Meu housemate Shane acabou de partir. Celebramos sua partida o final de semana inteiro afinal hoje ele voltava para a Adelaide, Australia onde eu morei quando tinha 15 anos. Nao faz muito tempo que eu escrevi aqui sobre o ano novo chines que celebrei aqui em Londres.
Naquele dia sentados a volta da mesa fizemos o ritual do tolkien of speech que eu aprendi na minha despedida do brasil. Quase que todos ali em volta da mesa falaram da incerteza do futuro. Chi, meu couch surfer Chines, tinha completado um ano de viagem... e seguia rumo a Madagascar. Shane falava da sua volta incerta a Australia, eu da minha possivel mudanca para fazer trabalho de campo em Israel. Naquele dia, tudo aquilo trazia um pouco de ansiedade enquanto ao mesmo tempo parecia tao longe.
Hoje eu acordei depois de passar apenas duas horas dormindo. Acordei porque o futuro tinha chegado no presente. O Shane estava indo embora. O Chi que eu acompanho pelo site do couchsurfing e por trocas de email esta agora na Uganda e eu, que acabo de voltar da Palestina, abandonei meu doutorado.
Lembro que naquele dia sentada em volta da mesa Chi disse que descobriu um dia que precisava sair por ai ate encontrar um lugar. "Nem todo mundo eh assim" ele explicou. Quando eu finalmente mandei meu email final de Beit Sahour na Palestina para minha supervisora explicando que dessa vez nao tinha volta eu estava de fato abandonando meu doutorado senti um misto de desespero com alivio. O que é mesmo que eu faço agora?
Mas se tem uma coisa que eu aprendi no Oriente Medio é que medo é arma mais manipuladora, e mais perigosa que existe. O medo que meus amigos israelenses sentem nao permite que eles descubram que os meus amigos palestinos ali do lado do muro tem as mesmas duvidas, as mesmas insegurancas, as mesmas ansiedades e alegrias. Ter amigos dos dois lados do mundo é subversivo pois confronta os dois lados com a obvia humanidade.
Antes de eu cruzar o muro para couchsurf na Palestina meus amigos Israelenses ficaram aterrorizados. "Vc ta louca? Vc quer ir ficar na casa de um estranho palestino em NABLUS? Voce realmente nao quer voltar viva!". Confesso que vez ou outra senti medo antes de ir. Parei e pensei "sera que eu estou me colocando em risco desnecessario?". Esse simples pensamento me assusta, se eu nao tivesse cruzado o muro, se eu nao tivesse ido a casa de estranhos que conheci pelo caminho eu teria acreditado no que a midia, e os governos e todos esses orgaos manipuladores nos querem fazer acreditar. Que o diferente é perigoso. Que é melhor ficar no nosso proprio grupo. Que aquele povo de la nao está preprado para democracia, ou nao entende nada de direitos etc etc etc. Que eles nao sao como nos.
Medo faz isso. Nos congela no tempo e no espaço. Nos torna menos empiricos, e mais generalizadores das situações. Faz com que ideias como "preeventive strikes" sejam apoiadas. Medo nos faz ficar nas nossas "nao escolhas" por medo que a alternativa possa ser pior.
Mudanças são ao mesmo tempo aterrorizantes e libertadoras. Dizer adeus ao meu amigo Shane foi meio aterrorizante. Nessa vida de cruzar tantas fronteiras nunca se sabe quem se encontra de novo. Abandonar a minha nao escolha de doutorado pela verdadeira escolha de nao faze-lo por nao acreditar na minha pesquisa depois de ir ate a Palestina foi libertador. Muito libertador. Quando o carro que levou o Shane agora ao aeroporto desapareceu no horizonte me deu um certo medinho. Tudo bem a gente respira fundo, e lembra que a vida nao é estatica, que é tudo em movimento, e não adianta ficar se segurando no que está passando. Respira fundo e tenta soltar nas lagrimas e no ar o que no fundo sabemos nao faz sentido nenhum.
