quarta-feira, dezembro 29, 2010

Encontros

Eu estou acostumada a me sentir só em continentes distantes. Achar alento nos pequenos momentos de reconhecimento, em ver coisas tolas que em terras longinquas me trazem tao perto de me sentir parte de um todo. Quase nunca me importa me sentir só em lugares que eu nao falo a lingua. É sempre no encontro com o viajante, um outro "wanderer" existencial que eu me sinto em casa. E apesar de eu saber de tudo isso muito conscientemente, inconscientemente eu de alguma forma sempre espero que aqui no Brasil eu me sinta mais em casa. Eu não sei direito porque eu espero isso, porque o lugar "parecer" familiar só evidencia na verdade o quão arbitrario tudo é. Assim, que muitas vezes aqui no Brasil eu me sinto mais só do que em outros lugares do mundo. Eu sei que é uma ilusão, a solidao deve ser a mesma, mas é em meio a esperar o familiar e não importa quanto eu me prepare para isso, la dentro eu sempre espero encontrar um sentimento de casa. Nao encontro. Nao encontro em lugar fixo nenhum, e acho que nunca vou encontrar, eu encontro nos encontros...

E quando esses encontros acontecem meu deus como eu me emociono. Eu fico tão grata. Acessar ali com um outro alguem algo de privado, de secreto, de unico de individual. Algo que eu mesma nem lembrava que sentia tanta falta. E eu tento engolir tudo, ficar ali naquele momento o tempo que eu puder ficar, porque é tudo impermanente, e na minha vida de eternas mudanças o impermanente é tão evidente. Lembro do ultimo café da manhã que eu tomei com minha amiga Sabrina Rabello ( alias cd dela esta lançado!!!) em Londres, antes dela se mudar para começar um post doc em Boston. Lembro de querer estar ali tanto, porque tudo aquilo que nos dividiamos, quem eu era com a Sa ia ter que por um tempo indeterminado ficar suspenso. Lembro de no dia seguinte de sua partida ter algo para dizer para ela, que so ela no mundo todo poderia entender. Lembro de sentar no ponto de onibus sentindo uma saudade, uma falta de ar por mais uma vez ter que recriar o mundo sem a minha amiga por perto.


Lembro de sentir isso também quando parti da Asia. Sentada no aeroporto eu tentava imaginar mil maneiras de voltar para o Rio Mekong. Meu mestrado para acabar, minha vida suspensa em Londres, e eu querendo voltar para o norte da Tailandia. Lembro de mal conceber durantes as noites como seria se eu nao pudesse nunca mais voltar para a Asia. Lembro de no Hospital, quando eu ainda nao sabia o que eu tinha, de pensar meu deus eu quero ver o mundo, eu quero subir pedra e arvore, eu quero aprender a rir em outras linguas e se eu nao puder fazer mais nada?

E lembro é claro tambem dos momentos de encontro. E qualquer triagem que eu faça aqui será injusta. Deixará de fora momentos e pessoas importantes. Porque eu quase sempre to 100% por cento nos lugares onde estou. Lembro dos tambores berberes tocando na minha pele no deserto do Sahara, do vendedor de rede no litoral do Brasil, do meu encontro com SS Karmapa na India, sentir todos os musculos enquanto eu tentava descer uma pedra no sul da Asia, o molejo do elefante, o abraço inusitado de Tangmo, minha aluna tailandesa. Lembro de gargalhar com Horm, e Aoh na varanda de um vilarejo minusculo sem entender quase nada. Gargalhar em meio a trovoadas e falta de luz enquanto Aoh massageava Horm. Lembro de me sentir dentro da casa bombardeada no Iran quando minha amiga Sara apavorada veio ao meu quarto no dia que os EUA invadiram o Iraq falar de suas memorias de infancia. Lembro de ouvir a Joss, em Ny, me contar com todos os detalhes do mundo sobre o presente que ela tinha ganhado de uma menina tibetana. Ou entao, de ouvir Elisa me contar shakespeare dentro do Jardim Botanico, sentir o piado dos passarinhos na pele. Em todos esses momentos eu senti uma gratidao enorme por poder ouvir essas estorias, por poder estar la.

