segunda-feira, março 16, 2009

Os Sonhos



Continuo voluntariando na escola primaria aqui em Londres. E cada vez que vou la gosto menos das professoras, e mais da criancas. O professor da minha classe é um cara legal, Sultao Khan, que diferentemente das professoras estericas nunca grita e se diverte dando aula. Eu vou la todas as sextas, nunca me disseram nada muito explicito, nunca me deram uma lista com os nomes das criancas, entao eu vou aprendendo meio assim... por osmose :)

Os nomes eu vou ounvindo. Nomes diferentes de criancas que vem de tudo que é lugar do mundo (há muitos filhos de imigrantes e refugiados). Um desses dias, quando eu chamei o Tamin para ler comigo, ele me olhou com os seus lindos olhos negros, e cilios enormes e disse. "Tudo bem que vc diga todos os nossos nomes errados, porque voce é estrangeira." Eu comecei a rir, confesso que eu nem tinha percebido que minha pronuncia era tao pessima. Pedi a ele que que me ensinasse a pronunciar corretamente o nome dele. "That is not so important, Juliet.". De fato, talvez nao seja. Eu tao pouco me importo que eles me chamem de Juliet.

A Martine, veio até a mim na primeira semana para perguntar se podia ir ao banheiro. A classe é aquela bagunca com professores que entram e pegam coisas, alunos de outras classes que vem buscar material, Mr.Khan ensinando sobre o Sherpas e a Martine, uma menininha minuscula, de pe na minha frente. Ela veio ate a mim, porque eu era a responsavel nao ocupada naquele momento. Eu so tinha que deicidir se ela podia ou nao ir ao banheiro. Por mim, claro que ela podia mas nao sabia como era a dinamica da classe, entao fiquei tentando olhar para o mr. Khan e descobrir se eu podia ou nao deixa-la ir. Ela esperou uns segundos, e percebendo a minha aflicao colocou a mao no meu ombro e disse " Juliet, it is ok, voce tem o direito de me deixar ir ao banheiro!." Eu fiquei desconcertada, aquele pinguinho de gente, estava nao so percebendo a minha duvida mas me amparando ali no meu primeiro dia. "Voce tem certeza disso????" eu perguntei seria meio brincando" "Tenho." "Entao va ". Ela foi, e quando voltou veio ate a mim e disse "See I am already back".


E eu fui entrando assim nessa classe, pelas maos das criancas, que com toda delicadeza e percepcao iam me explicando a dinamica da escola. Eu aprendo muito mais do que ensino, e essa estoria de voluntariar fica ate parecendo meio injusto, como se eu ganhasse muito mais do que dou. Eu leio, eu ajudo, eu explico, me reviro... mas oque eu masi faco é ouvir. E estar ali para aquelas criancas que tem um milhao de coisas para contar e ninguem muito que preste atencao é simplesmente incrivel! Entao, quando o Mr.Khan contou que eu ia passar ferias no Brasil, o Severum veio me abracar e me me dizer para voltar logo. Depois que ele veio, vieram todos. Com varios conselhos importantes do que eu devia fazer e evitar enquanto estivesse longe.

Voltei, semanas depois achando que eles talvez eles nao lembrassem de mim. O sorriso no rosto eh daqueles que desmonta. Mr. Khan perguntou se eles queriam golden time ( brincar) ou conversar comigo. Quiseram conversar comigo para saber do brasil. Um milhao de perguntas. Tem borboleta? E arco-iris? E que tipo de bicho? "Micos, Tucanos, Araras, "Leopards", eu disse" . " Eu acho que o que vc quer dizer é "Jaguar", pq os "Leopards" vivem na Africa me explicou o Cecai. "

Faz umas semanas eu tive que ir embora mais cedo porque eu tinha uma aula. Expliquei que eu tinha que ir a aula e de repente as criancas me olharam em total espanto. "Do you go to school???" Eu confirmei. Eles ficaram perplexos. Incredulos. "Juliet, are you an ADOLESCENT????". Percebi que tinha usado a palavra errada e expliquei que nao. Eu ia a faculdade. Achei que com isso eu fosse acalma-los. O olhar se tornou ainda mais de fascinio. "do you go to the UNIVERSITY?????". Sim eu disse. "Wow. I dont know anyone who goes to the University!!!" Todos iam repetindo isso.

Essa sexta, semanas depois dessa conversa, quando eu tava indo embora o Tamim veio me perguntar se eu tava indo para minha aula. Eu disse que sim. Eu que to meio cansada do meu mestrado, disse que sim. "you know what ...my neighbour goes to the University too!". Ele me disse com todo orgulho. "Does he?". Eu perguntei. "Yes! and I told him about you! Now I know 2 people in University!!!" Quem me conhece sabe que eu tenho os meus criticismos sobre escolas em geral. Inevitavel sintoma de quem ja fez muita aula de antropolgia e de post-colonialism. Mas o Tamim, me desmontou. "Juliet, I am going to go to University too! You know why? . No why? " Cause I want to meet people like you, and learn all those things that you know."

Eu queria ter explicado para ele, que ele nao precisava ir a universidade. Que aquela percepcao, que aquela docura e gentileza tao valiosas nao eram ensinadas. Que tudo isso a gente as vezes vai perdendo nas escolas, nas universidades da vida. Que la nos mandam sentar bem quietos. Ficar calados. Reproduzir ideias dos outros. Atacar pensamentos. Eu queria dizer para ele que eu aprendo muito mais ali numa classe de criancas de seis anos. Mas eu nao disse, porque com todos os seus problemas as escolas sao lugares de encontro. De aprender a lidar com o social. Com o abstrato. Com os livros.Aprender sobre outros mundos. E talvez essa troca seja isso. Eu vejo nele o meu ideal de pureza, de bondade, e ele ve em mim alguem que ele acha que eh admiravel, alguem que vem de um mundo de misterio, alguem da universidade. Talvez estejamos os dois errados, talvez nao. O mais provavel é que estejamos na metade. Mas ali eu abandonei o meu criticisimo a toa.. para permitir so o sonho. Afinal de contas, oque seria do mundo sem os nossos sonhos?

Um comentário:

Anônimo disse...

Cara, eu nao sei nem o que comentar. Adorei as historias. Criancas sao sempre muito mais espertas e percebem sempre mais do que a gente imagina. Eu tenho a sensacao que em algum momento, la pelos 10 anos, alguem mata esse espirito...
E sobre ir para University, voce ve claramente porque essas criancas acabam parando de estudar. Elas nao conhecem ninguem que va para university, entao a ideia nem passa pela cabeca delas. Eu pessoalmente acho que fazer faculdade eh importantissimo. Conhecer pessoas, manter a sensibilidade e o interesse pelas coisas tambem, mas pelo menos pra mim sao coisas independentes.