Ontem fui visitar meu amigo Maciek, meu amigo Polones, que de fato vive como um yogi. Ele é uma dessas pessoas de bondade inacreditável. Uma dessas pessoas que exalam compaixão, paz, calma. Quando eu passei um mês na Romênia ele me alimentou praticamente todos os dias. Vendo como eu me alimentava pouco e mal, me convidou para ir como ele a pequena feira da cidade. Assisti-lo olhar as frutas, vegetais e legumes me marcou muita. Praticamente um ritual. Eu nunca tinha visto alguem ficar tao feliz diante de comida. Parecia uma criança numa loja de brinquedos.
E o Maciek escolhia cuidadosamente o que ia levar, conversava com os vendedores no quase nada que sabia de romeno, e sempre saia sorrindo. Ai voltávamos para a pousada onde ele estava ficando, subiamos para o ultimo andar, onde ficava a cozinha, para cozihar. Ou melhor, eu cantava, cortava legumes desastrosamente, e o Maciek e o Carlo cozinhavam. Eles sempre faziam comida a mais. "Caso alguem mais apareça" explicava o Maciek. E sempre, sempre aparecia.
Ontem fui jantar com ele e a Aneta ( sua namorada e minha amiga) no quarto onde eles vivem em Ealing Common. Ealing Common fica bem longe de onde eu moro, e toda vez que eu vou para la e ando pela rua arborizada onde eles vivem eu me sinto transportada para outro mundo. Parece que tudo para, é tao silencioso por la. Como sempre a comida estava deliciosa, e depois de muitas horas passsadas la, me preparei para ir embora. Assim que me levanto o Maciek me diz:
"Tenho uma coisa para voce."
Ele me entrega uma sacolinha e dentro vejo dois livros pequenos com fotos do Brasil. Eu olho para ele meio surpresa e ele continua:
" É para quando voce estiver na Asia. Assim voce pode mostrar de onde veio. As pessoas sempre se interessam. Quando voce nao pode falar muito as imagens sao otimas. As criancas vao adorar."
Eu fiquei ali, boquiaberta...
"Depois voce pode deixar na escola onde voce vai voluntariar."
Eu me senti tao tocada..eu fiquei tão grata.
"Maciek, quando eu mostrar essas fotos eu vou contar de voce."
E eu não sei se vou ser capaz de contar em ingles no meu pequeno vilarejo, mas sei que com certeza nao vou conseguir contar em Thai.. Entao eu conto aqui: que meu amigo Maciek, meu amigo Polones vai ser o responsavel por eu poder mostrar um pouco do Brasil na Tailandia.
And herein lies the tragedy of the age:not that men are poor,.. all men know something of poverty;not that men are wicked,.. who is good? Not that men are ignorant,..what is the thruth? Nay, but that men know so little of man. W.E.B du Bois (The souls of Black Folk)
sexta-feira, maio 29, 2009
quinta-feira, maio 28, 2009
Os Irmaos Karamazov
Estou lendo "Os Irmaos Karamazov" (IK daqui para frente) e apesar de esse nao ser o momento ideal ( tenho prova semana que vem) desde que comecei nao consigo parar. Nao que seja um desses livros que de para ler rapido, e sem parar. Nao. Os IK eh para ler devagar, para pensar. Deixar de lado, ir aos poucos, lembrar dele durante o dia, conversar a respeito. E desde que eu comecei eu nao paro de pensar no livro.
O ano passado, eu fiquei amiga de um filosofo alemao muito intenso ( eu sei redundancia) e num certo dia que eu ia encontrar o James e o filosofo estava comigo, resolvi apresenta-los. O James eh uma das minhas pessoas preferidas em Londres. Esta terminando seu doutorado em matematica, adora filosofia, e me disse uma vez categoricamente que eu precisava ler o IK. E o James nao eh uma pessoa que diga coisas categoricamente, ele vive de mansinho!
Assim que eu levei o meu amigo filosofo para o bar onde eu iria encontrar o James, e em poucos minutos eles comecaram a falar do Hubert Dreyfus. Os dois tinham baixado as aulas do tal Dreyfus, e as tinham no celular/Ipod. Eu fiquei perlexa. Como assim? Existem pessoas que tem aulas de filosofia no Ipod/cel ? Existem, e eu tinha tido a proeza de conhecer duas delas, e que ainda por cima carregavam o mesmo professor de filosofia!
Nesse mesmo dia, meu amigo filosofo tambem me recomendou ler os IK. E entao adicionaram " Mas faca isso seguindo o curso do Dreyfus". Confesso que no dia achei meio loucura, e passaram se meses ate eu me deparar com o IK e comecar a ler. Em poucas paginas eu ja estava fascinada. Eu me lembrava vagamente de ler lido Crime e Castigo ha muito tempo, mas acho que era muito nova para entender. De repente eu descobri o Dostoyevski, e eh claro me encantei.
Procurei o velho e-mail onde o James me mandara as aulas do Dreyfus e resolvi descobrir quem ele era. O Dreyfus eh professor de filosofia na Berkeley. Ele eh considerado um dos maiores especialistas em Heidegger, e tambem existencialismo. A Berkeley coloca muitas das suas aulas online. No e-mail do James encontrei o link. O link era de um curso do Dreyfus sobre literatura e existencialismo. Baixei as tais aulas e comecei a ler o livro.
