domingo, janeiro 24, 2010

Das Varias Linguas

De volta a Londres e como sempre sao tantos os topicos, sao tantos os eventos, que eles acabam sermpre parecendo que nao sao nenhum. Minha vida é sempre dividida por eventos quase que totalmente opostos. Sou tocada por coisas incrivelmente contraditorias.

A vida as vezes parece um acaso total. Noutras parece que o acaso total tem sua vontade propria que nos traz a um ponto na vida que parece fazer todo sentido. Seria todo sentido, ou seria so um mecanismo da nossa mente de criar explicacoes post hoc? Pois é, é assim que eu vivo ultimamente: em meio a duvidas incrivelmente cognitivo-filosoficas.

Quando fui estudar no Estados Unidos em 2001, poucos dias antes das torres gemeas cairem, fui para estudar cinema. Tinha ganhado uma bolsa, e confesso que foi um total acaso, ou seria destino? Acabou que eu fui passando de departamento em departamento até me formar em antropologia. Acho que muitas dessas escolhas sao determinadas pelas pessoas que conhecemos. Conheci 3 professores que me tocaram muito Mustapha, Marroquino e prof de estudoes "post-coloniais", Pugliese, Americano e professor de Historia, e Fiorini, Brasileiro e professor de antropologia. Minhas escolhas meio que foram sendo tomadas pela motivação e admiracao que eu tenho por esses 3 professores. Com dois dele ainda mantenho contato. Em comum acho que todos tinham um senso de etica invejavel. Do Pugliese eu aprendi a olhar a tudo como parte de um longo processo historico, do Marcelo Fiorini aprendi sobre os mundos, e as nuances escondidas, do Mustapha eu aprendi sobre justiça, sobre feminismo, como nossos conceitos dizem muito mais sobre nos mesmos do que sobre o que caracterizamos.

Acabou que depois fui para Holanda e la encontrei dois outros professores que me tocaram Gerd, professor de Guerra Civis, e Oskar, professor sobre Violencia Politica. De Gerd eu aprendi que para conseguir mudancas no mundo precisamos falar a lingua de quem vai nos ajudar, lembrando de Mustapha eu sabia que ajudar, e resolucao esta na nossa mente, ligado intimamente com nossas concepcoes de socidades ideais. De Oskar eu aprendi a questionar nocoes sobre violencia, sobre politica.

Enfim, eis que eu chego a LSE, para estudar Cognicao. Antropologia da Cognicao que é muito a parte de tudo que eu fiz antes. Eu deixo de olhar exlusivamente para o mundo, e comeco a buscar os "constraint" cognitivos. Eu me rebelo a principio. Estudar concepcoes religiosas a partir de processos cognitivos me desestabliza, eu que tinha acabado de ir buscar em todo o mundo metafisico uma maneira de me curar. Me desestabliza, pq no fundo eu sou tudo isso. A cientista cognitiva, a antropologa, e a mulher que tem buscas meta-fisicas. Penso em abandonar meus estudos varias vezes. E dessa vez entra uma professora na minha vida. Rita.

E começa mais um ano e quase parece que eu sou cientista cognitiva de formacao, pq eu nao paro de ler sobre ToM ( theory of Mind), autismo, meta-representacoes. Acabo sendo tao empenhada em tudo isso, que minha supervisora me convida para fazer parte da sessoes privadas com os palestrantes que vem fazer parte dos seminario de cultura e cognicao da LSE. Assim, que essas semanas eu estive na situacao surreal de estar tendo encontros com mais 2 estudantes e os maiores especialistas do mundo em congicao. As minha perguntas a Susan Carey, professora de psicologia de Harvard sao tao cognitivas que quando eu parto até me assustam. Como é mesmo que eu cheguei aqui? Realmente nao sei.

