 23, 2011

Opressão e Hipocrisia

Os protestos do Marrocos foram brandos, especialmente se comparado ao que está acontecendo no resto do mundo Arabe. O mundo realmente esta em chamas, volatil! Eu estou resfriada, e meio febril, mas nao desligo a Al Jazeera em Ingles. Que verdadeiro absurdo o que esta acontecendo na Libia enquanto a ONU, a NATO, e todas as outras ligas ficam "drafting resoluções". Quando eu comecei a ouvir a Al Jazeera ouvi um soldado explicando de Bengazhi, segunda cidade da Libia, que 130 soldados de Benghazi tinham sido mortos pelos soldados de Tripoli por se recusarem a atirar na população . I sso aconteceu se bem me lembro sabado ou domingo.

Meu amigo Shmri, refusenik ( israelense que se recusa a ir ao exercito, e no caso dele passou dois anos preso com ato de resistencia civil, escrevendo da prisao para uma revista) me mandou uma mensagem me perguntando se eu tava ouvindo o que estava acontecendo na Libia. Ele que trabalha no Global Governance da LSE me explicou que o Saif, filho do Gaddafi, tinha tbm estudado na LSE e que o David Held ( supervisor do Saif e do Smhri) dizia que ele seria a nova face da Libia.

Durou bem pouco a ilusão, só até nos ouvirmos pela Al Jazeera o discurso do Saif falando de guerra civil, de governo islamico ou ditadura, de rios de sangue, de lutar até a última bala. Como assim? Todo mundo que eu conheco que conheceu o Saif dizia que ele era um moderado. Continuamos pelos dias seguintes ouvindo a Al Jazeera, vendo as imagens que algumas pessoas conseguiam mandar. O caos na praça verde, Benghazi ser tomada pelo protestantes, noticias de helicopteros atirando na populacao, noticias das milicias que o Gaddafi contratou. E ontem durante o dia eu ouvi uma hora e meia de um discurso insano de um lider completamente fora da realidade. A unidade de um pais mais importante do que as pessoas. Usou a china, usou a russia e mais muitos outros exemplos de dar calafrios.

Hoje assisti numa outra cidade a populacao rasgar o livro verde da libia ( uma tipo constituicao de onde ontem gaddafi leu umas ameaças brutais). Entre essas noticias aperecia tbm o Yemem, a Argelia, Bahrain, e o terremoto na Nova Zelandia. Uma ONU ridicula explicava que era feriado nos eua, e depois marcava um encontro para a tarde de terça. Claro ninguem quer se compremeter. Como é que a China ou a Russia vao apoiar protestos. Cada segundo que se passa no entanto nos assistimos de camarote mais alguem sendo morto na LIbia.

Da ONU saiu um press release bem bunda. "Condenamos a violencia" ou uma coisa ridicula qq como essa. Ouvi uma pessoa dizendo da Libia. Isso nao é suficiente nos precisamos de ajuda! Não dá para nao pensar na hipocrisia da Europa preocupada com o oleo e os imigrantes. Nao da para eu nao lembrar de Bush venting sobre ir la para o Iraque exportar democracia. É a chance agora... As pessoas estao la implorando ajuda. Fechem o ceu pelo menos!

Enquanto tudo que eh gente do governo fala da uma guerra civil, das pessoas que eu ouco da Libia se fala de uniao. Uniao em remover um tirano. Sera que o ocidente vai ter que finalmente confrontar sua hipocrisia? Quando nao é mais possivel usar ladainha de democracia e liberdade ja que o povo esta na rua expressando sua liberdade e sendo massacrado por ditadores tanto tempo mantidos ou pelo menos aceitos pela comunidade internacional por decadas.?