E eventualmente comecei a ouvir as tais aulas tambem. E eh simplestmente fascinante! Quem ja leu o livro eu recomendo ouvir as aulas! Quem nao leu eu recomendo ler com o Dreyfus porque de fato o livro ganha um outro significado. Quem quiser acessar o site dessa aula na Berkeley clique aqui. E assim que agora nos somos varios os que tem o Dreyfus no Ipod. E eu aproveitei e baixei o audiobook do IK. Mais facil do que levar um livro de 1000 paginas para Asia. E nao ha a menor chance de eu ir sem eles!
segunda-feira, maio 25, 2009
Blame it On Fidel
Esse final de semana eu assisti pela segunda e terceira vez o filme " La faute a fidel ( A culpa é do Fidel). Esse ultimo mes eu tambem assisti Black Cat, White Cat do Kusturica umas 4 ou cinco vezes. Oque me fez lembrar da minha prima Lucia que quando era criança alugava sempre o mesmo filme. Todas as vezes que íamos a locadora ela olhava, olhava, olhava e ao final de um longo tempo pegava 101 Dalmatas. Segundo ela "esse pelo menos eu tenho certeza que é bom.". O que me deixava mais fascinada era ver como ela ficava nervosa nas mesmas partes todas as vezes que ela assistia aquele filme. Todas as vezes ela brigava com a Cruela, ela avisava os cachorrinhos, ela torcia, ela se angustiava, e todas as vezes que o filme terminava ela estava feliz. Quem ja assistiu filme com criança sabe que é assim, cinema então é a maior gritaria. Quem ja contou estoria sabe que a estoria nao pode variar nenhum pouco da versao que voce contou antes.
E de fato, sempre me parece que prazer vem do "reconhecimento". Tenho a impressao que nossa paciencia para sentir o "reconhecimento" vem diminuindo. Eu sempre penso nisso quando vejo a evolucao da musica. A musica classica ela é dificil para muita gente porque o momento do "reconhecimento" demora tempo a aparecer. Quem gosta de musica classica sabe que os temas reaparecem, em outros tons, meio mudados mas eles retornam, e aquela nossa ansia de d re-escutalos, ou de resolver uma nota que se estende por um longo tempo ate se resolver é eventualmente saciada. No Jazz, eu sinto a mesma coisa, especialmente em solos de bateria, onde o ritmo se quebra, e voce sente aquele desconfortável tensão de se sentir meio perdida. De repente tudo se resolve e voce se sente de novo no ritmo. Hoje em dia os momentos entre tensao e resolucao sao geralmente menores. Na musica isso me parece bem claro. Nos filmes tambem. É como se fosse tudo meio que uma maquina de criar reacoes quimicas rapidas no corpo. Como um enorme circo de soleil onde tudo acontece ao mesmo tempo, e tudo esta tao a beira de "colapsar" que nós os ouvintes, expectadores ficamos ali desesperados por uma resolução. Ficamos viciados nessas gratificações quimicas.
Assim, que assitindo varias vezes os mesmos filmes esses dias, eu me lembrei de como é bom as vezes prestar atencao nos pequenos detalhes. Aqueles que sem duvida nenhuma passam despercebidos na primeira vez. Na segunda voce compreende mais o sentido. E na terceira fica evidente o trabalho de quem esteve ali por tras. Os sentimentos, as mensagens que foram provavelmente intencionalmente comunicadas, as que foram acidentais, etc. E "A Culpa é do Fidel" é um desses filmes. Um filme assim doce. Conta a estoria de uma menina de classe media alta francesa que ve seus pais virarem comunistas durante os anos 70. A estoria, para mim é muito mais do que isso. É a estoria da enorme capacidade das crianças de se apropriarem do mundo, de buscarem sentido, de tentarem encontrar seu lugar. São elas que fazem as perguntas pertinentes, as que não tem respostas fáceis, as que os adultos tao perdidos num mundo de ideologia não conseguem nem captar. Para mim, o filme mostra também como nossas escolhas são tao moldadas pelas nossas vidas pessoais. Como nossas culpas e nossa lutas são tao intimamente conectadas. Como as lutas internas não resolvidas alimentam a irritação como o mundo exterior, como fomentam as revoltas, batalhas muitas vezes em lugares distantes.
A menina assim como minha prima busca a segurança da repetição. Com a mudança radical de estilo de vida ela fica perdida. Jogada para cima e para baixo de casa em casa, de babá para babá, de pergunta para pergunta. E através do filme ela vai tentando organizar, ela cria o seu cantinho, ela vai trabalhando os seus sentimentos, suas duvidas, suas idéias, sua relação com seu irmão, com sua família. E para mim, ela parece se encontrar na estorias do começo do mundo. Ela tenta fazer sentido do mundo com as estorias que ela ouve das suas babas. Ainda que as estorias mudem, ainda que as babás desapareçam sem muito aviso. Anna, vai empiricamente encontrando o seu lugar.
sexta-feira, maio 22, 2009
Na Asia de La
Dia 10 de Junho eh minha ultima prova na LSE, dia 11 eu embarco para Tailandia." You couldn't go any earlier, could you Jules?" Disse um amigo meu. Errado ele, a prova eh durante o dia e eu quase comprei a passagem da noite do dia 10. No fim, achei que era melhor nao ter que me estressar duas vezes no mesmo dia :)
Vou passar 3 meses no Sudeste Asiatico e ainda nao tenho muitos planos. Sempre quis ir viajar sozinha pela Asia meio sem destino. Mas esse sem destino eh quase que impossivel, porque assim que eu compro o tal do guia eu ja vou vendo um monte de destinos. A ideia mesmo do sem destino, eh saber que o destino pode ser mudado la, de acordo com as informacoes de outros viajantes. Assim como eu fui parar no Peru quando cheguei em La Paz. Entao, o meu plano eh inicialmente Tailandia, Laos, e Cambodia, mas pode virar um unico lugar na Tailandia, ou de repente ir ate Malasia, ou quem sabe ate o Vietna.
O que eu sei eh que chego em Bangkok dia 11 de Junho, e parto de la no dia 11 de Setembro. A outra coisa que ficou decidida com a compra do meu LP eh que eu vou voluntariar. Eu ja estava com vontade de voluntariar e quando li sobre projeto Volunthai no LP me inscrevi.
