domingo, fevereiro 08, 2009

Oriente Medio ou Europa?



Normalmente, eu nao escrevo pois to meio sem coisa para contar, ou entao é porque tem coisa demais. Dessa vez é o segundo caso. Semana passada foi realmente fascinante, eu fiz tanta coisa diferente que eu nao sei nem no que focar. Meu unico amigo ingles, Andrew, aquele que me levou para yoga, é filho de um lorde Ingles. E na semana passada acabei indo conhecer o parlamento com eles. Assim, com direito a assistir a casa dos lordes em sessao, aprender um milhao de rituais e estorias, e até beber no parlamento na sala dos peers. Ou seja, um evento para la de surreal. No dia seguinte, continuando "o Fabuloso Destino de Julieta Falavina" como diria um amigo meu, fui fazer uma coisa totalmente diferente. Posei para um pintor russo. Assim, essa foi uma experiencia digna de ser relatada em detalhes por todas as suas consequencias ( por exemplo meus pais ficaram tao bravos que resolveram nao mais pagar meu mestrado ), mas tambem pela experiencia em si. Imaginem eu que ja fiz um milhao de aulas sobre feminismo, pos-feminismo, orientalismo, de repente vi o outro lado da moeda. O que é ficar la e ser pintada. O que é colaborar para construir uma imagem do feminino idealizada pelo mundo masculino. Como eu disse topico para um outro post.

Nesse post eu quero falar da minha grande amiga Nese. Nese, minha amiga turca que estudou comigo na Holanda, apareceu inesperadamente em londres. Fazia anos que eu nao a via. E encontra-la foi sem duvida um dos momentos mais alegres dessa semana. A visita foi breve pois ela estava a caminho de outro lugar. Foi incrivel ter em casa alguem que olha para os mil textos que eu tenho que ler e tem uma opiniao consistente a respeito. Nao, nem as pessoas na LSE que estao estudando a mesma coisa tem uma opiniao assim tao informada. E ai eu me lembrei de como eu a conheci.

No meu primeiro dia em Amsterda, fui para universidade para me registrar. Entrei numa fila e a primeira pessoa que eu vi foi a Nese. Ela era radiante, bonita parecia uma abelhinha voando de um lado para o outro. Rindo, falando em frances com um, em ingles com outro, e numa lingua que eu nao conhecia com outro. Eu fiquei um tempao olhando, porque a Nese é realmente assim: cativante. Lembro de ter pensado "Quero muito conhecer essa menina. Ela é tão alegre, parece ser muito legal!"

Não é que dias depois ela estava na minha"animada" aula sobre Guerras Civis. Eu fiquei feliz de ve-la. E mais feliz ainda de ouvir as coisas que ela dizia. Opinioes bem construidas, bem formuladas, e diferentes. Depois fiquei sabendo que ela nao era da aula, ela estava assistindo como ouvinte. E mesmo assim de ouvinte ela era a pessoa que mais lia, mais participava, mais questionava. Num certo dia, tivemos que fazer uma apresentacao, e ela mesmo nao estando oficialmente na classe, resolveu faze-la. Para minha alegria ela escolheu fazer sobre a mesma organizacao que eu tinha escolhido. Fiquei radiante :) finalmente eu iria conhece-la.

Marcamos um encontro, e quando ela chegou e comecou a falar eu achei que ela devia saber mais sobre a organizacao escolhida do que o proprio presidente da tal organizacao. Eu que ja achava que sabia muito mais do que era necessario para 15 minutos de apresentacao tive um acesso de riso quando ela disse que nao se sentia preparada. Ela sabia tudo. Tudo sobre a organizacao, tudo sobre os projetos da organizacao, tudo sobre os paises onde havia projetos, enfim TUDO. Ficamos amigas imediatamente. Eu contei para ela que queria conhece-la desde o primeiro dia. Ela me contou que escolheu a tal organizacao porque queria fazer o trabalho comigo. rimos.