E ao mesmo tempo é claro ameaças do Gaddafi de explodir as pipelines! Recebi uma mensagem no Couch Surfing ontem. Um marroquino pedia para ficar na minha casa. Expliquei que eu nao podia recebe-lo na data, mas perguntei como estavam as coisas por la. Nao disse muito. So expressei meu apoio. A resposta que recebi foi de arrepiar. Um menino. 23 anos que falou com uma clareza. Sabe de uma coisa eu vou colocar as palavras dele

"Oh jules, thank you for carring, I didnt stop listening to al jazeera the whole day, I have both of them now, arabic and english, And right now i am listening to a libyan student speaking from sweeden that the ANIMAL called Kedafi threaten them with bringing them back home and killing all their families if they speak, god, I cant keep on listening, he is crying, are the arab so cheap, no body moves? no one, italia is given its lands to the lybian airforce plan to fly from, No one have said a word; he wants to burn all libya before he leave it, he says I made libya I will destroy it, no body moves? of course thats what Bilderbeg club wants, whatever we call them, the G20, the capitalists, everyone who makes a money from firing a bullet, god Jules, i cant write right now, am really shaking right now, cant write cant focus, things in Morocco are fine, the king is a good person but the thieves around him should be hunged, they been for years on power, they get rich, they seal our blood and brain for nothing, can u imagining that I as a computer engineering can work with nothing but some euros a month for a european company, 'outsoucring', it doesnt even cover the cost of the education, things sucks, and sucked since forever for us, if you are online i do have a facebook i rather chat than write, no worries about the cant host thing, I wont come till march, mid march, thats for now, i dont know if things will stay the same, this is a new Era for us, a revolution one"

São pessoas como essas que estão fazendo a revolução. E elas não são muito diferentes de mim ou de voce. Não se deixem enganar que elas sejam. As pessoas são as mesmas. Exaustas de tanta opressao e hipocrisia!

domingo, fevereiro 20, 2011

Pensamentos no trem: De Jean Rouch ao Mundo Arabe

Mais uma vez estou em movimento. Mas nao estamos sempre em movimento? Em movimento na minha mente quer dizer cruzando alguma fronteira imaginada, e sabendo disso, esperando que isso de alguma forma mude algo. Essa cruzada nem se quer é muito cruzada. So vou até ali, até Paris, só por uns dias. De certa maneira tão mais perto que muito lugar na Inglaterra. E com o tanto de frances que se ouve nas ruas de Londres…. Nao chega nem sequer a realmente ser uma grande mudança :)

Depois de receber pessoas por quase um mes sem parar pelo Couch Surfing, paramos. Paramos depois da doce Severine, francesa, que vive num vilarejo de mil pessoas em Devon. Severine que morou na Eslovaquia, e Croacia, e que tao pouco se imagina vivendo em lugar nenhum.

Chorei de rir ouvindo as estorias da vida no country side britanico. Ela nos contou que participa quase de tudo que acontece, encontros, bingos e até do book club das senhoras da cidade. Contou que sempre se surpreende com os pensamentos dessas senhoras que ficam a maior parte do tempo em casa, e que moram num vilarejo de 1000 pessoas. Como ela colocou… “quando vc para para ouvir todo mundo é interessante :)”

Nem preciso dizer que meu encontro com Severine foi inspirador né? Encontrar pessoas assim que acham beleza nesses pequenos detalhes sempre me encanta. E só de pensar que eu que estava em meio a uma tempestade de Couch Surfing requests quase não a recebi....

A mensagem no Couch Surfing de Severine começava “ Fancy a tea talking about Jean Rouch”. Achei aquilo intrigante,Jean Rouch , é pouco conhecido , um cineasta do cinema verite de quem alias eu ja escrevi antes aqui. Jean Rouch tinha sido seu professor. Segundo ela, uma dessas pessoas que é melhor conhecer pelos filmes que ao vivo. Um pouco arrogante, e desiludido com a nova geração. "A grande geração ja passara". Nos perguntamos o que ele acharia dos Egipcios que não só demoveram o Mubarak do poder mas depois todo o governo.

Eu que assisti pelo Democracy Now, e Al Jazeera a noticia da queda do Mubarak …e vi as pessoas na praça fiquei tão emocionada. Não sei se vcs viram nos dias que se seguiram… Algumas centenas de pessoas ainda na praça Tahrir… e os militares vindo remove-los. Os egipcios sentaram no chão. Não atacaram ninguem. Sentaram. E ao ouvir a noticia milhares de pessoas sairam de suas casas e foram se juntar aos protestantes nas ruas. E assim o governo inteiro caiu!

Eu não sei o que acontecerá agora. Não sou especialista em questões egipcias. O que parece nao ter sido uma desvantagem em prever o futuro :) Sei que dependendo do jornal que se le NY times, Guardian, Al Jazeera, Haaretz ( e note que eu me mantive nos mais “de esquerda”) a perpectiva muda muito.