Na Lapinha, agora nesse final de ano, eu tive encontros assim. Primeiro o meu encontro com minha prima que mexeu muito comigo. Depois com mulheres que tinham tantas estorias lindas para contar. Mulheres que se encontraram como mulheres. Se encontraram nas minha estotias pouco ortodoxas. E por sentirem se a vontade ouvindo as minhas contavam as suas. Como somos parecidos no mundo era tudo que eu pensava.

Conheci na Lapinha uma mulher excepcional. Claudia Alcantara. Quando ouvi a estoria da sua vida disse imediatamente que escreveria sobre ela. Ela me explicou que ja tinham escrito. Eu expliquei que nao era que eu ia escrever para ninguem publicar. Eu escreveria no meu blog onde eu transbordo assim meio sem sentido e quase ninguem le. FIcamos amigas. Claudia é uma grande empreendedora. A mente dela não para nunca. Paramos juntas para meditar. E eu ouvi ela contar suas estorias. Claudia que criou a Cadiveu uma empresa que faz cosmeticos para cabelereiros, criou tbm um salao, e uma loja de produtos organicos. Cadiveu é um nome de uma tribo. Eu não sabia nada sobre eles. E nem tao pouco sobre cosmeticos.

Ontem fui ao salao da Claudia. Praticamente brincamos de boneca :) Ela me penteou. E eu pude conhecer a loja organica dela. Ela me mostrou um vaso pintado pelos Cadiveu e me contou sobre eles. Me contou sobre como ela criou tudo que criou. Seu sucesso, e sua beleza não estão para mim na estoria comercial de sucesso. Mas numa coisa bonita que ela me disse. "Ju, atraves do meu trabalho eu to podendo dar trabalho, e ajudar muita gente. Eu tento ajudar os Indios o maximo que eu posso. Eu me encantei pelo arte deles." Fui ouvindo seu planos e fui ficando emocionada. Eu vivo num mundo academico, esse outro mundo é muito alien para mim.

"Eu criei tudo que eu tenho. Comecei do nada. Eu não me importo com o dinheiro em si. Dinheiro é importante para eu poder continuar criando, ajudando as pessoas a minha volta, eu acho que temos que fazer o bem."

Caminhamos juntas até minha casa. Queria ter dito a ela que ela não começou do nada. Ela começou do tudo. Do que realmente importa. Não disse, as vezes essas coisas ficam no silencio. E eu senti aquela coisa de encontro. Que eu sinto as vezes nos momentos mais distintos. Com pessoas as vezes tão diferentes de mim. Acho que são pessoas que querem um mundo melhor. Que constroem diariamente um mundo melhor. Não precisa ser nada megalomaniaco, mas alguma conviccao que o mundo está sim mudando, e que nós nas interações diaria somos parte do mundo que se forma.

Em um desses encontros muito profundos e intensos que eu tive me disseram. "Voce nao ta 100% aqui. 100% por cento é ficar. é nao ir embora." Pensei tanto sobre isso. Talvez ter a partida determinada faça com que eu tente estar muito mais pois tenho pouco tempo. As vezes me dá medo eu me abrir tanto assim, e amar tanto assim. As vezes é exaustivo ser eu. Mas o que é que eu posso fazer..... eu não sei ser outra pessoa.

quinta-feira, dezembro 23, 2010

Encontros Inusitados

Estou ficando na casa do meu grande amigo Fellipe Gamarano Barbosa. Fellipe é cineasta, ele ve o mundo assim de uma maneira só dele. As vezes discutimos por causa disso porque eu vejo de uma maneira so minha. As discussões duram pouco pois somos amigos há tempo demais. Da casa dele saí de manhã para encontra uma outra amiga nossa que estudou conosco em NY. Marcamos o encontro no BiBi sucos o unico lugar que eu sei ir aqui no rio. Eu sei porque é logo aqui do lado. Assim que todo mundo que eu tenho que encontrar, eu encontro la. O Bibi é um lugar muito popular então na hora de almoço está sempre cheio.