Pela primeira vez no entanto tenho me sentido mais no lugar. Numa conversa com meu flatmate, ateu mas que parece ter uma fé na ciencia para mim parecida com religiao eu percebo isso. Eu nao tenho tanta "fé" na ciencia. Eu admiro o que o processo cientifico propoe. Mas o projeto cientifico assim como o artistico, ou o religioso é humano e por isso também politico e economico. As linhas e paradigmas que se seguem são uma das muitas outras possibildiades que poderiam existir. O progresso cientifico é possivel, creio, pela mesma razao que é possivel o processo artistico. É por causa daquilo que o Puglise me fez perceber la atras, que tudo que existe é resultado de um processo historico. E essa acumulcao de "conhecimento" é possivel pela nossa capacidade cognitiva de criar, mas mais importantemente como explicam Tomasselo, e Csibra, de transmitir conhecimento, e de ter uma pedagogia natural, ou seja nos seres humanos aprendemos, copiamos.

É claro, que eu nao estou propondo que religiao e ciencia sejam a mesma coisa. Eu reconheco, é claro, que a revolucao cientifica, permitiu um acumulo e organizacao de informcao, verificacao nunca antes imaginado.. (Mas quem é cientista sabe que o sistema de conseguir grants, de ter que publicar papers, é muito mais realidade do que busca de "verdades"). Acho, no entanto, que essa batalha Dawkiniana contra a religiao como raiz de todo mal um pouco cansativa. Eu nao sou religiosa, mas tenho que reconhecer cientificamente tanto por estudos sobre efeito placebo aqui, e como estudos sobre meditacao, e ate mesmo com religiosos que o poder da fé é "materialmente" verficavel. A ciencia, a religiao, os Estados, (eu imagino que qualquer instituicao humana) pode ser usada para o mal ou bem.

Cada vez mais vejo o mundo povoados por diversas linguagens. Musica me toca quando eu ouco de uma maneira distinta de quando eu toco, e ainda distinta de quando eu leio, e eu posso pensar nela matematicamente, e se eu fosse fisica talvez pudesse ate compreende-la em paramentos fisicos. Para musica eu ainda prefiro permanecer no ambito do emotivo. Na antropologia, eu sei que muitos ambitos sao possiveis, ultimamente, os processos de aprendizado me interessam muito. Nao ignoro os materiais nem os politicos. Tenho que fazer uma escolha, e por enquanto é essa para os mini processos que quero olhar. O que me cansa um pouco é essa ideia das pessoas que querem aplicar uma lingua a tudo. Imagino que matematicos possam talvez explicar quase tudo em equacoes, mas o que realmente ganhamos com issso? Coerencia? Consistencia?

Pensando nas pessoas queridas da minha vida, percebo que ha muitas maneiras de olhar para o mundo. E talvez essa maneira "customized" que eu esteja adotando seja incrivelmente ocidental. Ou talvez nao. Talvez seja simplesmente humano, ser capaz de entreter muitas vezes concepcoes muitas vezes completamente contraditorias. De fato, eu nao sei o como eu cheguei até aqui, mas aqui estou e trajetoria me parece fazer enorme sentido. Talvez ela faça, talvez seja só meu cerebro criando essa sensaçao de sentido. Mas será que faz alguma diferenca ?

11 comentários:

Unknown disse...

Adorei seu post, Ju. Tanto ciencia quanto religiao nascem da necessidade e capacidade humana para buscar e encontrar explicacoes. Sempre acho que duas pessoas pensam melhor do que uma, dois paradigmas diferentes podem estar mais perto da verdade do que qualquer um deles isolado...

Sabrina Rabello disse...

Adorei, como sempre, deep, profound.

Se a mente precisa criar esses sistemas coerentes ou nao sobre o que a gente percebe da realidade, well, I think it's the hardest question of all...por causa do obvio bias da gente usar a nossa mente para construir esses sistemas, inclusive o proprio sistema de como a mente funciona, to begin with....como vc falou, the constraints imposed by cognition...

