And herein lies the tragedy of the age:not that men are poor,.. all men know something of poverty;not that men are wicked,.. who is good? Not that men are ignorant,..what is the thruth? Nay, but that men know so little of man. W.E.B du Bois (The souls of Black Folk)
sexta-feira, novembro 23, 2007
Do Criticismo e Emoção
Quando eu estudava em NY, minha grande amiga e ex-roomate Joss tinha uma teoria que ela avaliava todo semestre. Segundo ela, não importava quão distintas fossem as aulas que ela escolhesse para o semestre, em algum ponto todas elas se encontravam num tema em comum. Nunca soube direito se as coisas são todas realmente conectadas, ou se como dizia Joao Carlos, meu professor de comunicação e arte, é por causa do nosso repertório que podemos conectar e apreciar coisas mais ou menos. Depois de ser casada com um neurocientista tbm passei a pensar no famoso repertório do JC como bases para redes neurológicas, que se conectam como podem de acordo com as informações que temos. Há dias em que o meu ateísmo e ceticismo são fortes e as explicações evolutivas e neurológicas são mais do que suficientes para explicar essas conexões. Noutros, no entanto, uso essas redes cerebrais para conectar a noção de sincronicidade de Jung, com a de conectividade dos místicos, e as divagações ( que eu não posso avaliar os fundamentos) dos quânticos. No fim, nunca soube de fato o porque desses encontros, mas nunca pude deixar de aceitar que a Joss tinha razão, eles sempre acontecem.
E esse ponto aconteceu para mim ontem, enquanto assisitia ao show do Paco de Lucia aqui em Londres. Ou melhor, aconteceu depois, depois que eu deixei a companhia de amigos com quem assisti ao show. Depois que pensei um pouco mais sobre nossa conversa.
No começo do show, o violão do paco trastejou, umas notas não sairam... e eu fiquei prestando atenção muita atenção nessas falhas. Prestei atenção na emoção que o senhor ao meu lado sentia ao ver ali, obviamente, o seu ídolo. Prestei atenção nos espanhóis que gritavam Maestro, nas pessoas que gravavam e tiravam fotos, em suma em tudo menos naquele momento. Na segunda parte do show, eu parei, parei de olhar a volta, parei tudo e senti a música. Como sempre fui arrebatada por uma emoção inexplicável.
Na saída do show, encontrei meus amigos, um como eu tinha prestado total atenção nas notas não tocadas. O outro, grande fã do Paco, as tinha notado mas quase nada tinham significado para ele. O tempo, disse ele, esteve sempre correto, as mãos inexplicáveis... A emoção que ele sentiu, vinha de estar em frente ao Paco, de ouvi-lo.
E só quando eu voltei para casa, pensando, eu entendi aquele momento. A dicotomia entre emoção e o criticismo. Percebi que todas as vezes que me deixo levar pela completa emoção de estar diante de alguém que admiro, me parece que eu tento policiar o meu senso critico, medo talvez de encontrar uma falha e não poder mais admirar. Por outro lado, quando esse senso se alimenta de si mesmo, eu acabo inevitavelmente perdendo o significado do momento. O problema, eu percebo, não é no senso crítico em si, ou na emoção, mas sim nessa idéia de que uma coisa tem que ser perfeita em um todo. Meu amigo tem razão, e daí que trastejou, o Paco é fenomenal.
quinta-feira, novembro 22, 2007
Da viagem ao Marrocos - English Version
Alguns de vocês sabe ( olha o otimismo :) que eu finalmente fui viajar para o Marrocos. Escrevi, sobre o significado da viagem para mim em um outro post, mas nunca cheguei a escrever sobre a viagem em si. Fui com duas passagens de volta, uma para voltar em 20 dias, e outra para voltar em 34. Fiquei os 34, teria ficado mais, se um pequeno, bem pequeno senso de responsabilidade, e grande saudade do meu marido ( que ficou só 15 dias) não apertassem.