Enfim, esse post vai de lugar nenhum, a lugar algum. Vai como meus pensamentos pelo trem. Quanta coisa acontecendo nesse comeco de millenio.

Esse post começou na terca dia 15 quando eu estava no trem vindo a Paris. E agora eu volto a escrever nele da Gare du Nord. Ao rele-lo vi o tanto de coisa que eu ainda tenho para dizer. Coisas que aconteceram em Paris e que se ligam tanto a tudo que eu tinha escrito antes. Para que este post nao fique enorme so vou falar de uma das muitas coisas. Queria falar do meu jantar com meu querido professor Maurice Bloch, que tbm falou do Jean Rouch. Queria falar do Argelino que eu encontrei na rua. Mas eu so vou terminar falando da Leila.

Leila, minha querida amiga marroquina, com quem morei em NY e de quem tambem ja tanto falei estara na noite do dia 20 fazendo parte dos protestos no Marrocos. Esses protestos que se espalham. Toda essa volatilidade do mundo arabe agora. Na sua pagina do Facebook vi que eles marroquinos da classe alta nao sabiam muito bem do que se tratava o protesto, e nem tao pouco onde era. Todos pediam a ela, Leila, que tomasse cuidado.

Leila, minha querida Leila, explicava que eles que podiam fazer alguma coisa de diferente na sociedade marroquina tinham que ir. Tinham que ouvir, que assitir que protestar que pelo menos realmente entender o que estava acontecendo. Eu escrevi a ela que tomasse cuidado. E eu que as vezes vou la naqueles protestos das ruas europeias… naqueles protestos que ja nos causam furia ficar kettled… mas que no fundo sabemos que nao muda nada, e nada realmente nos acontece nao pude deixar de ficar emocionada em pensar na coragem dos egipcios, dos tunisiamos… no povo da libia sendo morto a queima roupa, nos 30 mil soldados na argelia, e na minha amiga que eh de mundo divido… da classe alta francesa marroquina… mas que nao deixa nunca de tentar entender o mundo mais a fundo, mais de perto.

Entao eu termino esse post mais uma vez sem ponto final. Apenas com meu pensamento nessas pessoas que tem a coragem de ir a rua. QUe estao exausta dos abusos. E cansa é claro ver as revolucoes serem roubadas do povo e o poder ser sempre restabelecido para continuar satisfazendo os interesses das elites do ocidente. Ainda assim eu termino pensando que o Jean Rouch estava errado…

sexta-feira, fevereiro 11, 2011

Galhos, Vacas e Antropologia

Eu que detesto despedidas acabei de arrumar um jeito de me meter ainda mais nelas.... couchsurfing. Hoje o Chi foi embora. Ontem a noite fizemos uma festa do Oriente Medio para sua despedida. Eu sei, eu sei... não faz sentido nenhum, mas fazer o que a idéia surgiu... e assim passamos, eu e alguns amigos do meu doutorado, dancando até hoje de manhã.

Chi partiu me deixando com algumas coisas na mão: um selo do Taiwan e uma nota do dinheiro da Mongolia... Pois é, bem que ele tinha explicado que os asiaticos prestavam muita atenção no comportamento dos outros. Ele lembrava do meu sonho de ir a Mongólia. E partiu dizendo que se fossemos arvores, e alguem quisesse me encontrar, que teria que ir seguindo os galhos, que vao se dividindo, e se dividindo, e se dividindo ate chegar em mim. "Voce ta la na ponta. Vocé muito especial. Pouca gente vai te entender de verdade. Bem pouca, vc vive voando por ai." Disse isso de maneira doce, mas eu senti uma enorme solidão. O que será que quer dizer eu estar la na ponta? Enquanto todo mundo ta no chão ?

Ele também me disse que o meu otimismo tinha pegado um pouco nele, isso me animou um pouco mais. Por fim me disse que eu podia sempre contar com ele. Quando eu fiz uma sacolinha de frutas e nozes para ele levar na viagem de onibus até Paris antes de partir para Madagascar ele riu e disse " Para Jules, eu ja te devo demais, desse jeito eu vou voltar na proxima vida como sua vaca."

