segunda-feira, novembro 24, 2008

Universo Paralelo

Bom, como eu ja disse antes eu sempre me surpreendo quando alguem diz que le meu blog! E é óbvio que se eu o escrevo e coloco na rede isso não deveria ser um fato em si tão estranho. Mas eu me surpreendo porque eu fico tocada eu acho. Sei la, de certo modo, eu acho incrivel que alguem leia o que eu tenho para dizer. Ainda mais alguem que nem me conhece. Eu já nao me lembro mais como foi que eu comecei a escrever o meu primeiro blog. Eu ainda morava em NY, e acho que tinha mais a função de manter meus amigos informados das minhas andanças. Depois eu mudei de blog, o blog foi mudando, até que chegou nesse formato, que é meio sem formato. Um pouco de viagens, de analises, um pouco do dia a dia. E eu vou escrevendo meio sem saber onde meu texto vai parar. São reflexoes, tenho vontade de dividir algumas das experiencias que tenho. Tenho vontade de contar sobre as pessoas incriveis que eu encontro pelo caminho, e das estorias incriveis que elas me contam. Ultimamente tenho recebido muitas mensagens. E eu fico feliz. Feliz mesmo. Obrigada!

Um dos meu melhores amigos, André, que é a pessoa que mais me cobra atualizações, me pediu uma vez que eu colocasse as musicas que eu componho no Blog. Bom, eu expliquei para ele, "André eu nem componho mais". Ele achou impossivel. É que eu o conheci, quando morava em NY, estudavamos juntos, ele jornalismo e eu ... bom deixa para la... foram tantos os departamentos que eu visitei. Naquela época eu vivia grudada ao meu violão. Não ia a lugar nenhum sem ele. E tudo, tudo que me acontecia virava música. E eu não sei como foi, mas parei de compor. Nesse meu ultimo ano, de que tanto ja falei, uma das minhas buscas, é reencontrar a música dentro de mim.

E vou seguir o conselho do Andre. e vou colocar aqui a minha ultima musica. A primeira desde muito tempo que vem de dentro. Chama-se Universo Paralelo. E foi gravada aqui em casa com a maquina de fotografia, portanto a qualidade é para la de duvidosa.

sexta-feira, novembro 21, 2008

No Meio do Caminho

Faz três semanas que eu comecei a voluntariar numa escola pública aqui de Londres. Faz parte de um programa da LSE, e tirando eu e uma meia duzia de gatos pingados, eu tenho a impressão que a maioria dos voluntários esta fazendo isso só para ficar bonito no curriculum. Pelo menos foi a impressão que eu tive, mesmo porque na apresentação do programa la na LSE, a coordenadora passou 5 minutos falando na importância da experiencia para o individuo, mais 5 na diferença que faz para os alunos da escola publica, e uns 50 citando estatísticas que mostram que empregadores preferem empregados que tenham voluntariado. Enfim, o importante é que ela conseguiu muito voluntários, que tanto faz a motivação, ajudarão pela simples presença, e atenção que dispensarão com alunos.

Na minha primeira visita a escola, encontrei mais 7 estudantes da LSE. Eu estava um pouco preocupada que a escola fosse muito rígida ( eu sou muito mais da linha de escolas democráticas). La chegando meus medos se dissiparam, a escola uma bagunça, a diretora uma simpatia, e a alegria que ela estava de nos receber era evidente. Nos perguntou com qual idade queríamos trabalhar, e tirando eu, todo mundo escolheu o ultimo ano da escola primaria, os alunos de 11 anos. De fato, eles tem bastante necessidade, por causa de um exame que tem que fazer nessa fase. Eu pedi para ficar com as crianças de sete anos, porque eu acho fascinante essa fase de estar aprendendo a ler, escrever, compreender um texto. Enfim, a minha escolha foi meio intuitiva, guiada por um interesse em cognição, por querer ver esse processo de "socialização", "hopefully" ajudar nessa fase de fundamento de base, e é claro porque as crianças de 7 são umas fofuras!!!