Fizemos um milhao de coisas juntas enquanto estive em Amsterda. Ou melhor ela fez bilhoes, eu acompanhei algumas e ouvi sobre outras. Tentei acalma-la toda a vez que ela estava delirando e nao se sentindo preparada para alguma coisa. Impressionei-me com o tanto de organizacoes que era ela envolvida, aprendi muito sobre a Turquia. E desde que partimos da holanda eu tento ir a Istanbul, e sempre alguma coisa acontece que me impede. Toda vez eu tenho passagem alguma coisa acontece. Por isso nessa quinta, quando no estudio do pintor eu recebi a ligacao de Nese dizendo que estava no aeroporto nao pude conter minha alegria.

Nos encontramos na frente do metro perto de casa. Ela continua igual. Ainda mais magra e como sempre com aquele rosto radiante. Nos abraçamos. Como se eu a tivesse visto ontem. Tudo igual ainda que tudo tenha mudado na minha vida esse ano. Ainda que ela tenha passado por depressoes, doencas, relacionamentos dificeis, teses enlouquecedoras, trabalhos que roubam dela todo o tempo. Desanimo sobre o doutorado. Desanimo da vida academica. Desanimo da arte. Tudo continuava igual quando nos abracamos. E tudo isso nem se fazia muito necessario contar.

Ela entra na minha casa ve um texto da Abu -Lughod no sofa e comeca a falar da etnografia dos beduinos. Olha para o livro do Bourdieu e diz que eu devia le-lo em frances que a traducao em ingles é quase sem sentido. E eu fico radiante. Assim. Eu que detesto ler Bourdieu fico radiante. Eu que nao li sobre os beduinos mas sei que a Abu Lughod fala que quando ela vai estuda-lo e chega num lugar tipo favela fica desapontada achando que eles nao sao mais beduinos. E entao percebe que para eles, o que os faz beduinos eh o sangue. Que tudo pode mudar a volta que se eles preservarem a "essencia" todo o exterior nao faz diferenca. Eu fico radiante de ver que é isso: tanto faz o exterior. Por que é o interior que importa.

Nese me convida para ir a Istanbul. Eu conto que tenho até medo agora considerando quantas vezes tudo deu errado quando eu quis ir para Istanbul. Haiko acha que eu devo acabar com essa supersticao. Eu concordo afinal de contas nao precisa muito para me convencer a viajar :) Eu concordo afinal eu nunca estive no Oriente Medio. Digo isso a Nese ja antecipando sua resposta.

"Jules, mas voce sabe que nos somos europeus, né?. "

Rimos. Rimos muito. Que mude tudo a volta. Que mudem todos os conceitos. Todas as fronteiras. Os continentes. Os paises. Todas as categorias. Que eu um dia visite os lordes, que no outro pose para um pintor russo. Que eu largue o meu mestrado, que eu passe meses no sudeste da asia. Que eu estude cognicao, o cerebro, e medite. Que eu viva ciencia na universidade e respire poesia. Que eu esteja no oriente medio na minha mente, e na europa na mente de outros. Que mude tudo. Mas que a essencia continue. Que encontremos essa essencia. E que a celebremos!

5 comentários:

Anônimo disse...

Oi Julieta!

É a primeira vez que passo por aqui. Encontrei seu blog através do mundo pequeno. Adorei seus relatos e a forma como você escreve.

Jessi Br

Julieta de Toledo Piza Falavina disse...

Oi Jessi!

Muito Obrigada!!! Volte sempre :)

Anônimo disse...

Olha, vou elogiar mas depois vou parar para nao ficar repetitiva ;) Eu adoro ler seu blog e ver a sua vontade de tudo, a sua animacao, a sua fome de fazer coisa, de pensar, de viver. Eh, eh cafona, mas tou chegando no escritorio agora e nao tou conseguindo frasear a coisa de uma forma mais bonitinha :)
beijinhos!

Julieta de Toledo Piza Falavina disse...

Oi Barbara!!! Obrigada :) de verdade. obrigada pela suas mensagens!!

Anônimo disse...

Como assim meses no sul da Asia? Quando? voce ja foi ou vem???
duda