sexta-feira, janeiro 08, 2010

Tao Longe Tao Perto*

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Estou no Brasil. Passei o Reveillon numa casa repleta de mulheres fenomenais. Falamos, falamos, falamos muito. Foi um encontro desses transformadores. Encontro de pessoas de diversas areas, que em comum tem duvidas existenciais, uma vida academica intensa, uma vida artistica muitas vezes desestabilizante e nenhum medo de ir aos lugares mais escondidos de dentro para vasculhar, procurar as muitas das nossas inconsistencias.

Nos encontramos ali, em meio a outras mulheres mais jovens ainda comecando suas buscas e transbordamos. Numa caminhada pela praia visitamos o funcionamento celular, a caixa de Schrödinger, mundos paralelos, o mundo vivido na imaginacao, e até Goethe. Nenhuma desses assuntos visitados foi visitado com intuito de provar nada, ou de usar o conhecimento para se distanciar do outro. Nao, Sabrina minha amiga fisica, matematica e compositora, falou de fisica para nos explicar sua musica, Laura, neurologista falou de celulas, e sistemas neurologicos porque era sua linguagem de entender o que para nos todas é a mesma busca. Goethe recitado por minha tia, foi recitado nao para mostrar que ela leu Goethe, mas porque naquele exato momento nada cabia melhor do que aquelas palavras. E ali nos todas nos sentimos encontradas. Buscando na linguagem de especialidade do outro resposta para a busca que é de todos nós.

Algumas manhas depois da partida das minhas amigas acordei uma vontade incontrolavel de ler o blog da Gabi, que esta morando na India. Queria saber o que estava acontecendo com ela no final de ano la em Bangalore. Para minha surpresa quando cheguei ao internet cafe, e consegui em meio a jogos de video game, calor, e barulho abrir o blog dela , o titulo do seu ultimo post eraConfissoes de Estrangeira. Li o post, e tocada soube que eu tinha vindo ali para busca-la. Pois eu mesma, pela vida que levei acabo me sentindo estrangeira em todos os lugares do mundo.

Emocionada com o post, deixei uma mensagem sabendo que isso de se sentir estrangeira quando vem acho que fica para sempre. Percebendo que eu ali na minha casa de praia, o lugar mais comum a minha vida, a casa que voltei desde que nasci ( diferente das minhas supostas casas fixas), me sentia estrangeira. Estranha. Fora de lugar. Tao perto e tao longe de todos os lugares. Expliquei na mensagem, que tinha vindo busca-la, porque eu buscava alquem que estivesse longe pois estranhamente é no estranho que eu me sinto mais em casa.

É onde a casa interna vai se formando mais claramente, nao tao determinada pelas convencoes do lugar. De acordo com Maurice Bloch uma das coisas que nos faz humanos e nos separa dos outros antropoids é a nossa capacidade de viver na imaginacao, nas comunidades imaginadas. As regras em si nao fazem sentido se nao forem aceitas por muitas mentes. É essa nossa habilidade de pensar meta-representacionalmente, de atribuir simbolos, status, papeis que nos torna humano. Por exemplo, um chimpanze nao percebe a diferenca entre a agua benta e a agua comum, essa diferenca está na nossa capacidade de conceber o simbolico. Os "reais" so tem valor no Brasil pq coletivamente aceitamos isso, cruzando a fronteira eles ja nao valem mais nada.

Cruzar fronteira tem disso, evidencia muito de quanto nos vivemos no invisvel, no mundo criado na mente coletiva. E eu soube lendo o blog da Gabi que ali sozinha, meio que alem de tudo, de todos os codigos, ela nao "estava" estrangeira, e sim estava se descobrindo estrangeira. Porque nao ha como cruzar tudo isso e imaginar que permancemos os mesmos. nao da. E com essa enormidade de liberdade de observacao, de alegrias repentinas e inexplicaveis por ver o rosto da moca de burqa, por conseguir estar “not tempo das coisas” para se emocionar com o o detalhe, vem tbm um enorme sentimento de solidao.