Esperei do lado de fora minha amiga chegar enquanto eu observava a movimentação lá dentro. Quando ela finalmente chegou, entramos e eu pedi a dois senhores sentados numa mesa se podiamos divivir a mesa com eles. Eles concordaram, e começamos uma breve conversa sobre como era meio triste o fato das pessoas ficarem sentadas sozinhas em mesas de 4 lugares enquanto tinha gente que esperava de pe. Sentamos de uma maneira que minha amiga Elisa ficou na frente do meu vizinho e eu na frente do dela.

Tivemos conversas paralelas e por uma hora eu realmente nao tive a menor ideia sobre o que estava acontecendo com ela. A minha frente estava David. Um senho de 74 anos, muito em forma, muito gentil e que parecia emocionalmente abalado. Perguntei se ele estava bem e ele me explicou que estava muito tenso, sua filha diabetica tinha sofrido uma operação de 8 horas. Ela, ele me explicou era uma pessoa dificilima. Se recusava a ter enfermeiros terapeutas, nao comia e vive entrando em coma. Ele tem que ligar o dia inteiro para ver se ela comeu e quando ela nao atende ele sabe que tem que sair correndo porque ela deve estar em coma. " Quando ela entra em coma na cama tudo bem, eh facil, mas quando eh no chao e eu tenho que dar agua com açucar com conta gotas ajoelhado no chao me arrebenta! eu tenho 74 anos!"

Eu quando ouço essas coisas sempre quero trazer uma palavra de alivio. Ali eu nao sabia o que dizer. Propunha solucoes todas tentadas. " MInha filha eh muito revoltada! vc nao entende ela bate o pe e nao faz". Eu queria dizer " Entao deixa! O senhor nao pode ficar 24 horas por dia tomando conta da sua filha!". Impossivel de dizer isso. Como dizer a um pai que ja viu a filha quase morrrer um milhao de vezes para deixa-la e ver o que acontece? Entao eu ouvi em silencio. Ele me contou que tomava conta da filha, a sobrinha tinha tido cancer 5 vezes, o irmao tem 91 anos. Fui ouvindo sem saber o que dizer. Eu so dizia "Davi, o senhor precisa tomar pelo menos 5 minutos por dia para meditar! Pare por um segundo e fique com vc. Esqueca todos os outros!". "Eu nao posso minha filha, eu tenho que cuidar deles!!!" Eu ouvia, e sempre insistia na minha ideia " 2 minutos no banho fecha o olho e larga tudo!". Conversamos muito. E ao final ele que me explicou que era meio medium me contou que tudo que eu fizesse eu faria bem, daria certo. Eu agradeci as palavras.

Ao meu lado, Elisa minha amiga teve uma conversa bem menos inspiradora. Ela que é atriz conversou com outro Davi o ator da escolhinha do professor Raimundo SambariLove. Eu nao o reconheci porque eu sou pessima com essas coisas, alem de nao ter visto a escolhina muitas vezes.

De noite, fui com Fellipe a um bar aqui perto de casa. Sentamos, e ele comecou uma conversa com um senhor que eu tao pouco tinha reconhecido. O senhor estava fazendo um filme sobre musica e compositores. Fellipe falou para o senhor de mim, e me mandou sentar com ele. Das grandes coincidencias. O senho era o Eduardo Coutinho. De quem eu confesso nunca tinha ouvido falar ate assistir o filme sobre o qual escrevi no ultimo post. Sentei me com ele e disse tudo aquilo que escrevi aqui. Conversamos sobre antropologia, filosofia e muitos outros ia. Ele me falou para mandar as musicas. Eu achando aquilo tudo meio estranho. Eu que componho assim por diletantismo fiquei sem saber direito oque dizer. Nao fazia nem 12 horas que eu tinha escrito sobre ele, sobre o filme dele.

