Estou em Berlin com meus pais. Vim encontra-los para passar um final de semana. A vida de morar longe tem sido assim. Nos encontramos no Brasil e em finais de semana por cidades espalhadas na Europa. Meus pais sao um milhao de vezes mais atleticos e mais em forma do que eu. Fico exausta. Agora que viraram especialistas em viagem, viajam com malinhas minusculas, 8 kg cada um, calcas com muito bolsos e todo equipamento possivel e imaginavel. Enfim, estamos em Berlin, eles sairam eu fiquei. Tenho que terminar de corrigir os papers dos meus alunos. Minha mae antes de sair vem me mostrar o muro que separava berlin oriental de ocidental no mapa. Acho que ja expliquei antes aqui o quanto minha mae gosta de mapas, e o quanto isso virou parte da minha vida. Olhei o mapa, um muro todo recortado. Como é diferente ver um muro num mapa, e um muro cara a cara.
O muro no mapa parece uma piada. Como assim alguem inventa de colocar um muro? Uma fronteira? quase sempre totalmente arbirtraria num lugar onde as pessoas antes viviam juntas. Eu ja tinha visto o muro de Berlin antes mas nunca com tanto sentimento como quando dei de cara com ele ontem. E é claro que o muro de Berlin agora destruido, agora imaginado por todos como um verdadeiro absurdo me leva direto para o muro construido, e sendo aumentado em Israel e na Palestina. Olhei para o muro aqui e fiquei pensando sera que algum dia o de la cai? Minha mae diz que sim, "eh assim sempre.. desde a pre-historia, nos provavelmente nao vamos ver, mas essas fronteiras aparecem e desaparecem". É mais uma dessas coisas que se ve em mapas. Basta olhar mapas antigos da Europa para ver o quanto cresceu, diminui, desapareceu , cresceu de novo por exemplo a Polonia.
Agora o muro cara a cara... o muro cara a cara nao permite ver o outro lado. O outro lado fica sempre imaginado. No caso da Palestina e Israel ele possibilita que as pessoas se imaginem como totalmente distintas. Quando eu fui de Nablus a Belem com 3 amigos Palestinos que me ofereceram carona, meu amigo italiano que vive em Beit Sahour quis nos levar para ver o muro. Dois dos meus amigos Palestinos nunca o tinham visto pois sempre ficam em Nablus. Andamos ate o muro e vi as pinturas. Muitas feitas por turistas que cruzam o muro e voltam para dormir em Israel.
Olhei para o muro e comecei a chorar. Nao que eu quisesse. Mas o muro ali concreto na minha frente era a separacao dos meus amigos israelense e palestinos. Meus amigos tao parecidos, com mesmos interesses, que num mundo distante talvez fossem amigos. Ali nao. O muro nao permite. O que me levou tempo para perceber é que o muro nao permite nao apenas o encontro fisico. O que é pior do muro é que ele nao permite o encontro imaginado. O que ele permite é que esses dois grupos de amigos meus nao se imaginem como parecidos. E para eles é importantissimo se imaginar distintos.. afinal como é que vamos fazer tudo que fazemos se aceitarmos que nao o somos. Nao que antes do muro eles nao se imaginassem distintos. No entanto sem muro é mais facil de perceber que nao somos.
Aime Cesaire, poeta, escreveu livro curtinho "Discours sur le colonialism"... aqui
que é sobre a Europa e o colonialismo. Um livro pequeno e poderoso. Começa por dizer
A civilization that proves incapable of solving the problems it creates is a decadent civilization.
A civilization that chooses to close its eyes to its most crucial problems is a stricken civilization.
A civilization that uses its principles for trickery and deceit is a dying civilization.
Uma das coisas que eu achei mais tocantes nesse livrinho é que para cesaire atitudes barbaras so podem ser praticadas quando o opressor comecar por se desumanizar. So assim ele pode desumanizar o outro. Muros tornam esse processo mais facil. Se voce nunca tem que encontrar com o outro. O outro pode ser qualquer coisa que te contem. Provavelmente por razoes evolucionarias de gostarmos mais de membros do nosso grupo do que do grupos de fora isso seja tao facilmente fomentado.
Eu tenho amigos dos dois lados do muro. Amigos que eu amo. Amigos que se sentem ameacadissimos por eu ter amigos dos dois lados.