Eh um projeto de um casal Thai/Americano onde voluntarios ensinam ingles a criancas do nordeste da Tailandia ( a area mais pobre e menos visitada). A ideia eh morar com uma familia local, e dar aula 4 horas por dia. Os finais de semana sao livres para viajar, aprender sobre Budismo, e outras atividades. Na minha aplicacao eu tive que escolher entre vila, e vilarejo rural, e no momento de curiosidade antropologica, e coragem eu optei pelo vilarejo rural. "hopefully there will be someone who speaks english there" estava escrito em algum lugar.
Como tenho estado bem ocupada estudando e trabalhando nao tenho tido tempo de estudar mais a fundo a cultura tailandesa e nem tao pouco um pouco de tai. Estou eh claro ansiosa, curiosa, e confessi com um pouquinho de medo, pois eu nem sequer imagino como deve ser morar num vilarejo rural onde eu nao vou entender nada.
O meu segundo plano fixo eh ainda mais complexo. Eu prentendo fazer um retiro de meditacao Vipassana em Chiang Mai ( norte da Tailandia). O retiro inteiro dura 26 dias, e o minimo que se pode ficar sao 10 dias. Eu na verdade estou torcendo para conseguir ficar depois do segundo dia :) 10 eh meu objetivo, mas apesar da minha enorme vontade de fazer esse retiro, eu reconheco que deve ser dificilimo. Sao dias de apenas meditacao e silencio. Dias que comecam cedo e terminam tarde.
Por definicao qualquer pratica contemplativa ( como a meditacao), eh uma pratica de suspensao das atividades analiticas, e discursivas do cerebro. Por isso num retiro de Vipassana ( que eh tambem conhecida como mindfulness)alem de nao falar, as pessoas devem evitar pensar analiticamente, ou imaginar, ou ler, ou qualquer coisa que tire voce do seu objetivo de contemplar a mente. E eh claro que isso eh dificilimo para nos ocidentais! Por isso queridos amigos aceito todo o pensamento positivo para eu aguentar passar os primeiros dias que sao eh claro os mais duros!
Eu andei lendo muito a respeito de meditacao, e particularmente de Vipassana. Muitos laboratorios neuro-cientificos tem estudado meditacao e praticas contemplativas. Eh impressionante os efeitos para o cerebro e corpo. Ha estudos que mostram desde controle de depressao sem remedio, melhora de sistema imunologico, ate o nao afinamento do cortex com a idade. Para quem tiver interesse nesses estudos assistir esse video.
Bom. Por enquanto eh isso. Eu eh claro pretendo manter o blog ativo la da Asia de la. Durante o meu voluntariado deve ser mais facil. Ja no meu retiro impossivel. Se alguem tiver sugestoes de lugares imperdiveis, ou furadas evitaveis nao hesitar em me contatar :) E agora de volta aos estudos!
quinta-feira, maio 21, 2009
Das Viagens
Este é o terceiro ano que trabalho part time de vigia de prova na Birkbeck College. O trabalho consiste em dar uns 5 minutos de informacao, e depois, bom oficialmente acho que era para vigiarmos, mas o que acontece mesmo eh que como a maioria dos vigias sao doutorandos e mestrandos, portanto passamos o tempo todo a ler e estudar. Nada mais conveniente.
Na minha primeira sessao de de trabalho ha tres anos atras, eu trouxe para ler o guia Lonely Planet do Marrocos. Quem trabalhou comigo foi um rapaz silencioso que nao disse nada nesse primeiro dia. Depois conversamos mais ele me contou que era da Argelia, e que fazia doutorado em economia, falou da tese essas coisas.
O ano passado quando encontrei com o Karim numa prova eu estava lendo o Lonely Planet da India. Ja me conhecendo melhor dessa vez ele nao hesitou.
- Jules, eu nao me conformo o que eh que voce quer fazer nesse lugares caoticos?
Eu fiquei meio surpresa. Ele entao continouou:
- No ano passado voce foi para o Marrocos, agora voce quer ir para a India???
- Karim, voce é Argelino como pode dizer isso?
- Ueh posso dizer com toda propriedade, de zona ja basta o meu pais. Quando eu vou
viajar eu gosto de sossego! Lugares organizados!
Eu achei aquilo muito engracado. Trabalhamos mais algumas vezes juntos. E depois disso mais um ano se passou sem eu encontrar o Karim. Ja no meu terceiro ano de trabalho de vigia na epoca de provas, eu posso dizer que conheco mais ou menos todo mundo. E os vigias que nao estao sei que terminaram suas teses, e os novos sei que estao comecando. Faz ja algumas semanas que eu comecei a trabalhar e ate ontem eu nao tinha encontrado o Karim. Na verdade eu nem tinha pensado nisso ate encontra-lo no corredor.
- Karim, voce nao esta trabalhando?
- Nao,esse ano eu to muito atarefado.
Nos despedimos e assim que eu sai andando ele me chamou:
- Jules, I am very curious, which Lonely Planet are you carrying around this time?
Eu sorri, e expliquei que nao tinha nenhum Lonely Planet comigo. Eu estava estudando durante todo o meu tempo de vigia.
- Are you serious? Voce nao esta planejando ir a nenhum lugar caotico nesse verao?
Nenhum Lonely Planet do Iraque ou do Afeganistao na sua bolsa?
- "Nao. Da uma olhada." eu disse brincando.
Ele sorriu meio espantado, e eu nao resisit e tive que confessar.
- Karim, eles estao em casa.
- Pakistan? Mongolia?
- Eu adoraria ir a esses lugares. Mas nao dessa vez. Dessa vez eu to indo passar
tres meses no sudeste Asiatico:) Voce?
- You know me, I ll stick to Europe! So which guides did you get?
- Thailand, Laos and Cambodia :)
segunda-feira, maio 18, 2009
Eternamente
"E de novo acredito que nada do que é importante se perde verdadeiramente. Apenas nos iludimos, julgando ser donos das coisas, dos instantes e dos outros. Comigo caminham todos os mortos que amei, todos os amigos que se afastaram, todos os dias felizes que se apagaram. Não perdi nada, apenas a ilusão de que tudo podia ser meu para sempre."
