sexta-feira, novembro 13, 2009

O curto circuito

Semana passada eu tive uma crise parcial epilética. Parcial porque eu nao cheguei a fazer xixi e morder a língua. Depois de um dia ultra intenso, e de ter esquecido consistentemente de tomar meu remédio desde que voltei da Asia deitei na cama para so retomar consciência não sei quanto tempo depois. Nao, nao foi como uma outra noite qualquer. Eu deitei e lembro-me vagamente de sentir que tava começando um curto circuito dentro de mim. Eu já tive crises muito fracas antes. Mas normalmente eu sinto que preciso respirar mais e ai bebo água e me acalmo. Dessa vez nao, foi como se eletricidade de repente me tomasse por inteiro, rápido demais.

E ai é como se o tempo que ali passou nao existisse para mim. De repente, senti como se tivesse vindo de um outro planeta. Vindo bem de longe, nao como quem acorda, mas como quem nasce, ou quem muda de continente e na primeira noite, numa cama distante, onde tudo é desconhecido tem que aos poucos decifrar o local. Lembro de ver umas pessoas estranhas no meu quarto, e de ser informada que eram os paramédicos. Já consciente de ser levada de ambulância ao hospital e de ouvir de diversas pessoas estorias desses minutos que eu vivi e dos quais nao tenho nenhuma memória. Incrível isso. Aparentemente na minha eterna franqueza eu perguntei ao paramédico se ele era médico, e ao ouvir que ele era paramédico de ter dito " oh that is not that good". Dos preconceitos que quando vc nao esta ali consciente vem a tona.

Ironicamente, nas ultimas semanas na LSE na minha aula de antropologia da religião li sobre xamanismo, espiritismo, estados de mente alterados e consequentemente sobre epilepsia. Os Irmaos Karamazov me acompanharam na viagem a Asia e as crises epilépticas do Smerdyakov sempre me deixavam absolutamente horrorizadas. Eu gracas a deus nunca tinha tive uma crise assim dessas dostoyevskianas mas mesmo essa um pouco mais forte me deixou por lado aterrorizada e pelo outro fascinada.

Tao estranho esse conceito de estar aqui e não responder nada para ninguém. E ouvir de todos que te viram que você olhava através deles. Que eu parecia estar em outro lugar. E onde é será que eu estava? Depois a minha consciência foi voltando aos poucos, na descrição do Haiko, neuro-cientista é psicologo de desenvolvimento, fui voltando como uma criança, que raciocina simplesmente. Segundo o Marquinhos, um dos meus queridos housemates que tanto ajudaram nessa tumultuada noite, eu estava calma, serena. E de fato, depois de ter passado por toda a epopeia dessa crise percebi que o sofrimento maior é mesmo o de antes. É o de estar na eterna tentativa de estar em total controle, ou pelo menos na ilusão dele. O incrível de eventos como esse é perceber o quão fora de controle estamos quase que sempre e quase que sobre tudo. Eu não decido quando respiro ou paro de respirar na maior parte do dia, nem quando bate meu coração, nem como as sinapses acontecem no meu cérebro, nem que endorfinas são ou não liberadas. E por alguma razão eu tenho essa sensação de eterno controle. E esse necessidade de me sentir sempre em controle me desespera. Ironicamente a crise, ou melhor esse minutos perdidos de mim... sao os momentos mais tranquilos que eu tive em muito tempo. Acho que deve ser o que deve ser o sentimento de parar a mente em profunda meditação. Com a diferença que a meditação é total consciência é claro.

Pela terceira vez, pelo terceiro ano eu terei que fazer uma ressonância magnética do meu cérebro esperando que ele esteja bem, agora no dia 30. E por mais que eu tente ficar calma, vai chegando perto e eu vou ficando desesperada. Desesperada do meu jeito que não é nunca o mais óbvio para os outros, mas é sempre somatizado no meu corpo. E nessa épocas os pensamentos filosóficos, fenomenológicos, espirituais, cognitivos ficam mais presentes do que nunca. Onde será que eu estava naqueles minutos que existem só para todos que me viram? Seria a consciência puramente uma propriedade emergente do cérebro ( como defendem os neuro-cientistas), e que naquele curto-circuito ela simplesmente deixou de emergir? Ou sera que "eu" estive em algum outro lugar? Seja como for apesar de eu entender um pouco melhor a máxima budista que tudo é perfeito no presente, e que o sofrimento vem de estar fora dele, eu ainda limitada que sou, controladora que continuo, com menos medo desse lugar calmante que desapareceu no vácuo de mim, no mistério da existência, por enquanto, prefiro ainda ficar consciente por aqui. Ainda que isso seja uma ilusão.

4 comentários:

Gabi Goulart Mora disse...

Juli, controle só o que dá. Só o que te ajuda a ficar forte física, mental e espiritualmente pra segurar as barras da vida. Se estivesse aí faria um bolinho de chocolate pra vc :)Beijos daqui.

Anônimo disse...

A Gabi tem razao! Controla o que dá! E o que nao dá escreve aqui, que voce sempre foi de (como voce mesmo diz ) "transbordar" em arte.
Beijos. Fe

Anônimo disse...

Nossa Ju! Que cacetada! Eu nunca havia desmaiado até os meus 28 anos quando passei por uma sessão de acupuntura bizarra que resultou em um desmaio bizarro e uma saída do corpo tb bizarra q te conto em detalhes no domingo.
Bjs e se cuida, moça!

Julieta de Toledo Piza Falavina disse...

Gabi, obrigada :) seu bolinho de chocolate faz uma faltaaaaaaaaaaaaaa!!!! Como andam as coisas por ai????

Fe obrigada!!!!

George, nossa±!! quero MUITO ouvir essa estoria!!! Que surreal !!!

Amigo chines, suas contribuicoes tem sido muito enriquecedoras para o descolonizando :)