A diretora nos levou para visitar, a escola, e nos fomos interrompendo classe, depois de classe, e quando finalmente chegamos na classe dos de 11. Ela nos apresentou. Eles estavam assistindo um discurso do Obama :), e ela parou e disse: " Guys, eu quero apresentar vocês a essas pessoas, eles são voluntários, eles são especialistas na área deles, estudam na UNIVERSIDADE, e vão vir aqui no tempo livre deles, para ensinar VOCÊS, ajudar VOCÊS !!!" Ela falou isso, super dramática, e eu fiquei meio sem saber o que achar, mas ao ver a reação daquelas crianças de 11 anos, que eu imaginei que ia ser tipicamente de pré-adolescente (ou seja: nem ligar, ou bufar, e ficar infeliz com mais uns adultos na aula deles), fiquei super emocionada. TODAS as crianças da classe, gritaram "YES!!!!! Really????? para estudar conosco??? todos eles??? aqui??YES!!! YES!!!!"

Assim, que na próxima, semana cheguei e fui recebida por uma mulher de pijama. Era um dia especial na escola, para arrecadação de dinheiro para uma caridade. Fui levada a minha classe, e obviamente me apaixonei. Não, sério, tudo que eu sei é teórico. De ler. De estudar. Tudo que eu sei é de ver crianças de amigos, crianças de escola privada, de pais informados. Agora, numa classe pobre, de criança de tudo que é lugar. Nossa, isso é outra coisa. Por que aqueles processos cognitivos que ficamos discutindo na minha aula, de domínios específicos, e não sei mais o que, de repente ganham outra dimensão. E a politica, e o processo violento que é ser educado , socializado ( e aqui eu digo em qualquer sistema, em qualquer escola), da para ver..ali na pratica. É incrível.

Eu não quero falar hoje, das coisas que eu acho erradas. Ou das praticas que eu questiono. Especialmente, porque hoje o professor da minha classe, um bonito e motivado professor que no primeiro dia mal tinha falado comigo se aproximou. Perguntou se eu estava fazendo curso para ser professora. Eu disse que não, que era voluntaria. " A voce é da Universidade então?" Eu confirmei. e ele disse meio que brincando, "você esta aqui para ver o que a gente faz de errado ? :)", "e ali meio brincando ele expôs o medo dele, da intrusa." Eu disse " Não! eu to aqui porque eu estudo cognição, e eu quero ajudar, e por que eu me interesso em educação" "Eu na verdade devia ter dito, " nao na universidade a gente não sabe nada, você que devia ir ver la as coisas que dizemos sobre aprendizado!!!!" " E ele sorriu e me disse "se você quiser fazer alguma coisa, uma atividade, ensinar alguma coisa, ou pesquisar fique a vontade! " Depois disso ele me envolveu em todas as atividades, eu ajudei crianças a ler, a escrever, a inventar frases, a fazer ginastica. E eu sai radiante de la.

Só quando eu cheguei em casa que eu pensei no significado de tudo isso. Eu nunca imaginei que um professor tao exuberante pudesse estar intimidado por causa de uma aluna. Ele estava intimidado pelo fato de eu estar na universidade, uma universidade reconhecida. E que eu sem pratica nenhuma fosse juga-lo. E ele estava certo. Pois é o que nós fazemos. Nos julgamos, teorizamos, sem ter muita noção da realidade. Mas ele veio até o meio do caminho para sondar ao que eu vinha, e eu fui até o meio do caminho para dizer que eu não sou um perigo. E nesse meio, pudemos nos unir para dar mais atenção para varias crianças.

quinta-feira, novembro 20, 2008

Estar Presente



Ontem foi meu aniversario. E como eu já falei aqui antes, eu adoro, fazer aniversário. Nunca liguei para datas formaturas, casamentos, natal, pascoa etc.. Mas fazer aniversario me toca. Me toca, pois é a celebração da vida. De mais uma volta em torno do sol. E como (quase) tudo é cíclico, estou aqui de novo falando disso :) Eu gosto tanto de fazer aniversario que ate calculo que horas é o horário certo que eu nasci. (Esse ano por exemplo, levando em conta que o ano é bissexto, o momento exato do meu aniversario cairia no dia 20 as 5:35 da manha, e nao no dia 19 :) )Eu nunca vou conseguir colocar em palavras o que isso realmente significa para mim, pois os fatos banais,são os mais difíceis de se explicar. Então, todo ano, eu paro, naquele momento, e fico imaginando mais uma volta, mais uma volta desde a primeira vez que eu respirei no mundo. E para muitas tradições, “a respiração” é a própria vida. Mais uma volta ao redor do sol se completando, mais um ciclo terminando, e portanto mais um novo começo.