Miguel Sousa Tavares
Miguel Sousa Tavares
terça-feira, maio 12, 2009
Listas
A Sabrina foi embora de Londres na quinta-feira passada. Foi assim sem ser muito bem definido se volta para ficar, se mudar para outro lugar, que lugar seria esse, enfim, foi assim em meio a uma enorme incerteza. Foi no dia do seu aniversario que celebramos no mesmo lugar onde tomamos muitos brunches e onde passamos muitas horas conversando das coisas mais variadas. Falamos de teses, de fisica, de antropologia, de filosofia, cinema das coisas mais profundas as mais banais tambem. Nessa quinta falamos de tudo menos é claro da despedida.
Anteontem eu fui a despedida da Marisa. Marisa que tambem esta terminando doutorado, que eu conheci num outro churrasco de um outro amigo que tambem ja partiu. Eu fiquei amiga da Marisa por causa da minha enorme distracao. Todas as vezes que eu ia mandar uma mensagem para Marisa Portuguesa que estuda comigo na LSE eu mandava a mensagem para a Marisa Brasileira que eu pouco conhecia. Todas as vezes ela me avisava, e todas as vezes eu ligava de volta para pedir desculpas. O tamanho do pedido de desculpa ia aumentando, tornavam-se no comeco saudacoes, depois conversas, e enfim amizade, logo assim bem pertinho dela ir embora. Bem pouco tempo antes da Marisa se mudar para os Estados Unidos.
Quantas pessoas tem que conscientemente escolher em que continente vao morar? Muitas no mundo eu imagino, mas nao sao tantas assim. A maioria das pessoas muda so de casa, de bairro. Outras mudam de cidade, mas assim de país não são tantas. E sao ainda menos as que mudam de paises varias vezes. Essas pessoas se encontram pelo mundo. Se encontram onde é que estejam. Pois essas conhecem bem a angustia que vem com a "liberdade" de mudar de paises. Essas sabem bem o que é uma vida de olas para muitos desconhecidos e adeus para muitas pessoas queridas.
E nao há momento que sintetize isso melhor do que deletar o nome de alguem querido do seu celular. Eu evito por um longo tempo fazer isso. Deixo o nome la, como varias desculpas "caso a pessoa volte", ou simplesmente so para me sentir acompanhada. Mas aí voce passa por aquele nome a quem tanto ligava e sabe que agora ja nao pode mais disca-lo. Passa, passa, passa varias vezes até que chega o dia em que voce vai até as funções do seu celular e escolhe "apagar". E fica ali olhando a ampulhetinha virando enquanto aquela pessoa está sendo apagada da sua vida.
E é claro que nos refugiamos em outras coisas, prometemos usar o skype, o facebook, o e-mail, o orkut, o msn afinal a pessoa nao vai desaparecer "de verdade". Depois de um certo numero de numeros apagados, no entanto, sabe se bem que apesar daquele pessoa nao estar de fato sendo apagada, do seu dia-a-dia ela está.
E é por isso que olha a ampulhetinha é tão duro. Por isso ela é tão simbólica. Ela mostra o tempo passando. E as amizades quando se mora fora parecem ter data de vencimento. "Quando termina o seu doutorado?" "E o seu mestrado?" "Quando voce deixa de receber a sua "grant" ? " "Até quando é o seu posto?" "Seu visto?" É mais ou menos assim que parecem ser "medidas" as amizades.
E eu me escancaro todas as vezes. Seja numa amizade de 3 dias no deserto do Sahara, seja com um companheiro de musica num posto diplomatico, seja com uma querida amiga que talvez va fazer post doc num outro continente. Porque eu estou convencida que por mais dificil que seja deletar alguem do seu dia-a-dia, um dia-a-dia vazio é pior. Entao de todas essas MUITAS despedidas que tenho tido fica um enorme sentimento de alegria e gratidao. Nesse eterno ciclo de deletar pessoas da minha lista do celular eu tenho criado uma lista bem mais importante: a lista das pessoas que fazem parte da minha vida.
Anteontem eu fui a despedida da Marisa. Marisa que tambem esta terminando doutorado, que eu conheci num outro churrasco de um outro amigo que tambem ja partiu. Eu fiquei amiga da Marisa por causa da minha enorme distracao. Todas as vezes que eu ia mandar uma mensagem para Marisa Portuguesa que estuda comigo na LSE eu mandava a mensagem para a Marisa Brasileira que eu pouco conhecia. Todas as vezes ela me avisava, e todas as vezes eu ligava de volta para pedir desculpas. O tamanho do pedido de desculpa ia aumentando, tornavam-se no comeco saudacoes, depois conversas, e enfim amizade, logo assim bem pertinho dela ir embora. Bem pouco tempo antes da Marisa se mudar para os Estados Unidos.
Quantas pessoas tem que conscientemente escolher em que continente vao morar? Muitas no mundo eu imagino, mas nao sao tantas assim. A maioria das pessoas muda so de casa, de bairro. Outras mudam de cidade, mas assim de país não são tantas. E sao ainda menos as que mudam de paises varias vezes. Essas pessoas se encontram pelo mundo. Se encontram onde é que estejam. Pois essas conhecem bem a angustia que vem com a "liberdade" de mudar de paises. Essas sabem bem o que é uma vida de olas para muitos desconhecidos e adeus para muitas pessoas queridas.
E nao há momento que sintetize isso melhor do que deletar o nome de alguem querido do seu celular. Eu evito por um longo tempo fazer isso. Deixo o nome la, como varias desculpas "caso a pessoa volte", ou simplesmente so para me sentir acompanhada. Mas aí voce passa por aquele nome a quem tanto ligava e sabe que agora ja nao pode mais disca-lo. Passa, passa, passa varias vezes até que chega o dia em que voce vai até as funções do seu celular e escolhe "apagar". E fica ali olhando a ampulhetinha virando enquanto aquela pessoa está sendo apagada da sua vida.