Como sempre, me preparei, o melhor possível... li os guias, as dicas, romances, historia.... nem tanto por querer estar preparada, mas mais por já querer estar viajando no dia em que comprei a passagem. E como sempre cada lugar dizia um coisa, cada pessoa uma opinião diferente. De unanimidade total: que me vestisse modestamente, mangas longas e calças folgadas ;e que esperasse ser abordada por todos o tempo todo.
Então fomos, os 3 ( Haiko, Adriana e eu) preparados. Poucas roupas mas conforme o indicado. Chegamos as 9 da manhã em Marrakech. Um calor incrível, filas e mais filas na imigração e um sistema demorado de entrada. Dados são mantidos, e recebe-se um numero de entrada, através desse número que será pedido em todos os hoteis , o governo sempre sabe onde o turista está.
Quando finalmente chegamos do lado de fora, lá estava minha amiga Mounia. Fiquei emocionada em reencontrá-la depois de alguns anos. E para nossa surpresa, ela estava como sempre se vestira em NY, de blusa tomara que caia.
´Mas Mounia os guias dizem para nem usarmos manga curta!?´
Ela riu, e disse que era bobagem, que cada um se veste como quiser.
Entramos no carro dela, e fomos direto ao seu apartamento. Um apartamento moderno, na praça central da Ville Nouvelle, decorado com os belíssimos quadros da minha amiga. A nossa espera Hafida, sua babá de infância, tinha preparado um café da manha monumental. Cheio de quitutes deliciosos que não conhecíamos. Hafida, de véu para sair, sem véu na casa. Mounia e eu falamos em francês, Hafida e Mounia em árabe marroquino. E logo ali bem no começo da minha viagem, ainda que eu não soubesse totalmente, a sociedade marroquina começava se pintar. Um mundo de fortes contraste, de desigualdade de gênero e social. Desigualdade plastificada pela diferença de língua. Um mundo de mistérios e beleza desconcertante atrás das pesadas portas. Um mundo dividido entre religiosos e ´modernizadores´. Um mundo de enorme hospitalidade, amabilidade e controle social. Um mundo de forças antagônicas, mantido por um rei ,que todos dizem adorar, pendurado em todas as paredes.
ps: Mounia Dadi é artitsta plástica, com exposicões pelo mundo.
terça-feira, novembro 20, 2007
Mais uma Volta ao Sol
Ontem foi meu aniversário. Eu não sou muito de ligar para as típicas celebrações. Nunca fui. Não fui a festa de formatura da escola, nem a da Universidade, nunca liguei para Natal, ou a festa de final de ano. No entanto, eu adoro fazer aniversário. É uma sensação estranha de ter dado mais uma volta ao sol desde o dia em que cheguei a terra.
Ano novo, é legal, mas é muito artificial, é um ano do último ano, um negócio meio arbitrário.. Quando é ano novo das tradições que seguem as estações eu gosto mais. Ano novo Iraniano (assim como outros), por exemplo, começa na primavera... Não há como não me emocionar pensando em Perséfone que mais uma vez abandona Hades para voltar a terra... para florescer.
Esse ano, passei meu aniversário em Salzburg. Um aniversário cheio de surpresas preparadas pelo Haiko. Incluindo um concerto na sala onde Mozart tocara no passado. Com um pianista fenomenal que tocou Mozart, Bethoven e Chopin sem partitura. Um final de semana cheio de pequenos detalhes, de graus que abaixavam enquanto a temperatura do chocolate quente subia.
