quarta-feira, abril 28, 2010

A Impermanencia do Teto

As vezes o tempo passa passa sem eu ter quase nada de muito interessante para contar. Agora eu estou dividida entre tres temas interessantes o meu retiro vipassana, o encontro privado depois da palestra do Tim Ingold ( um antropologo que pensa muito diferente dos cientistas cognitivos) e a casa caotica para onde me mudei. Quem acompanha meu blog desde o comeco, ou melhor do comeco do outro blog deve lembrar que eu tinha um landlord para la de especial: o Mr. Tala. O Mr. Tala apesar de meio picareta era boa pessoa, suas artemanhas eram primarias, e ele tinha até um certo charme. Agora a situação é realmente outra, e se eu nao tivesse tao sossegada por causa do meu retiro talvez estivesse mais afetada mas porque a vida vai assim de maneira leve, e o homem é adaptável eu já estou achando a situacao até engraçada.

Desde que eu cheguei em Londres, sempre tive a sorte de morar em lugares bons e com pessoas que eu gosto. Faz 3 anos e pouco que estamos aqui, e dois dias antes de eu ir para o meu retiro mudamos pela primeira vez para a maior furada de todos os tempos. Como a grant do doutorado do Haiko terminou ja faz um meses, sem ele ter terminado o doutorado tivemos que mudar para um lugar mais barato. Escolhemos um lugar que estava sendo renovado e que fica em Camden. As fotos lindas, quando eu vim visitar a casa a noite, percebi que o lado de fora tava meio acabadao, mas o moco da agencia garantiu que tudo seria renovado. Note, garantiu mas nao escreveu no contrato, como alias ele nao escreveu mais um monte de coisas. Assim, que quando chegamos com a van de mudanca, um dia lindo, calor, e chegamos na nossa linda rua demos de cara com a casa caindo aos pedacos. Literalmente. Todas as casas a volta lindas, a nossa cheia de entulho na frente, rachaduras nas paredes, plantas crescendo de dentro do telhado. A casa da familia Adams. Eu entrei na casa e dentro ainda todos os materiais de construcao, e mais todos os pedreiros continuavam no mesmo lugar. Me deu uma vontade de chorar, o moco da agencia queria que mudassemos ha duas semanas! A casa estava literalmente em reforma. Com dois meses de aluguel ja pagos nao dava para ir embora. O moco da van ofereceu deixar as nossas coisas na van enquanto decidiamos o que fazer. Haiko ligava desesperadamente para a agencia,que obviamente ja nao mais atendia. Enquanto eu alarmada pensava o que fazer, comeco a ouvir uma gritaria, ao mesmo tempo um senhor negro de terno escuro, meio perdido entra na casa me pergunta onde eh o banheiro. Eu digo que nao sei, alias tambem nao sei quem ele é, ele entra no banheiro so de chuveiro onde nao ha privada e faz xixi no chao.

Completamente em choque, eu saio para ver o que esta acontecendo. Entao, vejo uma mulher bem barrqueira na frente da casa. Uma senhora polida inglesa, pergunta a ela com firmeza “quando eh que a senhora vai limpar esse quintal?” A mulher grita, e berra, e diz que ela esta "in charge" e que nao ve nada de errado. Quando ela diz que esta in charge Haiko vai falar com ela. E eu, me sentindo totalmente envergonhada, peco desculpas a minha futura vizinha pela grosseria da minha nova landlady. A senhora, me diz para nao pedir desculpas, me convida para tomar um cha percebendo que eu estava abalada. Eu aceito um copo d’agua, entro na sua Linda casa, e ela me conta que morou no brasil primeiro no rio, e depois casou se com um diplomata ingles e mudou-se para Brasilia. Converso um pouco com ela, mas tenho que voltar para saber o que esta acontecendo no meu barraco. Haiko, que eh super calmo, perde a calma com a mulher, que fico sabendo por minha vizinha eh da Nigeria, e cuida da casa do Nigeriano que tinha acabado de fazer xixi no meu banheiro. Aparentmente, a mulher é uma bruxa, odiada por todos os vizinhos por deixar a casa caindo aos pedacos, nao consertar o muro, deixar um monte de entulho na porta. Caroline, minha vizinha, me apresenta para as outras vizinhas. Fico tocada pela delicadeza das senhoras inglesas que me acolhem. Que eu bata na porta delas caso precise de qualquer coisa.

Será que eu estou overeacting? Tiro fotos e mando para meus amigos arquitetos. Nao, nao estou. Ligo para meu amigos advogados. Como é que eu saio do meu contrato. A principio fico até com medo dos pedreiros meio bebados. Entao, deito e durmo. E quando acordo vou conhecer meus companheiros de casa. Shane, um australiano simpatissimo, que na casa ja estava ha duas semanas. Registrando assim como eu em filme, e fotos tudo. Barak, uma turca encantadora que veio aprender ingles e dois italianos. Entao sentamos, Australiano, Turca, Haiko e eu, no chao nao mobiliado da nossa sala. Os pedreiros poloneses sobem para cozinhar. O italiano fica na cozinha com eles tentando uma conversa improvavel. Atraves de sinais, palavras misturadas, desenhos no vidros ficamos sabendo que o presidente da Polonia tinha morrido. A casa é uma maluquice so. Gente de todo lado, de todas as linguas. A casa é alegre no entanto. Pego meu violao para tocar e quando levanto o rosto vejo os pedreiro em total silencio me escutando. Fico incrivelmente tocada. Um deles liga para o filho para me ouvir tocar. Aquilo me toca profundamente, tudo entao parece meio tolo. Como eu podia esta tao infeliz quando aquele homem distante do filho, trabalhando num pais onde ele nao conhece a lingua me mostra no ar que toca violino. Ali naquele momento tudo ganha sentido de novo. A casa ta caindo aos pedacos, mas a as pessoas sao encantadoras. E me sentindo assim parti ao retiro.

Quando eu voltei no entanto quase nada tinha mudado. Havia um novo morador, Adam, um ex militar que tinha estado em 9 guerras. Um ex militar que virou nosso porta voz. Se da muito bem com nossa Landlady Ms.Afolabe. Ainda nao percebo que aquilo é meio estranho, fico so intrigada quando ele me diz que foi a 9 guerras. Faco muitas perguntas, sem o menor problema ele concorda em dizer que adora a adrenalina da guerra. Sente falta. Claro que faco essas perguntas motivada por ter assistido the hurt locker. Ele me mostra o braco e diz " there is no grreat adrenaline feeling than being shot". Ainda fascinada pergunto a ele o que ele acha de tortura. Em sua visao "aceitavel em alguns casos". Aos poucos vou aprendendo sobre a personalidade desse meu novo housemate e a cada palavra vai ficando mais claro para mim que nao dividimos o mesmo codigo moral, mas isso so ficaria totalmente claro no dia seguinte.

Para que esse post nao dure para sempre eu adianto que no dia seguinte do meio dia a meia noite eu estaria envolvida em ter que encontrar o dono da casa, confrontar Ms Afolabe, fazer mil pesquisas legais, ver agua comecar vazar na cozinha, e acabar no apice do teto de um quarto desabar. Claramente isso tera que ficar para proxima vez. Como ninguem se machucou tudo que eu consegui pensar foi " nossa, ate o teto é impermanente..."

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