E é claro que nos refugiamos em outras coisas, prometemos usar o skype, o facebook, o e-mail, o orkut, o msn afinal a pessoa nao vai desaparecer "de verdade". Depois de um certo numero de numeros apagados, no entanto, sabe se bem que apesar daquele pessoa nao estar de fato sendo apagada, do seu dia-a-dia ela está.
E é por isso que olha a ampulhetinha é tão duro. Por isso ela é tão simbólica. Ela mostra o tempo passando. E as amizades quando se mora fora parecem ter data de vencimento. "Quando termina o seu doutorado?" "E o seu mestrado?" "Quando voce deixa de receber a sua "grant" ? " "Até quando é o seu posto?" "Seu visto?" É mais ou menos assim que parecem ser "medidas" as amizades.
E eu me escancaro todas as vezes. Seja numa amizade de 3 dias no deserto do Sahara, seja com um companheiro de musica num posto diplomatico, seja com uma querida amiga que talvez va fazer post doc num outro continente. Porque eu estou convencida que por mais dificil que seja deletar alguem do seu dia-a-dia, um dia-a-dia vazio é pior. Entao de todas essas MUITAS despedidas que tenho tido fica um enorme sentimento de alegria e gratidao. Nesse eterno ciclo de deletar pessoas da minha lista do celular eu tenho criado uma lista bem mais importante: a lista das pessoas que fazem parte da minha vida.
sábado, maio 09, 2009
Solidão na Paraiba
Faz muito tempo que um amigo meu me pede para colocar aqui a estoria do Edivaldo. Eu resisto pois existe alguma coisa da estoria do Edivaldo que não me deixa escreve-la. Não que ela seja uma estória secreta, na verdade eu já contei essa estoria a muitas pessoas. Pessoas de diversos países e continentes, eu a conto toda vez que toco a musica que eu escrevi para ele, e toda vez que eu conto eu volto naquele momento, naquela praia onde eu o conheci.
Durante toda minha adolescência eu viajei para Ubatuba com meus amigos de escola. Iam os meus amigos que convidavam seus amigos, que levavam seu violões, seus tambores, suas sanfonas, suas flautas, enfim levávamos tudo que pudéssemos tocar. Iam os do Jazz, os do Blues, os da MPB, os do rock ate mesmo os do forró! De comum todos nos nunca tínhamos passado dificuldade financeira séria na vida.
Toda vez que encontro com alguem que na minha casa esteve, eu ouço suas lembranças. Todos nós guardamos memórias bem musicais, bem divertidas dessas viagens. Mas tem uma memória que me marcou mais. E essa é claro, a memória do meu encontro com o Edivaldo.
Eu estava na praia tocando violão, rodeada pelos meus amigos. Era um dia lindo, eu estava tocando e cantando quando de repente me dei conta que minha amiga Carol estava falando com um vendedor de redes. Eu estava meio longe, mas ouvi ela dizer meio que brincando:
-" Mas voce já tentou me vender essa rede todos os dias. No comeco da praia, no meio da praia.."
antes que ela terminasse, ele a interrompeu dizendo:
_ "Se lhe encontrar no final da praia tento de novo e pode ser que você comrpre"
Eu achei aquilo muito engraçado e comecei a inventar na hora uma musica falando da tal rede. Ele me olhou chocado e disse:
-"Oxe, que essa mulher é mae de santo!!!!"
- Que isso, nao sou nao.
- Claro que é eu conheço muito bem, só de olhar, e você é!
Quem era eu para discordar de um expert :)
- "Qual seu nome?", perguntei
- "É Edivaldo"
Disse num sotaque forte e melódico do nordeste.
- De onde voce é Edivaldo?
- De Catolé, la na Paraiba!
- Catole do Rocha, terra do Chico Cesar!??!!?
Ele ficou super impressionado de eu conhecer Catolé, e ainda mais de eu conhecer o Chico César. Comecei a fazer mil perguntas sobre como ele tinha vindo parar em são paulo, e aos poucos ele foi me explicando toda a estoria da vida dele. A cada palavra nos íamos ficando mais quietos. Ele foi explicando da vida em Catole, da dificuldade, da chance de vir ganhar dinheiro em sao paulo, das redes que ele pegou para vender, de quantas ele precisava vender por semana, da divida que ia crescendo pois ele nao conseguia vende-las, do dono das redes que cobrava aluguel e a comida de onde ele estava. Enfim, a cada palavra que ele juntava ia se configurando ainda mais um caso de trabalho "semi" escravo.
- Edivaldo, faz quanto tempo que voce esta aqui?
- Oxe ja tem mais de dois anos.
- E voce tem vontade de ir embora?
- Uma vontade doida. Eu achava que a vida era ruim, mas eu sinto uma falta da Paraiba, uma saudade da minha mulher.
- Nossa, faz dois anos que voce nao a ve?
- Faz. E voce quer saber o pior de tudo???
- O que?
- Ela ta grávida!!!!!
Eu nunca vou me esquecer desse momento. Todos nos, todos nos que estávamos prestando a maior atenção paramos ali. Meio que sem saber o que dizer. Suspensos. Eu fiquei olhando para o Edivaldo, e depois de hesitar um pouco disse
- Edivaldo, mas voce entende que se voce nao ve a sua mulher ha dois anos, e ela ta gravida, esse filho nao é seu??
Ele me olhou na maior naturalidade e disse:
- Oxe, e pai nao é o que cria???
Um pouco chocada e arrebatada eu perguntei
- E voce vai criar essa crianca?
- Oxe minha filha, voce nao sabe como é duro ficar sozinho no meio do nada.