Eu ri, e fui la levar a porta um viajante que ficou aqui em Londres 10 dias. 8 desses dias na minha casa. Fiquei imaginando que logo logo ele cruza para Madagascar, de onde eu sei tanta coisa, por ter como professores Maurice Bloch, e Rita Astuti. Ele planejando a viagem a Africa por estrada que nem sabemos se realmente funciona. Chegara no Sudão do Sul alguma hora. Um Taiwanes por la descobrindo os caminhos que se ligam na minha mente ao Michael Palin indo de polo a polo.

Fiquei pensando nas coisas tolas. Como de certa forma parte minha vai estar por aí andando pela Africa. Alguma parte que eu troquei sem nem se quer ter percebido. Um atomo, um pensamento, um amendoim esquecido no bolso. Ainda mais estranho foi pensar que eu que gosto tanto de viajar senti assim: que viajar ficando na casa dos outros assim.. deve ser dificil demais. Maravilhoso demais e dificil demais.

Eu aprendi tanto conversando com o Chi. Nada da historia da China, do conflito de Taiwan, nem das suas viagens. Ele falou de tudo isso é claro. Tudo isso podia ter sido lido num livro. Eu aprendi um pouco sobre como é outra maneira de pensar. E isso para mim uma hard core cognitivista é impressionante. Observa-lo na festa. Observar seus comentarios. Suas perguntas. Um Taiwanes muito diferente dos outros que eu ja conheci. E eu não to querendo aqui enfatizar nem similaridade cultural, nem diferença individual. Mas levando toda essa diferença meta-representacional a sério diz o que sobre a nossa cognição ? Meu deus.... será que eu to me convertendo para o lado dos antroplogos culturais e sociais ? Não, talvez seja so uma parte do Chi que ficou por aqui.. talvez seja uma parte dos antropologos tipicamente sociais com quem tenho passado tanto tempo ultimamente....

quinta-feira, fevereiro 03, 2011

Ano Novo Chines



Hoje começou o ano do coelho. Eu nunca tinha celebrado o ano novo chines, mas como a Iva minha housemate é malay-chinese por parte de mãe, e celebra todos os anos o ano novo chines com a mãe, ela propos que nos celebrassemos aqui. No dia, que ela propos eu nunca imaginei que a celebracao, a nossa celebracao fosse ser tão divertida. Concordamos que iriamos.

Logo em seguida recebemos um couch request ( um pedido para ficar em casa pelo couch surf ) do Chi. Chi um chines de Taiwan explicava na mensagem que estava viajando por um ano, e que viajaria mais dois. Na hora que eu li soube imediatamente que queria conhece-lo. Eu NUNCA conheci um viajante Chines antes. Já conheci turistas. Agora viajantes, desses que ficam anos por aí normalmente são Europeus, Australianos, Americanos...

Chi chegou. Reservado, e ao mesmo tempo muito falante para um Chines. Nos encantamos todos com ele. Ele que saiu de Taiwan, de la foi para Hong Kong cruzou a China por terra, depois a MOngolia, depois a Russia, entrou na EUropa pela estonia e foi descendo até a Grécia. De lá veio para Europa Ocidental e subiu até o Reino Unido. Daqui voa para Madagascar e pretende ir subindo a Africa até o Egito que até lá esperemos que as coisas estejam mais resolvidas. Depois fará o Oriente Médio, o sudeste Asiatico e entao voara para a America Central e descera para América do Sul. Ufa... só escrever isso já cansa :)

Claro que eu tenho um milão de coisas para dizer do Chi. Dos milhões de perguntas que eu fiz...As pessoas ele acha se dividem mais entre pessoas do campo e das cidades, do que realmente de paises.As pessoas do campo em qualquer lugar vem falar ocm ele. Sentam para comer, ainda que nao possam realmente conversar, ainda que não se compreendam... "we have a great meal". As pessoas do campo são parecidas em todos os lugares. A Europa ocidental ele achou um pouco desapontadora as pessoas são mais parecidas aqui que nos outros lugares onde esteve. Ele pensa com uma clareza. Fala de uma maneira tão delicada, ponderada que nos deixa todos encantados. Claro que eu o convidei para celebrar o ano Chines.

Depois enquanto estava contando sobre ele na minha aula de doutorado, resolvi apresenta-lo a Desiree. Desiree é alema e fará sua pesquisa em Taiwan e na China. Saindo da aula encontrei Anting. Anting é uma chinesa que estuda filosofia da ciencia na China e está de passagem nos visitando na LSE. Reservada fala bem pouco ingles, e como eu sei que ela quase nunca fala com ninguem eu a convidei tambem.