O que faltou eu dizer, é o que percebi depois quando recebi uma mensagem da Laura, agradecendo pelo nosso encontro na praia. A minha mensagem a Gabi devia ter continuado, pois na verdade eh no encontro com esses outros estrangeiros do mundo que me sinto em casa. Com os que sabem nao no intelecto mas na alma o que eh eh isso. O que eh ter um desejo, ou uma duvida, ou algo que eh dificil de dividir com a maioria do mundo que nao passou por essa vida de se des-enraizar.... É no encontro com os que sabem que o preco dessas buscas é muitas vezes altissimo (e incompreensivel para a maioria das pessoas) mas que para nos os estrangeiros é única opção. E ironicamente, percebi que o Bloch tem razao, que o social é permeado de viver no imaginario, pois é só nessa outra "comunidade imaginada" ( a dos estrangeiros) que nos sentimos menos sos.

*Titulo do Blog da Gabi Tao Longe, Tao Perto

7 comentários:

Unknown disse...

Ah, Ju... Tem tanta coisa perto dos olhos e longe do coracao, e tanta coisa longe dos olhos e perto do coracao... Ainda bem que, como explicou a Sabrina, o tempo e o espaco sao relativos, e a gente nunca sabe... o gato pode estar vivo...

Anônimo disse...

Linda,
Voce sempre se supera. Impressionante a sua capacidade de traduzir em palavra os seus ( e os dos outros) pensamentos e emocoes. Emocionei-me sabendo que tambem faço parte da comunidade imaginada dos perdidos no mundo.

Quando que vc vai escrever um livro???
Beijos

Fe

Anônimo disse...

Que post maravilhoso querida!!!
Saudade.
Beijos Mil
Luli

Anônimo disse...

Caralho Ju. Muito lindo isso!

Gabriel

Anônimo disse...

Julieta,

Ja acompanho seu blog faz mais de dois anos mas nunca tinha tido coragem de deixar uma mensagem antes. Acho que voce poe as coisas tao bem. Adoro o seu blog! Esse ultimo texto realmente me tocou profundamente ja que eu tambem me sinto uma estrangeira no mundo. Eu nao sou boa em colocar coisas em palavras, mas queria que voce soubesse que eu encontro muitas vezes no seu blog a inspiracao para olhar o mundo de uma maneira um pouco mais lirica. Obrigada!

Feliz Ano Novo!
Marluce Dias

Anônimo disse...

Dizer que está cada vez melhor é bobagem pq sempre foi! Adorei esse post!!!
Beijos

Guile

Não pinta uma visita por aqui ??

Julieta de Toledo Piza Falavina disse...

Lau,

De fato! E ainda bem que ela canta sobre isso... imagine se tivessemos que entender em equacoes :)

Fe,

Eu to achando que é o Fellipe, mas confesso, que com os tantos Fes da minha vida, fiquei confusa. De qualquer maneira obrigada. Escrever livros é para os grandes. Eu sou pequeninha entao escrevo essas palavrinhas aqui e ja me deixa chocadissima que vcs leiam :)

Luli,
Brigada!!!

Gabs!!!!!

Me deus que surpresa, eu nunca imaginei que vc lesse meu blog!!! Obrigada! POr onde vc anda? Terminou o doutorado?

Marluce.

Muito obrigada. De verdade. Fiquei muito tocada com suas palavras. As x eu acho que as minhas respostas a comentarios sao meio vagas. Eh que de verdade eh dificil de dizer algo que passe realmente o meu sentimento de gratidao. Obrigada. Por favor escreva sempre.
Sinceramente,
Julieta,

Guile, querido.... eu tenho muitas pessoas a visitar por ai... amigos em boston, NY, california... agora new haven realmente nao estava nos meus planos :) to brincando... queria muito te ver!!!