De fato nenhum de nos entendia. Nos todos fomos avassalados por essas palavras. Nos todos tao cheios de convcicoes fomos arrebatados pela singeleza das palavras do Edivaldo. Eu lembro do silencio. Dentro de mim, até o mar parecia ter parado de fazer barulho. Como se tudo ali tivesse ficado suspenso. E eu fiz a única coisa que eu sabia fazer: eu toquei. Toquei uma musica do Chico Cesar, e enquanto eu tocava eu vi o Edivaldo viajar para Catole, vi seus olhos distantes visitando seus lugares queridos. Vi seus olhos se encherem de lágrimas, senti as lagrimas no meu. Assisti Edivaldo engolir as lágrimas com os olhos.
_ Edivaldo, chora.
_ Que isso, é pecado chorar sem razão.
_ Mas uma lágrima seca dói mais...
_ É pecado chorar sem razao, ele repetiu.
E assim eu tive que engolir as minhas também.
- Sabe o que voce faz. Procura todos os dias uma coisa bonita. Se voce ficar mais 10 dias voce tera 10 coisas para contar. Se ficar 20 vai ter mais :)
- Que bonito isso. Voce pode escrever essa ideia num papel?
Sem papel eu sugeri que ele guardasse na cabeça, que não precisava ser escrito.
-"É verdade, eu num sei nem ler." E deu uma gargalhada.
Eu é claro comprei a rede. A que ele escolheu para mim, a mais bonita segundo ele, a mais colorida.
-" Eu nem precisei lhe encontrar no final da praia :)" disse sorrindo.
Antes de ir embora mandou os meninos tomarem conta de mim, " se nao eu venho com a peixeira! vocês tem que tratar essa menina muito bem!" E assim ele partiu. Eu sem dizer nada levantei, andei em direção ao mar, entrei no mar sem chorar em respeito a ele. Eu que choro até em propaganda engoli toda a emoção que eu senti ali no mar, ali naquele total silencio. Eu transbordei mais tarde na musica que eu fiz para ele: "Solidao na Paraiba".
Faz mais de 10 anos que isso aconteceu. E todas as vezes que eu vou para Ubatuba eu olho os vendedores de rede pensando no Edivaldo. Eu olho na ansia de NAO encontra-lo. Eu gosto de imaginar que ele voltou para ser pai, eu gosto de imaginar que ele voltou sem ter muitas coisas bonitas para contar para a mulher. Então eu o procuro mas confesso que não muito atentamente, eu olho assim de longe e espero nunca ter que contar a ele que hoje eu entendo bem melhor a solidão.
quinta-feira, maio 07, 2009
Lonely Planet
Toda vez que eu resolvo ir para um lugar novo eu compro o Lonely Planet. Eu sei, eu sei que é onde estao os mesmos turistas, eu sei que é pouco original, sei que tem gente que prefere o Rough Guide, enfim, o fato é que eu me acostumei com o Lonely Planet, e quando pego o rough guide detesto. "Man is a creature of habit' como diria o Mustapha meu ex professor e amigo. Quase tudo que eu preciso saber eu procuro no Thorn Tree, forum do Lonely Planet online onde viajantes deixam suas perguntas e respostas. Sempre que eu me deparo com o tanto de informacao que pessoas comuns colocam la, respostas detalhadas para totais desconhecidos, conselhos, dicas, eu me surpreendo. Sempre fico alegre pois para mim o Thorn Tree sempre parece como um pequeno exemplo do altruísmo das pessoas..
Outra coisa que sempre acontece é que assim que eu escolho o destino, assim que eu olho para o mapa uma coisa estranha acontece. Nao que eu planeje muito minhas viagens antes de ir, eu olho mais como quem quer começar a se familiarizar, assim como alguem que se diz " la vou eu para um lugar bem diferente com todas essas possibilidades". Toda vez me da um medinho, e toda vez que eu abro um novo guia é como se todas as minhas outras viagens acordassem dentro de mim. Aparecem lugares, pessoas, momentos, coisas que eu as vezes não visitei ha tanto tempo. E vem uma cascatas de momentos, de cheiros, e os cheiros são as memorias mais fortes, pois as vezes eu nem sei de onde eles vêm. E eles sao sentidos dentro de mim, distantes e eu me sinto meio que viajando no tempo.
Hoje eu fui transportada para um mercado no Peru, talvez tenha sido porque meu colega e amigo peruano Gabriel tenha vindo jantar aqui, talvez tenha sido porque eu abri a gaveta da cozinha e vi o lindissimo "jogo americano" que eu comprei no Peru. Sei la, eu sei que de repente veio o mercado, suas cores fortes, e assim que vieram as cores vieram os cheiros e as pessoas. Lembrei-me de como eu que nunca compro nada, fiquei encantada naquele mercado, com tudo feito a mao, eu que nunca compro nada comprei o jogo americano, e depois pinturas, e uma escultura, e logo na horinha de ir embora um tapete! Eu que nao tinha nem casa, nem chao, comprei um tapete. Nao, na verdade eu nao comprei o tapete, eu comprei as cores, eu comprei o mercado, era isso que eu queria: aquele momento.
E quando cheguei de volta ao ônibus com todas as minhas compras tive um acesso de riso. Eu viajando o Peru e a Bolivia sozinha, de mochila, ia ter agora um TAPETE(!) para carregar. Que ideia. Paramos para almocar, e para minha total surpresa eu tinha gastado TODO o meu dinheiro. O problema nao era nem ficar sem comer, mas ficar sem beber naquele calorao. Uma senhora do meu grupo se aproximou e me perguntou se eu nao ia almoçar. Eu expliquei a estoria e ela disse" deixe de bobagem eu te pago o almoco!" Era uma senhora Peruana de uns cinquenta e poucos anos viajando com a sobrinha. Eu fiquei sem graça, ela insistiu, e eu concordei com a condição que me deixasse paga-la assim que chegássemos de volta a Cuzco. Almoçamos juntas, visitamos todas as ruinas do vale sagrado juntas e quando eu voltei para Cuzco por acaso nos perdemos. Eu sabia que ela iria estar na rodoviária naquela noite, então fui la desesperada para encontra-la. Encontrei as, devolvi o dinheiro e agradeci. Ela me contou que iria para Aguas Calientes no dia seguinte de manha, e eu contei a ela que eu pegaria o trem da tarde. Nos veríamos la.