Nos encontramos em Leceister Square. E fomos juntos andando pela China Town. Encontramos um restaurante que nos coubesse. Entramos sentamos e pedimos comida para dividir. Chinese style. Na mesa uma Chinesa, um Taiwanes(?), um holandes, um australiano, uma alemã, uma brasileira, e uma chinese-malay/francesa. No final do jantar propus mais uma vez o ritual. Aquele onde cada um fala o que tem para falar.

Foi tão tocante. Iva nos agradeceu por ser sua familia aqui. Chi agradeceu pois nunca imaginou que teria uma celebracao. EU agradeci o encontro. todos falaram de viajar, da impermanencia de tudo. Quase todos nos naquela mesa nao sabemos muito bem onde estaremos daqui a 3 meses.

O que mais me tocou foi Anting. Ela me agradeceu. Explicou -me que nunca tinha passado um ano novo sem a familia e que o teria passado sozinha no quarto dela se não fosse o meu convite. Contou me que eu tinha sido a primeira pessoa a sorrir para ela, a primeira pessoa a abraça-la, a unica pessoa a convida-la para ir no bar da faculdade. Contou me que toda a familia dela sabe sobre mim. E eu fiquei emocionada. Muito emocionada. EU a convidei sabendo que ela era reservada. Sabendo que falar pouco ingles faz a vida dela dificil. NUnca imaginei que esses pequenos gestos pudessem significar tanto.

Esse ano novo chines me lembrou mais uma vez o poder das palavras e dos gestos. Nos nunca sabemos o que acontece com eles depois que os soltamos pelo ar. Eles tem que ser o nosso melhor, o nosso mais verdadeiro porque eles vão encontrando pessoas por aí. Eles vão transformando o mundo por aí. E as vezes a vida nos permite ver um pouquinho como eles transformam o mundo, e quando é para o melhor, quando é trazendo conforto e alegria a outra pessoa, é sem dúvida um grande presente.

quarta-feira, janeiro 26, 2011

Circulos

Quando eu fui para Israel em Setembro fiquei na casa do Netanel em Jerusalem. ELe, que é guia turistico, teve a paciencia de me contar 4000 anos de historia em uma longa caminhada. Passou dias comigo me mostrando todos os detalhes de Jerusalem. Eu, como já deve ter ficado bem claro, presto mais atenção em gente, do que predios. Então enquanto eu ouvia atentamente ao meu guia privado, especialista em todos os segredos historicos e arqeuologicos de Jerusalem, eu secretamente me distraia olhando os ortodoxos com seus chapeus, os Cristãos alugando suas cruzes, as mulheres e suas perucas, as crianças que corriam, os homens arabes tomando seus chá sentados numa mesa qualquer numa daquelas milhares de ruelas.

Eu olhava para o que ele me explicava, eu prestava atencao; no entanto, o que me chocava, e entretia sempre mais era imaginar que por aqueles milhares de anos as pessoas andavam naquelas ruelas, que o chao é marcado dos passos, de milhares de pessoas com milhares de duvidas existenciais, certezas religiosas, preocupações mundanas sempre carregadas nas pernas dessas pessoas.... sempre ficando ali no chao daquela cidade que se pudesse falar faria tão pouco sentido como faz sendo vista.

Netanel me levou aos mercados, aos lugares secretos, a econtros do couch surfing, me contou as lendas, as historias, cozinhou para mim, me explicou os caminhos todas as vezes que eu ligava perdida. Falamos de viajantes, do gato, da mae, de musica da irmã. Um pouco sobre o exerctio... bem pouco porque quando eu fiquei na casa de Netanel eu ja tava meio que emocionalmente exausta. Combinando a personalidade reservada dele, a minha exaustao quanto a questões tao emocionais como a questão Palestina na minha estadia em sua casa nos nunca falamos nada sobre isso.