At the same time, seja o que nos podemos absorver do mundo exterior, seja porque ele e um produto dessa cognicao ou nao, o que e inegavel, e a experiencia humana, quando vivida, sentida. O fato da gente pensar sobre ela, nao reduz a intensidade dela...As vezes as pessoas fazem esse erro...Nao sei se o Dawkins esta certo ou nao, nunca li nada dele, deveria ler...But I really believe you can still be as atheist as you want into thinking of what you are a bi-product of and still live life to the fullest and feel and be in your fullest...Nao sei se e o caso dele, mas anyway...

Having a mental bias constrained by cognition or not, na minha opiniao nos sempre vamos estar prisioneiros no "agora", nao no sentido de carpe diem, mas no sentido de como, nesse and only in the present moment, a gente reconstroi esses modelos, paradigmas, etc....
it only makes sense in the present, which, well, is already past, from the moment I wrote you the email...And when we rememebr, well, there are already biases...The reconstruction of our identinty is hence, biased...

Having said that, a questao da construcao de sentido, fate, meant to be versus completamente aleatorio...nao deveria ser abordada como antagonismos. Por que from all possibilities that you could have to be everything that everyone in the planet could be/is, you're still you, in your mind, with your cognitive, emotional personal bias...And no matter how much we think we can make random decisions, end in different places, who we connect with, who we and what we choose to pay attention to, and and have an 'avatar' in the narratives of our private world, I believe already contains reflections, projections of that world to begin with....

Hence, it's not contradictory at all to create, meaning out of, well, random....Because it is not truly random (not in a external destiny sense), but because we don't really seek all possibilities, we don't really make a choice of all possible choices, we make choices which are ingerently and indirectly hand in hand with those paradigms we are inclined to create....

Beijinhos, saudades muitas, skype depois?

Caue disse...

Tbm adorei, e tambem como sempre! Incrivel. Eu fiqeui aqui pensando quantos documentarios, e posts, e conversas, e livros, e flisofia, e religioes, e ciencias nao estao neste post. Tantos questionamentos profundos sobre a natureza da epistemologia, sobre as escolhas de como viver a vida, sobre a busca pela verdade. Ju nao pare de escrever! Musica, textos, livros, papers, poesia. eu sei que vc ja ouviu isso um milhao de vezes mas voce traduz sentimentos, e pensamentos como niguem. Na verdade, tudo que vc se propoe a fazer é sempre ao mesmo tempo cientifico, lirico e filosofico. E por isso acaba tocando os leigos, os medicos, os filosofos, e os cientistas... vai no amago das questões. Por isso queremos todos ler sobre suas viagens. Pois suas viagens tem essa riqueza de detalhes. Nao como esses contos que contam só atividades, mas estorias que contam a vida dos outros, de quem encontra na linguagem (como vc colocou no outro post) da fisica, da neurologista, do lama, e do moco que rodou a mongolia as nossas questoes existenciais.

Saudade.
Caue

Julieta de Toledo Piza Falavina disse...

Lau, Sa e Caue,

Nossa.... fiquei tocada! Nao sei o que dizer...]

Lau.

de fato, voce tem toda razao.. acho que vem mesmo dessa sede por sentido... nao sei se vc ja leu, mas tem um cara Bering, que escreve sobre EToM ( Existencial Theory of Mind), ..eu ia tentar resumir, mas acho melhor nao correr o risco de escrever errado :) vou procurar e te escrevo!

Sa,

Sim precisamos skypear. Nossa esse seu post foi cheio de pensamentos como o meu. Sem duvida, acho que ateus nao vivem uma vida sem sentido, e tao pouco o Dawkins acha isso. Eu tava mais me referindo a batahla dele contra religiao como "root of all evil". Pois acho perigoso roubar a fe das pessoas... afinal ha muita evidencia que crencas sao muito poderosas..e podem ser tanto negativas como positiva. Na verdade nao sabemos muito bem como estados mentais afetam a saude/bem estar das pesssoas...Bom, para isso nao virar um daqueles nosso monologos ubatubenses te ligo :)saudade querida

Caue,

Querido. Obrigad. por ler, pelas palavrsa, por sempre ter apoiado todas as minhas mudancas..Por sempre ter essa visao tao positiva e generosa ( ainda que um pouco megalomaniaca :) das minhas endeavours...
xxx

Julieta de Toledo Piza Falavina disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Julieta de Toledo Piza Falavina disse...