Peguei o trem na tarde seguinte, e a viagem inteira eu senti uma sensação estranha na minha barriga. Eu nao estava entendo muito bem oque estava me acontecendo, eu nunca tinha sentido nada daquele tipo. Acabei dormindo, ou desmaiando nao sei. Só sei que cheguei em Aguas Calientes me sentido mal, muito mal. Sai do trem, o pessoal da minha guesthouse devia estar me esperando. Estilo placa na mao e letras garrafais com meu nome, tudo isso (des)organizado pela senhora do meu hotel em Cuzco. Eu estava me sentido péssima, nao conseguia nem entender direito o que estava acontecendo. Eu nao sabia o nome do hotel, só tinha o contato da senhora de Cuzco que tinha me organizado a viagem. Eu estava realmente abalada. Nao estava nem nervosa pois estava me sentindo tao mal que estava até calma. Estilo po da rabiola, fundo do poço :)
Sai do trem, olhei todas as placas e nao vi nenhuma com meu nome. Eu tava tao fraca que nao conseguia nem ler direito. Achei que fosse desmaiar. O que podia ser aquilo??? Tambem nao pensei muito nisso, pois para pensar é preciso energia. Eu me lembro de ficar ali parada, prostrada quando de repente no meio das pessoas veio vindo uma mulher de vermelho, sorrindo, demorou um segundo para eu reconhece-la. Dona Carmen assim apareceu como um verdadeiro anjo, ela e a Sandra. Queriam ter certeza que eu chegaria bem. Percebendo minha palidez ela me fez sentar, perguntou onde eu estava hospedada, e em poucos minutos ligou para a mulher de Cuzco, encontrou os atendentes do meu hotel, brigou com elas por nao estarem la, e ainda me comprou uma coca. Tudo isso enquanto eu suava frio, enquanto eu fazia toda forca do mundo para explicar a ela o quao grata e feliz eu estava em ve-la.
Como era de se esperar nessas situações meu hotel era o ultimo de uma ladeira imensa. A mulher do hotel que ate entao nao tinha aparecido, agora nao parava de falar. Cada palavra dela me deixava mais enjoada. Eu nao tinha a menor ideia do que ela estava dizendo, eu tava meio que num mundo paralelo torcendo para o hotel aparecer, e aquela mulher ficar quieta. Ela falava de um guia que ia me mostrar e explicar tudo sobre as ruinas, um guia que eu ja tinha pago, de um papel, de um milhao de coisas. Queria que eu fosse encontrar o tal guia naquele segundo. Eu mal tinha forcas para subir a ladeira, imagina ir discutir uma expedição arqueológica!. Eventualmente chegamos no hotel. A mulher falava, falava, falava, e assim que eu parei de andar sobrou energia para eu pedir a ela " por favor eu preciso ir deitar eu estou me sentindo muito mal." Ela insistia que eu precisava organizar com o guia a minha visita. Nesse momento Dona Carmen mais uma vez me salvou, disse a moca que me deixasse em paz, que me levasse ate o quarto antes que eu desmaiasse no saguão. A moca concordou, resolveríamos depois " mas e o guia", " eu nao preciso do guia" "mas voce ja pagou" "otimo, entao deixa eu ir pro quarto". Entrei no quarto, Dona Carmen e Sandra se ofereceram para procurar um medico. Eu agradeci mas disse que achava que eu so precisava descansar. Despediram-se, mandaram-me descansar, disseram-me que voltariam depois para ver se eu estava melhor.
Eu nunca fiquei tao feliz de ver uma cama. Deitei com uma dor na minha barriga inexplicável. Eu suava frio, sentia calafrios, me contorcia. De repente eu pensei, talvez eu precise ir ao banheiro. Nao eu nao queria, eu sou muito regulada sempre sei quando preciso ir ao banheiro, nao era o caso, e alem do mais nao queria me levantar da cama. Eventualmente acabei resolvendo que talvez ajudasse. Assim que sentei na privada, eu tive uma baita diarreia. Foi uma coisa realmente incrível, porque eu nao tinha percebido que eu precisava ir ao banheiro. Eu nao tinha percebido que eu estava completamente intoxicada por alguma coisa que meu corpo precisava expelir desesperadamente. O que mais me surpreendeu foi eu nao perceber isso. A melhora foi quase que imediata.
O tapete por outro lado acabou nunca estando em nenhum chao de nenhuma casa onde eu morei. Ele foi bem mais util. Ele me cobriu quando fez -10 graus na reserva Eduardo Avaroa perto do salar do Uyuni, foi meu travesseiro quando cruzei a Bolivia de onibus serviu para embrulhar a escultura. E foi por causa do tapete que eu acabei conhecendo a Dona Carmen. É engraçado o cerebro, tudo isso, toda essa estoria e mais todas as outras estorias nao articuladas, nao verbalizadas estao no simples ato de abrir o Lonely Planet.
sexta-feira, maio 01, 2009
Os Vermes
Quem me conhece sabe que eu fui de ateia militante a interessada em questoes metafisicas e ontologicas. Buscando pelo caminho a meditacao, yoga, budismo, filosofia e até mesmo perguntas ou respostas nos meus amigos fisicos. Engracado, que hoje eu raramente entro em qualquer discussao desse tipo. Estou super acostumada com os argumentos do Dawkins ( afinal eu era uma "fiel leitora"), o Dennet, os neurocientistas, enfim, todas as visoes materialistas da consciencia. Com quase tudo isso eu sei lidar. Com o povo do outro lado tambem, eu escuto quase tudo, e enfim, para ser sincera ja nem tenho muita necessidade de estar certa :) Como colocaria um amigo meu "The TRUTH is overated :)
Nao é que hoje no entanto, eu estava voluntariando quando uma coisa engracada aconteceu. Estava eu la brincando com o Severum, quando de repente um grupo de alunos da minha classe comecou a ter uma disussao. Uma discussao daquele tipo de discussao de crianca, cada um repetindo a mesma coisa varias vezes. Eu nao estava escutando do que se tratava, na verdade so me dei conta do evento, quando ouvi meu nome.