E agora aqui em Londres, em meio ao turbilhão de mudanças, perguntas sobre que caminho seguir, como é que eu recomeço, faço doutorado, largo doutorado? Mudo de volta para o Brasil, vou para Romenia, para a Tailandia? eu recebi esses dias aqui em casa o Netanel. Fazia 4 meses que não nos viamos. E a chegada dele trouxe um pouco de calma... afinal não dá para ficar deprimida com um visitante. Não to querendo contrariar os gregos :)

Netanel foi nosso primeiro Couch Surfer nessa casa. Foi incrivel. Incrivel como sempre é. Eu fui sem dúvida pior anfitriã e pior hóspede do que ele.... que ja chegou trazendo alento, zatar e canela de Jerusalem. Chegou ja cozinhando. Chegou de mansinho, ficou bem quietinho. Eu nao pude contar a historia de nada pq eu nao sei a historia de nada. Eu tava mais para calada considerando as circusntancias.

Ontem a noite no entanto, no nosso ultimo jantar que ele cozinhou para todos nós propus que fizessemos o ritual da minha despedida. Dessa vez o bastião da fala foi um "nao sei como se chama" budista. Como um prayer bell daqueles de girar com a escritura dentro. Quem começou foi a Iva agradecendo a vinda de Netanel. Agradecendo por aprender sobre esse jeito de viajar sem sair de casa. Eu não vou falar do que todo mundo falou pois levaria muito tempo. Como sempre foi bonito.

Agora o que me tocou mesmo foi o que Netanel contou. Netanel que nao é um ativista me contou que ele já tinha estado na Palestina como soldado. Tinha estado carregando fuzil, com as costas na parede e com medo. Que faz 2 semanas organizou um grupo de couchsurfing para ir a Palestina. Foi pela primeira vez como civil. Entrou no campo de refugiados. Conversou em broken arabic. Quando disse que era Judeu foi tratado com total surpresa. Depois que voltou para Jerusalem recebeu um palestino em sua casa. Um couchsurfer. Contou das conversas. E conclui dizendo:

"Antes de eu ir, eu achava que para melhorar a situacao a Palestina precisava ser melhorada materialmente. A situacao la é terrivel. Eu achava que o principal para vivermos em paz era que eles pudessem melhorar economicamente. Agora que eu fui la, sem fuzil, sem estar com as costas na parede eu sei que isso não é o suficiente. É importante mas não é o suficiente. Agora eu sei que a unica coisa que realmente pode nos levar a paz é contato."

Meus olhos se encheram de lágrimas. Assim como se enchem agora. Esses dias eu vi um TED talk onde uma escritora turca começava contando que foi criada pela mae secular, e a avó muito mistica. A avó, ela explicou, sempre recebia pessoas que vinham benzer suas verrugas e marcas na pele. A avó benzia e fazia um circulo com uma caneta a volta da marca. Os pacientes voltavam com as marcas desaparecidas. A autora explicou que dizia a avó que se intrigava com o poder da fé. A avó então disse a neta " Sem duvida a fe move montanhas, mas nao se esqueça do poder dos circulos. Tudo que vc fecha em um circulo, rodeia acaba se destruindo,se consumindo... desaparece"

Ouvindo o meu amigo que não é um ativista sair do seu circulo para encontrar o outro de outra cultura me toca. Não é necessario abandonar a sua identidade para encontrar o outro. Agora ficar só no seu grupo, no seu circulo é bem perigoso. Eu concordo com a autora turca que fala do poder das estórias. Estória nos levam a conhecer o outro. E como vcs bem sabe eu acredito no poder dos encontros. Encontro, amor e compaixão são realmente as unicas coisas verdadeiramente subversivas.

quarta-feira, janeiro 12, 2011

Ponto e virgula

Cruzei as mil fronteiras imaginadas, que no céu parecem ainda mais absurdas, dormindo. Acordada as vezes me vinha umas lembrancas soltas. Nossa quanta coisa aconteceu enquanto eu estive no Brasil. Quanta coisa dentro de mim. Cheguei a uma Londres nem tão fria nem tão cinza. Cheguei já com uma mensagem de texto de um amigo yogi me desejando as boas vindas. Sorri, não há nada melhor do que ser acolhida assim de cara por amigos que voce não imaginava que saberiam a duração da sua ausencia.