Voltei para casa, e o ultimo pensamento que tive antes de deitar nao foi sobre o E. Coutinho. A conversa com o Coutinho foi muito interessante mas oque me tocou foi o outro encontro, o outro que me deixou bem mais feliz. Foi o Davi. Logo antes de sair do Bibi ele me olhou e disse "Me desculpe! Eu joguei toda essa carga em cima de vc! Eu te contei tudo sobre tudo isso." Eu expliquei que ele nao precisava pedir desculpa, que eu esperava que ele parasse 2 minutos por dia para se recarregar. Que eu tinha ficado tocada ounvindo tudo. E entao ele disse " Julieta. Voce é uma pessoa muito muito especial. Encontrar voce aqui foi a melhor coisa que aconteceu no meu ano todo. Muito obrigada por vc ter me ouvido!"

Meu olhos se encheram de lagrimas. E eu entendi que as vezes nao temos que dizer nada. As vezes as pessoas sao colocadas no nossa caminho para serem ouvidas, para nos ouvirem. Ouvir mesmo. Ouvir com tudo que ta ali. E eu ouvi, e foi um presente muito grande para mim apenas ouvir. E no final ainda ouvir de um homem tao bom que nosso inusitado encontro tenha trazido um pouco de alento.

quarta-feira, dezembro 22, 2010

Das Tendencias Humanas

Um amigo meu me disse uma vez "deve ser exaustivo ser você, seu sistema empático é forte demais." Eu ri. Provavelmente porque ele tava rindo, se tivesse chorando provavelmente eu teria chorado. Sera realmente tudo culpas dos neurônios espelho, de um sistema empático muito forte, ter nascido na América do Sul? Sei la. Tudo isso misturado e provavelmente mais um monte de coisa que eu devo ter deixado esquecida.

Eu to no Rio. E eu sinto demais. É quente demais. Os re-encontros são profundos demais, até os novos encontros me movimentam demais. Um outro amigo, tbm antropólogo me disse Tel Aviv e Rio são parecidas. Ele que morou tbm em Beirute acha isso de la tbm. Quanta intensidade. As coisas no Rio são exageradamente bonitas, e caóticas. Exageradamente para mim as vezes um pouco superficiais. Não digo isso como Paulistana que desgosta do Rio. Eu acho que essa superficialidade que eu encontro aqui ta la nos shoppings, nas boates, nas ruas do Jardim. Coexistindo tbm um milhão de outros mundos...pq nessas cidades caóticas tudo coexiste lado a lado.

Fellipe, me levou para ver o ultimo filme "secreto" do Eduardo Countinho. Foi no Instituto Moreira Salles, e foi secreto pq o filme é inteiro sobre um dia na TV aberta brasileira. Antes de escrever aqui pensei e fui fazer uma pesquisa para ver quao secreto esse filme era, afinal eu tbm nao quero que o Coutinho seja processado. Quem quiser ler informações aqui estão.

Eu nunca assisto televisao. Alias nao tenho uma televisao. Entao um filme inteiro de clipes da TV aberta foi particularmente dificilimo para mim. Nao pelo conteudo pq nao me surpreende tanto o que esta na TV brasileira. Tudo isso é sabido. É sem duvida um retrato assustador da sociedade brasileira. Eu tao pouco achei muito especial. POdia ao me ver ter sido um projeto de escola. Enfim, eu assisti o filme e quando ele acabou e o painel de discussao começou eu estava curiosa para ver o que as pessoas diriam. E o que o Coutinho dizia.

Ele disse muito, mas eu achei que não disse quase nada. Disse que não adianta fingir que a TV não esta aí que nos precisamos entender o porque tem tanto poder. O que as pessoas que assistem pensam. Que precisava ser feito um trabalho serio. Eu calada pensava dentro de mim: Então façam, vcs estão falando de um estudo antropológico mande alguém numa comunidade e observem as pessoas ver tv, ouçam o que elas tem a dizer... idealmente façam testes implícitos. Isso é claro da bem mais trabalho.

Depois ele disse que precisávamos entender porque esses programas tinham tanto sucesso. Uma vez mais a chata acadêmica dentro de mim pensava " ué.... testa... coloca algum num mri, num eeg...poe os programas. Investiga, tenham perguntas empíricas. Teste-as. Nao é difícil de ter proposições. Todos esses programas devem "play" em tendencias muito ingrained muito ligadas a nossa estoria evolucionaria.