Alguem la tinha decidido " Let s go ask Juliet! She will know!!!!" Nisso concordaram e veio um grupo de umas 6 criancas correndo em minha direção. No comeco eu nem conseguia entender o que estava acontecendo, nem o que eles estavam me perguntando. "Guys, I cant understand anything." De repente a Nadja, uma pequena menininha muculmana da Somalia me pergunta: " Julieta nao é verdade que vermes NAO vao para o céu.?"
Parecia cena de filme, eu fiquei muda, eles todos em silencio e esperando a minha resposta, a resposta "Correta". Que foi é claro " Nao sei, o que voces acham?". Bom, uns comecaram a explicar que sim é logico porque um verme é um animal e todos os animais vao para o ceu, outros diziam que nao que nao tem animal no ceu, um outro menininho disse que ceu nem existia!. E eu repeti que nao sabia. Foi tao engracado estar ali rodeada de criancas de crenças completamente distintas, e escuta-las ponderando sobre a questao.
Quando eu cheguei em casa contei ao Haiko sobre a estoria. E ele me perguntou imediatamente: "e voce o que acha?" Ele que nem acredita em ceu, com sua visao "neuro-cientifica" disse que ainda que existisse um ceu, ele achava que os vermes nao qualificavam pois nem tem "consciencia". Eu resolvi entao usar o perspectivismo do Viveiro de Castro, assim como exercicio mental. Alondra, minha roomate, foi categorica "Claro que sim. Claro que eles vao.!!". Eu expliquei a ela que essa visao nao condizia com o catolicismo dela. "Claro que vao, é vida e é isso o que importa!". Paralelamente na minha mente eu podia ate exergar meu amigo Emanuel dizendo" Is that a serious question???? É obvio que nao ! E voce deiva ter dito a essas criancas, e nao ficar colaborando com crencas sem sentido!".
Engraçado, nessas questoes metafisicas, e ontologicas, nos podemos ate usar palavras mais elaboradas, podemos ate desconsiderar linhas de pensamentos, "customize" as nossas ideologias, podemos buscar fatos e mais mitos. No entanto, observando o nosso comportamento eu senti que ele nao se diferenciara muito das minhas criancas de 6 anos. Alguns tem ideias fortes, outros tem perguntas, alguns nao sem importam, muitos buscam alguem que seja mais validado pela sociedade para ter a respota "correta", mas "ultimately" nos sabemos muito pouco. E afinal os vermes vao para o ceu???
Nao é que hoje no entanto, eu estava voluntariando quando uma coisa engracada aconteceu. Estava eu la brincando com o Severum, quando de repente um grupo de alunos da minha classe comecou a ter uma disussao. Uma discussao daquele tipo de discussao de crianca, cada um repetindo a mesma coisa varias vezes. Eu nao estava escutando do que se tratava, na verdade so me dei conta do evento, quando ouvi meu nome.
Alguem la tinha decidido " Let s go ask Juliet! She will know!!!!" Nisso concordaram e veio um grupo de umas 6 criancas correndo em minha direção. No comeco eu nem conseguia entender o que estava acontecendo, nem o que eles estavam me perguntando. "Guys, I cant understand anything." De repente a Nadja, uma pequena menininha muculmana da Somalia me pergunta: " Julieta nao é verdade que vermes NAO vao para o céu.?"
Parecia cena de filme, eu fiquei muda, eles todos em silencio e esperando a minha resposta, a resposta "Correta". Que foi é claro " Nao sei, o que voces acham?". Bom, uns comecaram a explicar que sim é logico porque um verme é um animal e todos os animais vao para o ceu, outros diziam que nao que nao tem animal no ceu, um outro menininho disse que ceu nem existia!. E eu repeti que nao sabia. Foi tao engracado estar ali rodeada de criancas de crenças completamente distintas, e escuta-las ponderando sobre a questao.
Quando eu cheguei em casa contei ao Haiko sobre a estoria. E ele me perguntou imediatamente: "e voce o que acha?" Ele que nem acredita em ceu, com sua visao "neuro-cientifica" disse que ainda que existisse um ceu, ele achava que os vermes nao qualificavam pois nem tem "consciencia". Eu resolvi entao usar o perspectivismo do Viveiro de Castro, assim como exercicio mental. Alondra, minha roomate, foi categorica "Claro que sim. Claro que eles vao.!!". Eu expliquei a ela que essa visao nao condizia com o catolicismo dela. "Claro que vao, é vida e é isso o que importa!". Paralelamente na minha mente eu podia ate exergar meu amigo Emanuel dizendo" Is that a serious question???? É obvio que nao ! E voce deiva ter dito a essas criancas, e nao ficar colaborando com crencas sem sentido!".
Engraçado, nessas questoes metafisicas, e ontologicas, nos podemos ate usar palavras mais elaboradas, podemos ate desconsiderar linhas de pensamentos, "customize" as nossas ideologias, podemos buscar fatos e mais mitos. No entanto, observando o nosso comportamento eu senti que ele nao se diferenciara muito das minhas criancas de 6 anos. Alguns tem ideias fortes, outros tem perguntas, alguns nao sem importam, muitos buscam alguem que seja mais validado pela sociedade para ter a respota "correta", mas "ultimately" nos sabemos muito pouco. E afinal os vermes vao para o ceu???
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