No dia que eu fui ao muro da separacao eu chorei. Acho que ja fazia tres semanas que eu estava na Palestina. Eu é claro ja tinha visto o muro antes. Eu o tinha cruzado para ir a Palestina. No entanto, quando eu o cruzei pela primeira vez eu estava assustada demais com o possivel perigo que eu encontraria do outro lado tao avisado a mim pela midia, pelo meus amigos Israelenses que eu nao prestei muita atencao ao muro em si.
Semanas depois, centenas de conversas depois, vendo infinitas criancas brincando, e pessoas vivendo o seu dia a dia o melhor que conseguem em frente a uma ocupacao. Dezenas de conversas depois com homens e mulheres por todas a partes, noites e mais noites dormindo na casa de Palestinos que fui encontrando pelo caminho voltar ao muro doeu.
Andando lado a lado aos meus amigos palestinos, entrei dentro do corredor de ferro, o famoso check point. Senti me como um animal numa jaula. Meus amigos palestinos me consolavam. "Um dia vamos viver todos juntos". Meus amigos Israelense diziam que queriam que nao foisse necessario: mas é. E nao adianta eu dizer que apesar de eu achar que o medo deles é real nao sei se é representativo da realidade.
Ta certo que vindo da America do Sul o tanto de morte que acontece num final de semana em sao paulo, e rio juntas deve "trump" o numero de mortos no conflito palestino israelense dos ultimos 10 anos. Enquanto eu estive no Oriente Medio eu mandei emails aos meus amigos dos encontros que tive. Contei o que foi me acontecendo que nunca é tao branco no preto como os simplistas gostariam de imaginar. As mil divisoes religiosas, politicas e economicas que assola os dois lados.
Pensei no "Eichmann in Jerusalem: A Report on the Banality of Evil " da Hannah Arendt. Nesse report ela analisa como para as grandes tragedias da historia ( em especial o holocausto) acontecerem nao sao necessarios muitos sociopatas ou pessoas crueis.. mas simplesmente pessoas ordinarias que aceitam as premissas do estado e que portanto participam nas suas acoes achando as normais. Eichemannn foi o homem que coordenou os trens que levavam os judeus ( e outros) aos campos de concentracao. No seu julgamento ele disse que estava apenas seguindo ordens.
Quantas vezes eu nao ouvi meus amigos Israelenses me dizerem a mesma coisa. Algumas vezes um amigo meu Israelense que se opoe a ocupacao e quase a toda politica israelense perguntou nos check points sobre o livro de Eichmann, e algumas vezes os jovens soldados responderam que sim, que achavam o livro brilante. Meu amigo algumas vezes apontou para o cehck point,e para o muro. " No but is differente we need it" respondiam os meninos de 18 anos munidos de armas poderosas, justificativas burocraticas, e o poder de parar qq pessoa pelo tempo que quiserem. Dar tanto poder a um jovem, Poder sobre a vida de um outro que morar do outro lado do muro é violento para os dois lados.
Pensei entao no Stanford prison Experiment . Experiemnto conduzido em Stanford Uni para avaliar os efeitos psicologicos de tornar pessoas guardas e prisoneiros. O experiemnto foi um desastre e teve que ser interrompido. Lembro de ver um depoimento de alguns dos participantes. Lembro de um participante que tinha sido escolhido para ser prisioneiro dizer " Fico feliz de ter sido escolhido para ser prisioneiro, eu nao sei o que faria se tivesse poder, ia ser bem mais dificil de viver comigo mesmo depois se eu me descobrisse capaz de abusar do poder como eu provavelmente absusaria".
Muros fazem com que essas decisoes tomadas pela instituicao fiquem mascaradas. A nossa responsabilidade como individuos fique apagada. We follow orders. E se nos nem se quer temos que ver ( e ver nao como eu vi o muro a primeira ver, ver como eu vi na segunda) como vivem os ourtos ali do outro lado do muro. Se nos nem se quer enxergamos mais a surrealidade de um muro, evil com toda sua banalidade fica ainda mais possivel.
2 comentários:
Ainda assim, pela lógica, fica mais fácil cair o muro de Israel do que o Mudo dos EUA. Ou não? ;)
Até sábado! x
*'muro', não 'mudo'
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