Para mim, depois de ter ficado doente, no ano passado isso ganhou especial significado. Pois a vida em si, se tornou mais preciosa. Então, nesse aniversario, o meu objetivo era estar presente. Presente no momento, como dizem os budistas. Eu meditei por uma hora nos estados de compaixão e alegria. Acima de tudo tentei estar presente. E estar presente, é um ato difícil, pois invariavelmente estamos no passado ou no futuro. Que é para muitas tradições a razão do nosso sofrimento. Desejo é sempre no futuro, angustia também, raiva eu acho que fica nos dois. No presente, não, é tudo perfeito.

Então, eu comecei o meu novo ciclo invocando buscando estar no momento e invocando a compaixão. E a noite, convidei alguns amigos para vir em casa. Comprei um monte de baloes coloridos, comprei flores, e a casa ficou colorida. Meus amigos foram chegando, um a um. Eles de mundo tão distintos, amigos de lugares diferentes foram se conhecendo. E tocamos violão, e cantamos. E jogamos todas os balões para o céu, brincamos, e rimos a noite toda. E eu que não tinha comprado bolo, recebi um bolo feito por um casal de amigos queridos. E quando cantamos parabéns. E olhei para todas aquelas pessoas numa quarta feira a noite na minha casa eu fiquei tao tocada. Tao bonitas. Tao únicas. Tao diversas. Matemáticos, yogis, filósofos, artistas, antropólogos, consultores. Que são é claro muito mais do que isso. Olhando, aquelas pessoas que fazem coisas tão diferentes durante o dia, que são de países distintos, que sentem em línguas diferentes. Olhando para toda aquela alegria estampada no rosto de cada um, eu me senti incrivelmente grata. Incrivelmente presente. Devastadoramente feliz.

Pois esse meu ultimo ciclo não foi fácil, foi profundo, foi de busca, foi de procura por um caminho. Eu exagerei. Eu oscilei. Eu fui to ateísmo militante, a todos os templos. Da Europa a Índia. Do Tantra ao Budismo. Dos mitos a ciência cognitiva. Eu mudei as cores das roupas. Mudei os livros que lia, buscando mudar no exterior, uma coisa que só pode acontecer dentro. E ela tem acontecido: eu tenho me re-encontrado. E essa busca, tem sido para abandonar a ilusão do racionalismo e para voltar a me apaixonar pelo mundo. Essa busca tem sido para encontrar o equilíbrio entre o meu pensamento critico ( tao valorizado e exacerbado no mundo ocidental hoje em dia), e o meu coração. E eu não estou falando aqui de emoção. Pois as emoções me parecem também mais superficiais, do que este outro plano de ser. E eu poderia passar aqui horas escrevendo, que eu sei que numa visão materialista a consciência é uma propriedade emergente do cérebro. Poderia invocar meu amigo filosofo para dizer que isso não quer dizer nada. Podíamos ter todos esse discursos que eu já tive. No entanto, o meu ponto, não é esse. Mesmo, porque de certa forma, sempre vamos estar escolhendo um paradigma, achando que ele é racional (ainda que a escolha dele seja irracional), se ele for legitimado pela visão cientifica do tempo. No plano pratico, é difícil colocar a experiencia humana em palavras, afinal , essa é uma linguagem limitada. E só o fato, de eu explicar tudo isso, mostra como eu ainda sou tão preza a esse paradigma:)

No entanto, esse meu ano de busca, é um ano para voltar a sentir o que quer dizer viver. Sentir de verdade. Como é que eu me relaciono com um monte de comportamentos que são produtos históricos, que de tao apegada a eles, eu não percebo que não são meus? Como é que eu fico presente? O que é que eu sou mesmo, o que é que eu não sou ? O que é congruente ser ou não? Perceber-se incongruente. Como é que eu abandono a busca por sentido em nome de sentir. E olhando aos meus amigos ontem, e a todos aqueles que não estavam ontem, mas estão aqui em mim, eu sei que eu sou, porque eles são. E eu sei que não faz mal eu ir do filosofo ao neurocientista, do yogi a financista, do lama ao matemático. Eu sei, porque todos nos somos plurais. Eu sei por que na nossa busca nos estamos sempre acompanhados. Eu me senti inteiramente presente e grata e feliz, porque eu me senti ligada a todos eles. Eu senti que eu sou tudo isso. Que eu estou apoiada na minha busca. E apoiando a busca deles. E no meio de tanta gratidão e alegria fica fácil estar presente.

