sexta-feira, março 02, 2007

Porque as Bolivianas Viajam de Saia




A viagem de 'Bus Cama' de Santa Cruz de La Sierra a La Paz foi inenarrável . Saímos de Santa Cruz uma hora atrasados. Depois de uma noite a procura de um hotel para ficar, e um dia a caca do hotel onde ficamos sentamos no ônibus exaustos. Essa era a vantagem: dormiríamos. A viagem começou e o Sho começou a passar mal. Eu tinha certeza que aquilo iria acontecer depois de ter visto a comida, e a limonada local que ele tinha tomado. Ele me garantiu que não, que estava acostumado com as comidas na Índia que aquela comida nao era o problema. Disse que se sentia mal porque estava sentado há muito tempo. O fato é que ele foi ficando pálido e mal falava. O tempo foi passando, e cansada do jeito que eu estava adormeci.

Dormi algumas horas, mas mesmo dormindo percebi que alguma coisa estava errada. Com os olhos entre abertos vi que nosso ônibus não andava, ou melhor andava de vez em quando, e muito devagar. Mesmo na duvida se aquilo era normal ou não voltei a dormir. Logo em seguida acordei de novo, desta vez porque senti que o ônibus estava meio inclinado. Olhei pela janela e vi o precipício do meu lado, o ônibus fazendo a curva e tombando ligeiramente na direção do precipício. Percebi que todo mundo dormia, lutei contra o sono e mais uma vez me perguntei se aquilo era normal. Dormi mais um pouco, acordei em outras curvas, aterrorizada, mas com muito sono sempre voltava a dormir.

De repente eu acordei de vez, percebi que alguma coisa realmente estava errada. Havia caminhões parados nas duas mãos. Alias foi só nesse momento que eu percebi que a estrada era duas mãos. O nosso ônibus parado na contramão, precipício do meu lado esquerdo, caminhões do lado direito do ônibus. Comecei a ver homens com lanternas subindo em cima do caminhão da frente. Pessoas discutindo, lanternas para um lado e para outro. Não queria colocar a cabeça para fora com medo que uma lanterna me fosse apontada, mas queria escutar, estava com o misto de vontade de rir, e apavorada. Será que aquilo eram guerrilheiros? uma emboscada? Acordei o Sho, que estava ao meu lado, e ele também não compreendeu o que se passava. Resolvi que colocaria a cabeça para fora e foi então que compreendi o que estava acontecendo. Aqueles homens de lanterna eram motoristas, e estavam debatendo se dava ou não dava para passar na próxima curva.

_É absolutamente impossível!! Essa curva não é possível, você vai cair.

Concordaram uns motoristas, outros achavam que era possível mas arriscado. O impasse durou um tempo até que eu ouvi:

_ É possível sim, eu vou tentar!

Entrei em desespero quando ao acompanhar o homenzinho com a lanterna o vi entrar no meu ônibus!!! Era o nosso motorista! Tive um acesso de riso pensando 'eu vou ser uma das estatísticas das estradas da Bolívia.' Mas não, o ônibus foi indo devagar na contramão, tombando em direção ao precipício que eu via claramente da minha janela, e passou! Foi então a nossa vez de esperar os outros passarem, pois a estrada era tao estreita que passava um de cada vez. Nesse momento, eu pude ler claramente no caminhão que fez a curva tao perto que eu o ate toquei 'Inflamable'. Olhei a minha volta e todos continuavam dormindo. Num misto de alívio, e tristeza percebi que aquela devia ser a rotina diária daqueles motoristas. O resto da noite sonhei com ônibus explodindo, guerrilhas e precipícios.

Quando era umas 4 da manha resolvi que não tinha mais jeito eu tinha que ir ao banheiro. O ônibus ainda não tinha parado e eu que estava evitando o banheiro do ônibus resolvi que não tinha mais jeito. Passei por cima do Sho, e fui ate o fundo do ônibus. Não achei o banheiro. Imaginei que estaria no andar de baixo. Desci, e encontrei o motorista e mais dois companheiros, que me olharam com espanto.


_ donde es el bano senhor? perguntei

Ao que eles responderam muito surpresos

_ No Hay.


O motorista provavelmente percebendo o meu espanto, perguntou se eu queria que ele parasse mais para frente. Eu disse que sim, e agradeci. Voltei para o meu lugar e fiquei esperando. Algum tempo depois, subiu um homem e perguntou alto' Cadê a menina que quer fazer xixi ?' Eu achei aquilo super engraçado mas não hesitei, e percebi que vários outros homens também queriam. Desci e quando sai do ônibus percebi que não era em um posto ou bar que ele tinha parado.

O motorista tinha parado no meio da estrada. E o caminhão detrás esperava. Todos os homens abriram a calça e começaram a urinar. Quem me conhece sabe que eu não ligo para fazer xixi atrás da moitinha, mas NÃO tinha moita, era ali mesmo na estrada, do lado de 6 bolivianos fazendo xixi. Eu não podia nem me afastar muito pois era o precipício de um lado, um caminhão atrás, e outro na frente. Foi assim que compreendi porque as Bolivianas viajavam de saia.

Chamei o Sho para garantir minha segurança e fui fazer xixi. A cena seguinte foi engraçadíssima. Eu abaixei a calca, o dia clareava, o chão era de barro, eu tinha uma tonelada de xixi para fazer, me afastei o tanto que pude para não chegar muito perto do caminhão, mas também não muito para nao ficar muito perto do ultimo boliviano, agachei e comecei a fazer xixi. Como o chao era de barro e eu estava de havaianas tive que ir afastando os pés para não me molhar com o meu xixi. Conforme eu ia afastando os pes, eu comecei a perceber o xixi que vinha vindo do ultimo Boliviano. Em meio a acrobacias e risos fiz xixi.

De volta ao ônibus dormi um pouco até o próximo evento. Quando deu 5 horas da manhã o ônibus parou. Entraram umas pessoas com coisas para vender. Vendiam frango assado, pacotes de pão, uns cereais dentre outras coisas igualmente inimagináveis as 5 da manha. Só o cheiro daqueles cozidos já dava para dar um revertério. Ainda assim, compramos os pães.

No próximo pedágio entraram 2 crianças, com pequenas samponas ( aquelas flautas de bambu) para nos alegrar cantando um temita. Com uma voz ultra aguda o menino explicou que ia cantar um temita que se chamava ' las mujeres no valen nada'. A sampona desafinadíssima, a voz num outro tom, e eu queria pagar para eles pararem.

Nosso ônibus ainda foi invadido por muitos outros vendedores e cantores. Eu como tinha levado frutas não precisei experimentar nenhuma iguaria.

Quando finalmente, deu 9 horas, eu já estava desesperada para chegar. Todo aglomerado de construção que aparecia eu me animava. Nunca era La Paz. Finalmente, la pelas 10 da manhã vi uma cidade grande se aproximando. Me inundei de alegria, entramos na cidade, demos voltas, e mais voltas e nada. Resolvi pela primeira vez falar com o meu vizinho. Olhei para trás e perguntei que cidade era aquela. O senhor que ouviu minha pergunta respondeu junto com o neto:

- Cochabamba!

Peguei o meu Lonely Planet, abri na página do mapa e quando encontrei tive vontade de chorar. Cochabamba ficava praticamente na metade do caminho. Me consolei olhando as paisagens aridas e lindas. Chegamos na rodoviária de La Paz quase 4 horas da tarde.

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