And herein lies the tragedy of the age:not that men are poor,.. all men know something of poverty;not that men are wicked,.. who is good? Not that men are ignorant,..what is the thruth? Nay, but that men know so little of man. W.E.B du Bois (The souls of Black Folk)
domingo, maio 22, 2011
sexta-feira, maio 13, 2011
Firaz
Firaz tem 22 anos. Quando cheguei a Nablus na Palestina entrei numa casa meio que surreal. Tinha vindo de minivan de Ramallah cidade que serve temporariamente como capital administrativa da Palestina. Quando o taxi me deixou no endereço que Sam meu host tinha explicado por telefone ao senhor Palestino que sentou ao meu lado na viagem (e nao partiu sem antes ter certeza que eu estava dentro de um taxi indo na direcao certa) Firaz veio falar comigo. “Are we looking for you?”. Eu sorri e disse que nao sabia. “ Are you here for Sam, right?” Eu estava, Sam era meu host do couch surfer em Nablus. Cruzei a rua, entrei num prédio e segui Firaz, e outro rapaz, Yahya 25 ate o segundo andar. Entrei , cruzei o corredor entrei num sala com muitas cadeiras e uma mesa cheia de uma variedade de frutas, e então me levaram a um quarto.
Senti me meio que como num filme em algum lugar meio alem da realidade. No quarto, havia umas cortinas amarelas que davam uma luminosidade toda especial. Uma cama enorme onde Sam falando no telefone estava sentado. A volta varias cadeiras, 6 laptops, muitos telefones, varios meninos, e uma menina. Lorna, 23, tbm couchsurfer me ofereceu café. Sentei e de repente apareceu um homem trazendo café árabe para mim. Lorna, riu, “ se acostume, daqui para frente eh assim. Eles vão fazer tudo para voce.”
Fui conhecendo aos poucos os meninos. Por alguma razao Firaz veio e sentou se ao meu lado num momento que eu estava sozinha. Contou me sua estoria “ voce sabia, que antes da Lorna vir aqui eu nunca tinha falado com nenhuma mulher fora da minha familia?” Eu nao sabia eh claro. Ele me explicou que as escolas eram todas separadas. “Entao quando ela chegou e falou comigo meu coração bateu forte, e eu não sabia direito o que dizer.”
Lorna rindo disse “ eu disse, tudo bem Firaz eu sei que vc não gosta de mim por isso nao fala comigo.” Alguns minutos depois ele se aproximou dela e disse “ vc ja andou de burro?”. Sua primeira frase a uma mulher tinha sido essa. Lorna contou chorando de rir. Os outros meninos que sempre tiravam sarro de Firaz continuaram rindo. Firaz como sempre nem ligou. Se aproximou de mim e foi contando sua estoria.
Contou do sangue correndo nas veias de nervoso, contou das vezes que nao passou nos exames da escola, contou de ficar as vezes muito deprimido. Para quem nunca tinha falado com uma mulher antes, ele de repente se abriu completamente.
Horas depois quando Firaz que é um devoto muçulmano, descobriu que eu meditava e fazia yoga ficou animadíssimo. Mil perguntas. E eu completamente intrigada por ele querer saber tanto sobre todo esse mundo tao longe de Nablus na Palestina. Brincando disse que eu sabia ler mão.
Peguei a mão dele e no meio de todos comecei a repetir o que ele tinha me contado. “ Firaz estou vendo aqui na sua mao que vc nunca tinha falado com uma mulher, etc, etc”. Eu estava obviamente brincando, e ele meio que percebendo dizia “ isso tudo eu que te contei”
“Voce esta duvidando da minha habilidade, da minha competência de “palm reader”. Os meninos riam, Lorna ria, quando Firaz do nada diz “ por acaso diz alguma coisa ai sobre eu querer me matar?”
Todos os meninos que sempre tiram sarro dele emudeceram. A mao dele na minha e eu sem hesitar sabendo que ele queria falar disso disse naturalmente:
“ Diz sim, diz que vc quando ta deprimido , quando nao passa nos seus exames, quando sofre as vezes pensar em morrer. Mas tudo bem, todo mundo pensa isso de vez em quando.”
Disse isso e continuei lendo o que ele tinha me contado. No final, ele olhou para mim e disse:
“ Voce nao sabe ler mao, vc repetiu tudo que eu falei!”
“Sinto muito eu sou uma ótima palm reader tá tudo escrito ai : )”
“ E tem mais, isso do suicidio eh mentira!”
“Sinto muito Fayez, o que ta escrito ta escrito” disse brincando pois tudo tava em tom de brincadeira.
“Ta bom, eh verdade, mas foi so uma vez”
Eu nao conseguia acreditar que ele estava abertamente falando de algo tao privado em meio a umas 8 pessoas. Eu percebi que ele queria falar disso entao perguntei o que tinha acontecido.
“Uma vez eu quase me joguei de uma montanha, mas ai varias pessoas vieram me salvar.”
“Firaz, como eles sabiam que voce estava la?”
“ eu tinha ligado para um amigo meu. Voce acha que eu sou louco?”