Como sempre a grande pergunta para mim é o quanto estimular essas tendencias realmente muda alguma coisa. Isso tbm é uma pergunta empirica. Ou melhor, o quanto conteudo afeta estruturas cognitivas. Eu acho que é muito importante entender o homem como ele é como todas essas tendencias a categorizar, essencializar, gostar do seu grupo mais do que o outro, querer ser belo, etc etc etc... para que possamos desenvolver melhores sistemas educationais, planos politicos, filosofias.

Colocar la um filme com varios pedacos de TV eu acho que faz muito muito muito pouco. Ainda tem uma certa parte da experiencia que faz o espectador ali na sala do IMS se sentir tao dierente tao distinto das massas. Nao é. Nao somos.

Quando eu estava na Lapinha a Maluh, uma mulher excepcional que trabalha em um milhao de projetos artísticos e de paz criou uma atividade. Ela nos ensinou a fazer uma lanterna de cartolina de sao joao. Fizemos todos juntos numa sala. Nos que nao nos conhecíamos fomos trocando material, ajudando uns aos outros, nos concentrando na execução de um coisa nova. A noite, ascendemos nossas lanternas.

Maluh propôs uma caminhada em silencio. Que observássemos a luz. Fomos em silencio pelos arredores da Lapinha. Ouvindo os sapos, e diferentes ruídos pela noite. Um exercício tao filosófico. Não dá para olhar para a própria luz, você tem que olhar para a pessoa da frente. A sua luz ali na cara ofusca.. ela tem que ficar meio de lado, iluminar o caminho do outro. Caminhamos em silencio. E aquela brincadeira em segundos virou um ritual.

Meu primo de 11 anos tomou a dianteira. Ele que adora computadores e internet estava no ritual dele. Andando guiando, uma senhora de 74 anos também estava no ritual dela. NO ritual nosso. Ao final. nos juntamos para dizer um pouco do que tinha acontecido. Todo mundo tinha algo para dizer.

Eu agradecia a Malu porque ali naquele instante, eu lembrei de uma coisa preciosa. Nos temos todas essas tendencias. A tendencia a ter liberações químicas e aditivas quando assistindo programas de TV ruim, e tendencia de criar um ritual magico. A Maluh me contou que quando foi fazer um projeto na Febem levou tinta para os meninos pintarem. Eles la com toda aquela bagagem pintaram coisas lindas, coloridas. Acho que tudo isso eh para dizer isso. O retrato da TV brasileira diz um pouco sobre nossa sociedade. Não muito. Nossas tendencias são muitas. Estimulemos as que nos torna mais sociais, e mais humanos.

segunda-feira, dezembro 20, 2010

Na Calada Da Noite

Estou escrevendo este texto no avião. Indo de Curitiba ao Rio. Já perdi a conta de quantas vezes eu cruzei as fronteiras imaginarias pelo céu. A terceira vez que cheguei a Mut Mee, minha casa em Nong Khai na fronteira da Tailandia com o Laos depois de ter dado a volta pelo sudeste asiatico, cheguei de madrugada. Tudo estava fechado. Entrei, e sentei nas grandes mesas cobertas por telhados de sape. Fiquei incrivelmente feliz ali. De volta. Lembro de pensar no livro da Liz Gilbert, na sua chegada ao Ashram na India, bem no meio da noite quase de madrugada. Lembro dela explicar, que seu avo dizia que uma galinha para ser aceita no galinheiro, tinha que ser assim, colocada no meio da noite. Dessa maneira quando todas as galinhas acordassem era como se a nova galinha nunca tivesse partido. Pensei isso aquele dia. Pensei isso todas as vezes que cheguei em algum lugar assim, de mansinho, aos pouquinhos.