No meu último post eu estava assim, me sentindo sem ponto final. Estava totalmente fora de lugar. Querendo ficar e tendo que ir. Inventando mil cenarios onde em todos eu parecia estranhamente fora de lugar. Tudo isso tem a ver com o tempo. Em grego, aparentemente, existe a diferença entre Chronos ( o tempo cronologico) e Kairos ( o tempo, o momento supremo). Aliás isso é tão parecido com o BUdismo. A impermanencia de tudo é no Chronos. Estar sempre presente deve ser Kairos. Acontece que nesses momentos Kairos dá um medo de perde-los no tempo. No Chronos :)

Eu tava assim perdida em Chronos. Correndo atras daquele Kairos que só podia existir quando existiu. Sempre na frente ou sempre atras. Eu morria diariamente umas 10 mil vezes tentando encontrar. Até o dia da minha despedida. Aquela que no
último post eu esperava me sentindo sem ponto final.

Chegaram as pessoas. Amigos de varias partes. De varias idades. De varias ideias. E ali no encontramos. Primeiro em estorias de viagens, estorias engraçadas. Depois já no final da noite, Malu Barciotte, que eu tinha conhecido na Lapinha, e que ja tinha feito o ritual das lanternas que tanto mexera comigo propos um outro ritual. Eu não me lembro muito bem o nome do Ritual. Ele bascimanete consiste em ouvir o outro. Sentamos em circulo e escolhemos o bastião da fala. Eu escolhi a estátua africana. Uma cabeça de mulher que minha avó trouxe de uma viagem que fez a Africa. Maluh começou por explicar as regras. Quem segura a cabeça fala. Fala quem é o que pensa, o que faz, alias fala o que quiser. E nos todos ouvimos. Ouvimos com tudo. Sem interromper. Ainda que tivessemos mil perguntas, ainda que discordassemos, apenas ouvimos. E como é dificil só ouvir :) Quando concorda-se com uma ideia diz-se "Hou!". E no final da sua fala que dura o tempo que vc quiser termina-se por dizer " Eu sou ..., falei, Hei!" e nos respondemos "Hou".

O que sempre me impressiona em rituais é como é fácil para nós humanos nos conectarmos a eles. Vide o poder de religioes, futebol, exercitos. Fazer coisas juntos, sincronizar comportamento tem uma coisa evolutivamente, e cognitivamente muito forte. Então ali sentados em circulo observando as regras em pouco tempo o ritual ficou profundo. Maluh comecou falando de Arete. De acordo com Wikipedia Arete vem "de excelência, ligado à noção de cumprimento do propósito ou da função a que o indivíduo se destina. [1] No sentido grego, a virtude coincide com a realização da própria essência, e portanto a noção se estende a todos os seres vivos. Segundo Sócrates, a virtude é fazer aquilo que a que cada um se destina. Aquilo que no plano objetivo é a realização da própria essência, no plano subjetivo coincide com a própria felicidade."

Maluh começou ali falando do que fazia, ela que eh geneticista, artista e mais um milhao de coisas, falou de baixar um pouco a bandeira dos direitos e levantar a bandeira da responsabilidade. Em seguida falou Diego, que por ser filosofo, começou de Arete mesmo. Fiquei pensando dentro de mim naquela sincronicidade. E o resto da noite foi assim. EU que conhecia a todos pensava "meu deus, tantas coisas estão sendo ditas aqui que tantas pessoas precisam ouvir". Como é possivel uma coisa dessa que as vezes aquela coisa exata que precisa ser ouvida se transborda assim da boca do outro?

O nosso ritual foi profundo. Tão profundo que todos que participaram escreveram algo sobre o ritual, ou mensagens para mim. Fiquei pensando como ali, em tão pouco tempo as pessoas se conectaram com suas essencias. Mesmo as pessoas que falaram menos pareciam tão conectadas a tudo que estava sendo dito.

Minha buscas ali foram parcialmente resolvidas. Aquele sentimento de solidão que eu senti tantas vezes no Brasil se preencheu. Se preenche sempre no encontro com o outro. E esse outro tá em todo o lugar. Cheguei desencontrada e saí convencida que em qualquer lugar se encontra gente que tem as mesmas buscas. Ainda que as vivam de maneira muito distintas. Saí com um sentimento inabalavel de otimismo, de amor, de gratidão.

E saí sem precisar de ponto final. Me sentindo assim, num ponto e virgula. Afinal de contas a vida continua.

domingo, janeiro 09, 2011

Sem ponto final

É chegada mais uma vez a hora de eu partir. Já pensei umas mil maneiras de não partir. Mil coisas que poderiam dar errado e me prender aqui. Será que eu sempre faço isso. Confesso que eu já não sei mais se sou tão viajante, ou se por viver tanto essas mudanças o tempo todo acabei acreditando que sou. O que eu sei é que nessa manha faz sol la fora e a idéia de voltar para uma Londres gelada e sem luz é bem pouco charmosa.