sexta-feira, novembro 07, 2008

Meu amigo Lama

Em Mcleod Ganj, na India, me pediram um favor. Trazer uma roupa de Lama para um Lama tibetano que mora em Londres. Eu trouxe. Marcamos um encontro perto da Lse, na frente da estação de Holborn e eu fui andando curiosa de como ele estaria vestido. Trocamos mensagens de texto, e eu achei engraçado ter mensagens de um Lama no meu celular. Coisa boba, mas quando se conhece pessoas assim diferentes, de quem temos expectativas não assumidas, os eventos mais banais parecem curiosos. Cheguei na estação nåo o vi. E ele me encontrou, ele de roupa de monge, vermelha e amarela ( como ele diz), para mim mais vinho e laranja. Tão bonita é a visão dessas cores intensas. Andamos até o Hot Gossip cafe, onde as pessoas o conheciam. Eu entreguei a roupa, tomamos chá, eu fiz mil perguntas e partimos. No caminho, de volta a estação, um bêbado, "homeless", meio caindo, ao ver o Lama, levantou, se esticou, se arrumou, colocou as mãos em "Namaste" e sorriu baixando a cabeça em respeito. Lama o saudou de volta, e eu fiquei comovida porque eu esperava isso do Lama, mas nao do bebado (dos preconceitos nao percebidos). Nos encontraríamos de novo.

O segundo encontro foi na minha casa. Lama Lobsang veio para jantar. Eu o apresentei ao Haiko , meu marido, e a Alondra minha flatmate e amiga de longa data. Jantamos, e perguntamos mais coisas sobre budismo. Haiko falou sobre neurociência e Lama Lobsang disse ter ficado muito feliz pois ele sempre tinha querido ter um amigo neuro-cientista. Lama Lobsang como bom monge falava metaforicamente, dando voltas, mas sempre, sempre voltava ao exato ponto da nossa pergunta, que eu precipitada que sou sempre achava pelo começo da resposta que ele não tinha entendido. Mas ainda assim, era mais fácil entender Lama Lobsang do que os monges e Lamas na Índia, talvez porque ele já estivesse acostumado com os ocidentais.

Ontem, eu acordei meio angustiada, algumas coisas não funcionando muito bem como eu queria. E recebi uma mensagem do Lama me convidando para ir almoçar na casa dele. Fui. Ele fez comida tibetana para mim, tomamos um montão de chá, e desta vez eu meio angustiada, não fiz mais perguntas tão teóricas. Eu falei da minha angustia de me sentir dividida pela beleza da filosofia budista, pelo mundo da ciência social, pela visão da minha yoga tântrica, pelos meus ideais de justiça social. Eu estava meio perdida. Falei com jeito, que era difícil para mim, de verdade entender o budismo a fundo. Eu entendia racionalmente algumas coisas. No entanto, sendo ocidental, me parecia de certa forma uma negação da nossa individualidade, das nossas emoções, do ego. Falei para ele sobre a importância do ego na evolução da especie. Enfim, fui ali falando.

Ele me ouviu, e me fez lembrar o que Dalai Lama tinha dito em McLeod. Uma das coisas que ele disse foi para as pessoas não abandonarem suas tradições, suas raizes, suas religiões. Para tomarem para si os ensinamentos do budismo que lhes fizessem sentido mas para não se tonarem budista. Eu tinha achado bonito isso la. Um pouco relacoes publicas, mas bonito. E Lama Lobsang falou disso num outro aspecto. Falou da dificuldade que é de rejeitar sua cultura seus valores, sua maneira de entender o mundo. Falou do self e das emoções, e na boca dele tudo é bem menos radical do que na minha mente.

De tudo que ele falou uma coisa me tocou mais. Eles falou dos inimigos. A importância de um inimigo. "Na verdade seu inimigo é o seu melhor amigo, pois ele lhe da a oportunidade de exercitar compaixão e paciência. Quem é seu amigo ou inimigo é impermanente. Os verdadeiros inimigos estão dentro de nos, e nos seguem não importa onde estejamos. E é preciso reconhece-los dentro de você. E a compaixão vira naturalmente."

E eu saí de lá não budista. Eu sai de lá acompanhada por ele. Eu saí de lá com ensinamentos que me fazem total sentido. E eu saí de lá pela primeira vez sem hesitar em como dizer tchau para um Lama. Eu o abracei, um verdadeiro e forte abraço. Quem sabe, reconhecendo a minha cultura, as minhas raizes. Eu me despedi de uma amigo.