Em Mcleod Ganj, na India, me pediram um favor. Trazer uma roupa de Lama para um Lama tibetano que mora em Londres. Eu trouxe. Marcamos um encontro perto da Lse, na frente da estação de Holborn e eu fui andando curiosa de como ele estaria vestido. Trocamos mensagens de texto, e eu achei engraçado ter mensagens de um Lama no meu celular. Coisa boba, mas quando se conhece pessoas assim diferentes, de quem temos expectativas não assumidas, os eventos mais banais parecem curiosos. Cheguei na estação nåo o vi. E ele me encontrou, ele de roupa de monge, vermelha e amarela ( como ele diz), para mim mais vinho e laranja. Tão bonita é a visão dessas cores intensas. Andamos até o Hot Gossip cafe, onde as pessoas o conheciam. Eu entreguei a roupa, tomamos chá, eu fiz mil perguntas e partimos. No caminho, de volta a estação, um bêbado, "homeless", meio caindo, ao ver o Lama, levantou, se esticou, se arrumou, colocou as mãos em "Namaste" e sorriu baixando a cabeça em respeito. Lama o saudou de volta, e eu fiquei comovida porque eu esperava isso do Lama, mas nao do bebado (dos preconceitos nao percebidos). Nos encontraríamos de novo.
O segundo encontro foi na minha casa. Lama Lobsang veio para jantar. Eu o apresentei ao Haiko , meu marido, e a Alondra minha flatmate e amiga de longa data. Jantamos, e perguntamos mais coisas sobre budismo. Haiko falou sobre neurociência e Lama Lobsang disse ter ficado muito feliz pois ele sempre tinha querido ter um amigo neuro-cientista. Lama Lobsang como bom monge falava metaforicamente, dando voltas, mas sempre, sempre voltava ao exato ponto da nossa pergunta, que eu precipitada que sou sempre achava pelo começo da resposta que ele não tinha entendido. Mas ainda assim, era mais fácil entender Lama Lobsang do que os monges e Lamas na Índia, talvez porque ele já estivesse acostumado com os ocidentais.
Ontem, eu acordei meio angustiada, algumas coisas não funcionando muito bem como eu queria. E recebi uma mensagem do Lama me convidando para ir almoçar na casa dele. Fui. Ele fez comida tibetana para mim, tomamos um montão de chá, e desta vez eu meio angustiada, não fiz mais perguntas tão teóricas. Eu falei da minha angustia de me sentir dividida pela beleza da filosofia budista, pelo mundo da ciência social, pela visão da minha yoga tântrica, pelos meus ideais de justiça social. Eu estava meio perdida. Falei com jeito, que era difícil para mim, de verdade entender o budismo a fundo. Eu entendia racionalmente algumas coisas. No entanto, sendo ocidental, me parecia de certa forma uma negação da nossa individualidade, das nossas emoções, do ego. Falei para ele sobre a importância do ego na evolução da especie. Enfim, fui ali falando.
Ele me ouviu, e me fez lembrar o que Dalai Lama tinha dito em McLeod. Uma das coisas que ele disse foi para as pessoas não abandonarem suas tradições, suas raizes, suas religiões. Para tomarem para si os ensinamentos do budismo que lhes fizessem sentido mas para não se tonarem budista. Eu tinha achado bonito isso la. Um pouco relacoes publicas, mas bonito. E Lama Lobsang falou disso num outro aspecto. Falou da dificuldade que é de rejeitar sua cultura seus valores, sua maneira de entender o mundo. Falou do self e das emoções, e na boca dele tudo é bem menos radical do que na minha mente.
De tudo que ele falou uma coisa me tocou mais. Eles falou dos inimigos. A importância de um inimigo. "Na verdade seu inimigo é o seu melhor amigo, pois ele lhe da a oportunidade de exercitar compaixão e paciência. Quem é seu amigo ou inimigo é impermanente. Os verdadeiros inimigos estão dentro de nos, e nos seguem não importa onde estejamos. E é preciso reconhece-los dentro de você. E a compaixão vira naturalmente."
E eu saí de lá não budista. Eu sai de lá acompanhada por ele. Eu saí de lá com ensinamentos que me fazem total sentido. E eu saí de lá pela primeira vez sem hesitar em como dizer tchau para um Lama. Eu o abracei, um verdadeiro e forte abraço. Quem sabe, reconhecendo a minha cultura, as minhas raizes. Eu me despedi de uma amigo.
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