NO dia do meu aniversário, o dia nasceu lindo, o céu azul, a neve branca e esfarelada... Subimos a montanha, caminhei pela neve e sentei me num banco olhando os Alpes. Esperei ansiosamente a hora e o minuto do meu nascimento há 26 anos atrás. Olhando as montanhas, meditando, respirando, sentindo o sol na face, esperei. Quando o minuto chegou eu me emocionei. Emocionei-me como nunca de pensar que eu estava completando 26 voltas. Emocionei me em pensar que naquele minuto há 26 voltas atrás eu respirava o ar pela primeira vez. E é incrível o que a atenção nos permite sentir quando refletimos sobre as coisas mais banais. Senti um senso de justiça, de saber que não importa quem vc é, quão rico ou quão pobre... quão alegre ou quão triste, quão apressado, ou quão calmo.... só se dá uma volta ao sol por ano. E nesse minuto senti aquela sensação mais um vez, de forma mais intensa e mais consciente, a sensação de que a vida é um eterno recomeço.
quarta-feira, novembro 07, 2007
Au Revoir Parapluie
Eu sei que faz tempo que eu não escrevo, e quando alguém me conta isso, eu me espanto em saber que alguém vem aqui de vez em quando ler. Aí eu me animo, e decido escrever, assim como eu me animo a voltar a compor quando me pedem para tocar aquela musica que eu compus há um tempão e já nem me lembro mais. Depois acabo achando que não tenho muito o que dizer e todo aquele entusiasmo se esvai.
Nesse tempo que eu não escrevi, muitas coisas aconteceram, eu passei um mês no Marrocos, quando voltei fui para o hospital achando que estava com um tumor no cérebro (não é o caso), abandonei o hospital, e fui procurar religiões. Visitei templos hindus, budistas, ashrams, tentei fortemente controlar o meu ateísmo, meu ceticismo. Fui acolhida muito bem em todos esses lugares, em alguns me identifiquei, me senti em paz, mas foi na arte que eu encontrei aquela transcendência da realidade.
Passei os últimos meses me dedicando as coisas belas. Fui ver inúmeros concertos, óperas , ballets , e apesar de ter me emocionado com cada um deles, nada me emocionou tanto como o espetáculo que assisti ontem.
Assisti ontem, junto a um grupo de amigos, o espestáculo do James Thierée Au Revoir Parapluie. Ficamos todos encantados, cada um a sua maneira, provavelmente cada um mais fascinado com um aspecto em particular. No final transbordamos. Uns em palmas, outros em gritos e assovios, eu em lágrimas.
Jogada naquele mundo onírico, sem muita preparação, mundo de anzóis e redes, peixes e outros seres me perdi. Como se o inconsciente do personagem principal viesse a tona, ou melhor como se mergulhássemos nas águas desse inconsciente e nadássemos junto ao personagem de James. Como se o acompanhássemos na busca do seu amor perdido. Uma busca carregada de música, ritmo, clownery e melancolia.
Nesse mundo tudo se misturava continua e harmoniosamente, o teatro, a musica, o humor, cada cena praticamente pintada. No entanto, o aspecto que mais me encantou, foi o total controle do corpo. Aquele controle que vem de conhecer cada parte, cada músculo, cada articulação. E esse controle é visível durante todo o espetáculo. Visível quando os bailarinos estão pendurados numa corda se movimentando de maneira espetacular, desconcertante quando James, faz cada parte do seu corpo dançar ao ritmo de um radio quebrado, estonteante quando ele anda na lua. É visível na dança mágica da cadeira de balanço, e especialmente notável quando ele consegue representar materialmente o que é perder um grande amor. Num momento absolutamente mágico, engraçado mas acima de tudo plástico, o personagem de James, que acaba de perder seu amor, perde o coração pelo corpo. Nós na platéia assistimos num misto de riso e melancolia ao coração de James que se perde e chega a bater no joelho.
E eu fiquei emocionada, muito emocionada, como eu sempre fico quando vejo a arte que transcende a realidade, que não tenta reproduzi-la. Emocionada de ver quem trabalha para criar pura beleza, um poema visual. Au Revor Parapluie, que quer dizer Adeus Guarda Chuva, termina espetácularmente. Termina com James sem guarda-chuva debaixo de uma tempestade de petecas e luzes (água e neve?), enquanto seu grande amor está deitado numa cama de cordas e coberta de vermelho.
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