Minha estadia no Brasil teve 4 fases. Um calendario lunar :) A primeira fase sempre começa comigo vindo tensa me escondendo no meu cantinho indo visitar a "maquina", fazendo meu exames, esperando o resultado, recebendo-os celebrando os e aos pouquinhos saindo da toca.

Na segunda fase eu fui me acalmar lá no sul com minha prima recem coincida de fato, mas como ja expliquei aqui, conhecida de muito tempo de dentro. Passei com ela o tempo da paz. Fazendo nada alem de ter conversas inspiradoras, caminhadas em meio ao verde, yoga, comendo comida organica, me encontrando com pessoas muito especiais. Renovando todas as baterias. Lembro de pensar enquanto estava na Lapinha que de fato 2010 tinha sido tranquilo que eu nem se quer precisava descansar tanto. Mas como a vida escreve certo por linhas tortas eu compreenderia depois que eu nao estava me renovando por esgotamento com o passado, eu estava me preparando para encarar o que viria no futuro.

A terceia fase foi o Rio de Janeiro. E o Rio de Janeiro foi tudo que há de intenso para mim. Sol demais, emoções demais, encontros demais, reencontros fortes.. e ainda uma despedida epica numa noite chuvosa onde eu acabei passando uma das piores noites da minha vida tentando fugir de um ataque um amigo meu. Foi epico. Chovia, eu chorava ele gritava. E eu que já tava meio esgotada antes da tal noite parti do Rio assim como quem foge esperando encontrar no deslocamento um cessar para toda o turbilhão e reviravoltas do dentro.

Então chegou a quarta fase: Ubatuba com minha familia. A fase de reavaliar tudo. O que é mesmo que eu to fazendo? Porque mesmo quero ir fazer minha pesquisa de campo em Israel? Porque é que eu moro em Londres? Porque é que eu deixo aqui tantas pessoas que eu amo? Perguntas, muitas perguntas sem resposta. Morria umas dez vezes por dia por não entender muito bem o tempo das coisas. Alguem que tiver lendo aí da uma luz. Como é que a gente sabe se quebra tudo? Ou se espera o furor passar? Não sei. Então eu nadei pedindo a todos os orixas e todo aquele resto de coisa que eu nunca nem sei quem é que tirasse ali no mar tudo. Andei a praia de ponta a ponta umas mil vezes. Fiz Yoga em todos os pedacos do meu jardim, em todas as partes da praia, em todos os pedacos de mim. Meditei na areia, na pedra, sentindo areia, sentindo o mar, sentindo os sons. Conversei com desconhecidos, com familia e até tive a chance de conhecer o grande flautista Toninho Carrasqueira e tocar com ele e seus amigos no Hotel da Dona Antonieta amiga da minha mãe.

Pronto e aí chegou a hora de partir. Voltei para Sao Paulo num choro silencioso de quem realmente nao sabe o que fazer. Será que toda vez eu passo por isso? Eu nem sei mais. Como é que a gente aprende a ficar no tempo nas coisas o tempo todo? Sem querer que ele se estenda ? Mas ao mesmo tempo como sera que a gente sabe que talvez nao esteja mais vivendo o tempo das coisas e por isso fica querendo fazer todo os resto se estender. Nao sei. E toda a meditacao do mundo nao resolveria, porque quando isso bate, bate assim sem vc querer se anestesiar, sem querer deixar passar.

Entao eu sento aqui na sala. Sento mais uma vez esperando meus queridos amigos aparecerem para dizer adeus. Muitas vezes esses adeus sao" Olas" pq na minha estadia eu nunca consigo ver todo mundo que eu queria ver. E sao nessas despedidas que eles vem dizer "Ola e Adeus" junto. E eu fico sempre com um nó na garganta. Sempre tento me convencer que isso é só até eu chegar do outro lado e me refaço nos outros encontros. Eu sei que um post devia ter conclusao... Normalmente eu concluo nisso em saber que do outro lado as coisas se resolvem mas nesse exato momento eu to me sentindo assim sem ponto final.