Foi meio assim minha chegada a sao Paulo dia 26 de novembro. Cheguei e fiquei quietinha, sem ligar para ninguem, porque nesse ano como nos ultimos vim para visitar a famosa “maquina”. Fui fazer meu exame de ressonancia, e dessa vez tão tranquila, ou quem sabe tao cansada, até adormeci dentro da maquina de ressonancia magnetica. E fiquei mais uma semana meio quieta esperando par air la correndo e fazer o que eu sempre faço, pegar o meu exame, e abri-lo, e procurar a unica coisa que faz sentido para meus olhos nao medicos. A conclusao. E mais uma vez ela dizia: “nenhuma nova alteração”. E eu chorei como sempre choro na percepção da fragilidade e da força da vida.

Alguns dias depois da minha chegada minha mãe me convidou para ir com ela a AACD onde ela voluntaria ja faz alguns anos. Ela sempre conta as estórias, e quando eu meio que ameaço ficar um pouco emocionada ela explica. “Não precisa ficar emocionada, a AACD é um lugar muito alegre! As crianças riem muito”. Eu fico tocada quando minha mãe diz isso. De fato, muito do sofrimento que vemos está nos nossos olhos. Nem sempre dificuldade é sinonimo de tristreza. Então que quando eu fui com ela a AACD, cheguei la do meu jeito. De mansinho, observando de longe com cuidado… fui me apaixonando pela professora uma mulher excepcional, que da aulas para 35 criancas de 5 anos de manha numa escola da prefeitura, e a tarde na AACD. A vivacidade, a alegria, o empenho, a dedicação são totalmente comoventes. A professora, faz de um tudo, compra coisas do seu proprio dinheiro, livros, estorias, faz fotografias, e aqueles alunos de fato são alegres, e apaixonados por ela. Minha mãe tem razão não é um lugar triste. São muitas e muitas risadas.

Depois disso eu fui parar em Curitiba, com uma prima que eu so realmente conheci ao vivo em junho. É incrivel como podemos nos conectar tanto com alguem em tão pouco tempo. Eu, já expliquei aqui um milhão de vezes que não sou nacionalista. Eu também nao sou parcial. Nao gosto de alguem so porque é da minha familia. Raramente tenho esse sentimentos que ligações de sangue importem muito. Acho que contruismo os nossos relacionamentos, e que vamos escolhendo pessoas que admiramos para respeitar e admirar. E essa minha prima apareceu assim, para dividir coisas de alma.

Com ela vim a Lapinha, um spa no parana. Um lugar lindo. Um lugar tranquilo. Um lugar verde. Organico. Não é um spa tipico. As pessoas que estao la nao sao obsessivas com emagrecer. Nao. A lapinha é cheia de pessoas que estão voltando lá para descansar, para se acalmar, algumas até para engordar. É tudo tranquilo, tudo num clima bem de paz. E ali eu fiz muitos amigos, e conheci pessoas realmente incriveis e eu pude “reconhecer” a minha prima, porque conhecer eu ja devia conhecer em algum lugar da alma, em alguma outra dimensao, em alguma outra coisa bem pouco racionalizavel.. E hoje eu saí de lá assim, bem cedo, bem de madrugada para que quando amanhaecesse fosse como se eu nunca tivesse partido, nunca tivesse estado.

Eu acordei e no silencio da noite sentei com minha prima no pequeno sofa, mal concebendo como a vida pode trazer alguem a sua vida assim. Alguem que nao existia na sua vida e de repente a vida é impensavel sem a existencia daquela pessoa. Parece que ela sempre esteve la. E eu sentei ali, tao grata, tao tocada, tao feliz, tao dificil, tao cheia de sentimentos, tao emocionada. Entao, foi bom sair bem assim dentro da madrugada. Dirigir no silencio da noite, torcendo para o taxista falar pouco porque qualquer conversar casual é meio que profanar aquele momento tão puro, tao cheio de emoção. Só consegui partir da Mut Mee tambem assim, sem dizer adeus a ninguem. Porque nessa vida de cruzar tantas fronteiras, eu vivo tendo que dizer adeus. E quando sou eu que parto é mais fácil ir assim na calada da noite.

ps: escrito dia 17/12