“Firaz vc nao queria morrer. Voce queria ajuda. Voce precisava de atencao e fez muito bem de pedir. Todos nos precisamos de ajuda.”
Assim, foi logo o meu primeiro encontro com Firaz. Fiquei intrigada com sua sensibilidade. Fiquei impressionada com a sensibilidade dos outros meninos que sempre tiram sarro dele mas ali naquele segundo ficaram em silencio respeitando aquele momento. Logo ali de cara, Firaz e eu ficamos conectados. Firaz por ser tao espontâneo me mostrou muito sobre o mode of thinking palestino muçulmano de um menino que nao fala com meninas. Com toda sua sensibilidade me impressionaria muitas outras vezes. Mas eu vou contando isso aos poucos. Levou apenas um encontro para comprovar para mim o que eu ja sabia, que as estorias e imagens que nos contam sobre o jovens da Palestina como violentos, como incapazes de pensamento critico é longe de real. E levou muitos outros encontros para eu ir percebendo cada vez mais o tamanho da generosidade desses meninos que eu encontrei.
Senti me meio que como num filme em algum lugar meio alem da realidade. No quarto, havia umas cortinas amarelas que davam uma luminosidade toda especial. Uma cama enorme onde Sam falando no telefone estava sentado. A volta varias cadeiras, 6 laptops, muitos telefones, varios meninos, e uma menina. Lorna, 23, tbm couchsurfer me ofereceu café. Sentei e de repente apareceu um homem trazendo café árabe para mim. Lorna, riu, “ se acostume, daqui para frente eh assim. Eles vão fazer tudo para voce.”
Fui conhecendo aos poucos os meninos. Por alguma razao Firaz veio e sentou se ao meu lado num momento que eu estava sozinha. Contou me sua estoria “ voce sabia, que antes da Lorna vir aqui eu nunca tinha falado com nenhuma mulher fora da minha familia?” Eu nao sabia eh claro. Ele me explicou que as escolas eram todas separadas. “Entao quando ela chegou e falou comigo meu coração bateu forte, e eu não sabia direito o que dizer.”
Lorna rindo disse “ eu disse, tudo bem Firaz eu sei que vc não gosta de mim por isso nao fala comigo.” Alguns minutos depois ele se aproximou dela e disse “ vc ja andou de burro?”. Sua primeira frase a uma mulher tinha sido essa. Lorna contou chorando de rir. Os outros meninos que sempre tiravam sarro de Firaz continuaram rindo. Firaz como sempre nem ligou. Se aproximou de mim e foi contando sua estoria.
Contou do sangue correndo nas veias de nervoso, contou das vezes que nao passou nos exames da escola, contou de ficar as vezes muito deprimido. Para quem nunca tinha falado com uma mulher antes, ele de repente se abriu completamente.
Horas depois quando Firaz que é um devoto muçulmano, descobriu que eu meditava e fazia yoga ficou animadíssimo. Mil perguntas. E eu completamente intrigada por ele querer saber tanto sobre todo esse mundo tao longe de Nablus na Palestina. Brincando disse que eu sabia ler mão.
Peguei a mão dele e no meio de todos comecei a repetir o que ele tinha me contado. “ Firaz estou vendo aqui na sua mao que vc nunca tinha falado com uma mulher, etc, etc”. Eu estava obviamente brincando, e ele meio que percebendo dizia “ isso tudo eu que te contei”
“Voce esta duvidando da minha habilidade, da minha competência de “palm reader”. Os meninos riam, Lorna ria, quando Firaz do nada diz “ por acaso diz alguma coisa ai sobre eu querer me matar?”
Todos os meninos que sempre tiram sarro dele emudeceram. A mao dele na minha e eu sem hesitar sabendo que ele queria falar disso disse naturalmente:
“ Diz sim, diz que vc quando ta deprimido , quando nao passa nos seus exames, quando sofre as vezes pensar em morrer. Mas tudo bem, todo mundo pensa isso de vez em quando.”
Disse isso e continuei lendo o que ele tinha me contado. No final, ele olhou para mim e disse:
“ Voce nao sabe ler mao, vc repetiu tudo que eu falei!”
“Sinto muito eu sou uma ótima palm reader tá tudo escrito ai : )”
“ E tem mais, isso do suicidio eh mentira!”
“Sinto muito Fayez, o que ta escrito ta escrito” disse brincando pois tudo tava em tom de brincadeira.
“Ta bom, eh verdade, mas foi so uma vez”
Eu nao conseguia acreditar que ele estava abertamente falando de algo tao privado em meio a umas 8 pessoas. Eu percebi que ele queria falar disso entao perguntei o que tinha acontecido.