Ah Caue,

E vc tem razao, tem muitos papers, e muitas filosofias, e muitos encontros, e muitas conversas, e muitos TEDs, e muito filmes, e viagens,e pinturas, e musicas, e estudos, e devaneios.... tantos que eu achava que tinha que explicar mais os pensamentos condensados, explica-los com case studies, e que tdevia ter feito a bibliografia.... :)

Anônimo disse...

Oi Julieta,

Vim parar no seu blog por acaso ha uns meses quando estava fazendo uma busca sobre a Mongolia. Virei leitor assíduo! Esses seus dois últimos posts são incríveis! Vou ter que me juntar ao coro e dizer: "Adorei, como sempre!"

Antonio

Anônimo disse...

Ju! Sempre é uma delícia te ler, e esse seu último texto em especial me impressionou ao mesmo tempo pela profundidade, pela clareza, pela capacidade de síntese e pelos diversos questionamentos acertados. Praticamente a base holística que buscávamos para fundamentar a doutrina da nossa escola de molusculacao localizada para combater o Mestre De Rose, aquele véio safado e sem vergonha! ;)
brincadeiras `a parte, adorei tudo, mas principalmente por compartilhar de tantos de seus questionamentos! :)
Bjs e nos vemos em breve (puuuta preguica de volver...)

Anônimo disse...

Julieta,

Vc conseguiu com uma clareza impresssionante expressar tudo que eu sinto em relacao a esta enorme campanha fundamento/pseudo/cientifica. Eu sou cientista (biologista molecular) tao pouco sou religioso e tambem fico exausto com tanto reducionismo. Parabéns. Seu blog é fantástico e acaba de ser adicionado a minha lista!

Gustavo Oliveira

Anônimo disse...

very useful read. I would love to follow you on twitter. By the way, did anyone know that some chinese hacker had hacked twitter yesterday again.

RenataSF disse...

Oi Julieta, tudo bem?
Achei teu blog meio sem querer,lá por novembro de 2009 (não faz muito tempo)... mas devorei! Li e li e li, sans arrêt! Sabe quando a gente está com uma coceira interna, procurando algo pra preencher um espaço, mas, ao mesmo tempo, a gente não sabe bem o que quer, o que está procurando, nem onde está o espaço nem a coceira? Pois é.. estava nessas e achei teu blog!! Li um texto, outro, outro... aí, resolvi ir lá pra primeira postagem e vim lendo, uma por uma... Em 2 dias tinha lido tudo, relido algumas, chorado um pouco, rido, sorrido, estava com bunda de secretária de ficar sentada no computador, com os pensamentos a mil e com a alma preenchida por histórias de alguém que eu não conhecia, mas que agora conhecia... conhecia ou não conhecia?? É estranho e interessante! Gostei muito - é bom ler teus textos. Nunca tinha deixado comentários, mas venho de quando em vez ver se tem publicações novas.
Aí, há alguns dias atrás, conversando com uma amiga que tem um blog, ela me disse que é muito importante para quem escreve ler comentários de quem lê, pois senão quem escreve fica parecendo meio tolo, escrevendo pra ninguém... sei lá... fiquei pensando nisso. Então, resolvi deixar também minha mensagem: Parabéns guria!! Teus textos são muito bons e 'te conhecer' me fez um bem enorme. Tomara mesmo que eu possa descobrir uma hora dessas que andas tocando, cantando e compondo muito por aí ou por aqui... cá, lá, làs-bas. Mas acho que, além da música, ainda vou te ler muito por aí afora, hein? Pois tens um talento enorme pras 'escrituras e escrivinhações'!! Um beijo menina, te cuida, tudo de bom, muitas alegrias e coisas boas e até mais (tô aqui só na espreita!).
PS: postei por engano esse mesmo comentário no Richard II.