Este é o terceiro ano que trabalho part time de vigia de prova na Birkbeck College. O trabalho consiste em dar uns 5 minutos de informacao, e depois, bom oficialmente acho que era para vigiarmos, mas o que acontece mesmo eh que como a maioria dos vigias sao doutorandos e mestrandos, portanto passamos o tempo todo a ler e estudar. Nada mais conveniente.
Na minha primeira sessao de de trabalho ha tres anos atras, eu trouxe para ler o guia Lonely Planet do Marrocos. Quem trabalhou comigo foi um rapaz silencioso que nao disse nada nesse primeiro dia. Depois conversamos mais ele me contou que era da Argelia, e que fazia doutorado em economia, falou da tese essas coisas.
O ano passado quando encontrei com o Karim numa prova eu estava lendo o Lonely Planet da India. Ja me conhecendo melhor dessa vez ele nao hesitou.
- Jules, eu nao me conformo o que eh que voce quer fazer nesse lugares caoticos?
Eu fiquei meio surpresa. Ele entao continouou:
- No ano passado voce foi para o Marrocos, agora voce quer ir para a India???
- Karim, voce é Argelino como pode dizer isso?
- Ueh posso dizer com toda propriedade, de zona ja basta o meu pais. Quando eu vou
viajar eu gosto de sossego! Lugares organizados!
Eu achei aquilo muito engracado. Trabalhamos mais algumas vezes juntos. E depois disso mais um ano se passou sem eu encontrar o Karim. Ja no meu terceiro ano de trabalho de vigia na epoca de provas, eu posso dizer que conheco mais ou menos todo mundo. E os vigias que nao estao sei que terminaram suas teses, e os novos sei que estao comecando. Faz ja algumas semanas que eu comecei a trabalhar e ate ontem eu nao tinha encontrado o Karim. Na verdade eu nem tinha pensado nisso ate encontra-lo no corredor.
- Karim, voce nao esta trabalhando?
- Nao,esse ano eu to muito atarefado.
Nos despedimos e assim que eu sai andando ele me chamou:
- Jules, I am very curious, which Lonely Planet are you carrying around this time?
Eu sorri, e expliquei que nao tinha nenhum Lonely Planet comigo. Eu estava estudando durante todo o meu tempo de vigia.
- Are you serious? Voce nao esta planejando ir a nenhum lugar caotico nesse verao?
Nenhum Lonely Planet do Iraque ou do Afeganistao na sua bolsa?
- "Nao. Da uma olhada." eu disse brincando.
Ele sorriu meio espantado, e eu nao resisit e tive que confessar.
- Karim, eles estao em casa.
- Pakistan? Mongolia?
- Eu adoraria ir a esses lugares. Mas nao dessa vez. Dessa vez eu to indo passar
tres meses no sudeste Asiatico:) Voce?
- You know me, I ll stick to Europe! So which guides did you get?
- Thailand, Laos and Cambodia :)
3 comentários:
Olá Julieta!
Não sou a Cris sua amiga, sou a que lhe pediu uma indicação de guia no Marrocos...
O guia fez muita falta. Falta muito para eu descolonizar a minha mente, tivemos muitos choques culturais. Você, que curte tanto viajar para lugares exóticos, como faz para lidar com isto? Aqui vai um exemplo do que estou falando, desculpe se não lhe interessar.
Na nossa primeira noite em Marrakech acordei de madrugada com os “lamentos desesperados” de um homem. Como tinha um cassino perto do hotel, e detesto cassinos, imaginei logo que o coitado tinha perdido tudo que tinha no jogo, e daí quase não dormi mais.
Poucas semanas depois lá estamos em Istanbul, e acordo novamente com o “lamento”. Só que lá não me pareceu nem um lamento nem desesperado. Pude ouvir perfeitamente que era uma mesquita chamando para oração, pouco antes do nascer do sol. Ri do meu “delírio” em Marrakech e voltei a dormir, muito bem. Estava bem instalada em ambas as cidades, com meu marido do lado. Mas às vezes o choque cultural é tanto que até distorce o que a gente ouve.
Mudando de assunto, em 2007 concluí meu mestrado na Birkbeck e fiz 6 provas lá nesta mesma época. Quem sabe já nos encontramos antes? Não saberia dizer. Só tinha olhos para as provas.
Ler o seu blog é um prazer. Graças aos seus comentários, vou experimentar o Lonely Planet breve.
Um abraço.
Oi Cris,
Muito obrigada pela mensagem. Eu escrevi para minhas duas amigas marroquinas naquela epoca e como nao obtive resposta acabei esquecendo. desculpe.
Pois é o chamado do Muezin é incrivel mesmo :) Olha entao, eu acho que choques culturais sao inevitaveis. Lugares muito diferentes sao cansativos porque eles parecem atacar todos os nosso sentidos ao mesmo tempo o tempo todo. Eu acho que esquecemos o quanto de coisa ja ta meio que " internalizada" no nosso dia a dia... entao ir para um lugar diferente faz vc ter que estar mais atenta o tempo todo.
Eu acho que a melhor maneira de lidar com isso, é ( sem entrar num debate antropoligco:) é reconhecer o choque. É parar e observar o que aquilo te causa dentro. Os sentimentos sao varios é claro, e fonte de enorme aprendizado das nossas proprias expectativas e concepcoes.
Tem hora que da vontade de sentar no chao e chorar, se teletransportar... eu acho que nessas situacoes a melhor coisa é ser humilde. reconhecer que ha diversas maneiras de viver no mundo. No fundo isso entra em debates filosoficos ( filosofia da moral etc ) e muito antropologico ( quao similares sao nossas capacidades cognitivas, quao afetadas pelo meio etc). Para mim pessoalmente, eu acho que esses encontros nos permitem um pequeno "glimpse" a outras realidades. Nem sempre faceis, nem sempre de acordo com o nossos padroes de beleza.
Acho que a melhor coisa é fazer o que voce fez...Rir. No fundo dos nossos proprios PRÉ- conceitos.
hahahaha, eu nao podia concordar mais com o Karim!
Nao aguento esse povo que vem para Londres e vai morar nos bairros mais baguncados, aqueles que parecem a Rua da Alfandega no Rio. Pombas, para isso eu vou morar na Rua da Alfandega, onde o aluguel eh mais barato e eu posso falar portugues! Serio, como disse o Karim, para ficar na bagunca eu fico na minha terra. Eu vim para ca justamente para fugir da bagunca.
So para vc ter uma ideia, minha ultima viagem foi para a Italia. Depois de uma semana de trem atrasado, gente berrando, transito caotico, voltei de la e falei pro marido: a proxima viagem eh para a Escandinavia, ta?
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