“Uma vez eu quase me joguei de uma montanha, mas ai varias pessoas vieram me salvar.”
“Firaz, como eles sabiam que voce estava la?”
“ eu tinha ligado para um amigo meu. Voce acha que eu sou louco?”
“Firaz vc nao queria morrer. Voce queria ajuda. Voce precisava de atencao e fez muito bem de pedir. Todos nos precisamos de ajuda.”
Assim, foi logo o meu primeiro encontro com Firaz. Fiquei intrigada com sua sensibilidade. Fiquei impressionada com a sensibilidade dos outros meninos que sempre tiram sarro dele mas ali naquele segundo ficaram em silencio respeitando aquele momento. Logo ali de cara, Firaz e eu ficamos conectados. Firaz por ser tao espontâneo me mostrou muito sobre o mode of thinking palestino muçulmano de um menino que nao fala com meninas. Com toda sua sensibilidade me impressionaria muitas outras vezes. Mas eu vou contando isso aos poucos. Levou apenas um encontro para comprovar para mim o que eu ja sabia, que as estorias e imagens que nos contam sobre o jovens da Palestina como violentos, como incapazes de pensamento critico é longe de real. E levou muitos outros encontros para eu ir percebendo cada vez mais o tamanho da generosidade desses meninos que eu encontrei.
quarta-feira, maio 11, 2011
No Oriente Medio
Faz tempo que eu nao escrevo aqui no blog. Dessa vez tenho uma razao legitima. Nao foi definitivamente por falta do que dizer. Foi por estar viajando por 6 semanas no Oriente Medio. De la mandei e-mails a meus amigos, mas mesmo esses nao podiam ser escritos toda a hora.
Fui para ficar 6 semanas em Tel Aviv aprendendo Hebraico para ir me preparando aos poucos para voltar em setembro para meu trabalho de campo. Voltei tendo passado quase 4 semanas na Palestina, nao aprendendo hebraico, e abandonando o meu doutorado.
Fazia tempo que eu queria cruzar para o outro lado. Da ultima vez que estive em Israel eu tambem quis, mas alguma coisa me impediu. Dessa vez eu passei duas semanas enrolando mas uma vez que cruzei nao queria mais voltar.
Visitei Ramallah, Nablus, Belem, Beit Sahour, Beit Jalla, Hebron/ Khalil, e Jericho. Fui e voltei diversas vezes a essas cidades ja que tudo eh muito perto. Fiquei na casa de Palestinos que conheci pelo couchsurfing, e ate mesmo em taxis. Nunca senti medo. Nunca fui maltratada. Nunca me senti fora de lugar.
A hospitalidade é aquela lendaria dos arabes. Impossivel de comecar a explicar o tamanho da generosidade que eu encontrei. Emocionei me diversas vezes por nao compreender a existencia do muro. Entao nos meus proximos posts vou contar um pouco as estorias das pessoas que conheci do lado de la. Pela primeira vez nao vou usar os nomes reais das pessoas por respeito as suas identidades ja que naquele lado do mundo tudo pode ter consequencias.
Fui para ficar 6 semanas em Tel Aviv aprendendo Hebraico para ir me preparando aos poucos para voltar em setembro para meu trabalho de campo. Voltei tendo passado quase 4 semanas na Palestina, nao aprendendo hebraico, e abandonando o meu doutorado.
Fazia tempo que eu queria cruzar para o outro lado. Da ultima vez que estive em Israel eu tambem quis, mas alguma coisa me impediu. Dessa vez eu passei duas semanas enrolando mas uma vez que cruzei nao queria mais voltar.
Visitei Ramallah, Nablus, Belem, Beit Sahour, Beit Jalla, Hebron/ Khalil, e Jericho. Fui e voltei diversas vezes a essas cidades ja que tudo eh muito perto. Fiquei na casa de Palestinos que conheci pelo couchsurfing, e ate mesmo em taxis. Nunca senti medo. Nunca fui maltratada. Nunca me senti fora de lugar.
A hospitalidade é aquela lendaria dos arabes. Impossivel de comecar a explicar o tamanho da generosidade que eu encontrei. Emocionei me diversas vezes por nao compreender a existencia do muro. Entao nos meus proximos posts vou contar um pouco as estorias das pessoas que conheci do lado de la. Pela primeira vez nao vou usar os nomes reais das pessoas por respeito as suas identidades ja que naquele lado do mundo tudo pode ter consequencias.
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